A primeira ação judicial chegará nos próximos dias aos tribunais. Uma ação anulatória de ato jurídico proposta por dois produtores rurais tentará desfazer negócios de R$300 milhões da venda de 40 mil hectares de terras na Bahia e em Mato Grosso.
Os vendedores brasileiros afirmam que os compradores estrangeiros suspenderam o pagamento das parcelas do negócio sob alegação de não conseguir acessar financiamentos nem realizar transações lastreadas na posse da terra desde a mudança da regra pela AGU. Os compradores sustentam que não podem registrar nem escriturar as terras em seus nomes. Tampouco podem fazer operações simples como comprar insumos ou fechar contratos sem anuência do vendedor em casos onde sejam exigidas hipotecas do imóvel.
Os nomes das partes permanecem ainda sob sigilo. Mas o advogado Lutero de Paiva Pereira, responsável pelas primeiras ações, avalia que a situação beneficia os estrangeiros. "Eles estão cômodos. Compraram a terra e não estão pagando. Exigem que os vendedores avalizem, com seu patrimônio pessoal, financiamentos e transações que eles não podem fazer por causa das proibições da AGU", diz. Os brasileiros temem perder dinheiro e patrimônio pessoal porque, sem a posse da terra, figuram como devedores solidários. "Por isso, querem entrar na Justiça para anular o negócio", afirma Pereira. Enquanto isso, afirma ele, os estrangeiros "usam a terra e o lucro da produção" sem nenhum ônus.
Consultado sobre a situação, o advogado-geral da União Luís Adams informou ter recebido "diversas propostas" de investidores estrangeiros para modificar a interpretação da lei. "Mas até agora nenhuma decisão foi tomada", afirmou ao Valor.
A AGU fechou o cerco à aquisição por estrangeiros. Orientou o Ministério da Fazenda a criar regras, por meio da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), para impedir a compra de ações de companhias brasileiras detentoras de terras por empresas de capital estrangeiro. Também recomendou ao Ministério do Desenvolvimento bloquear aquisições e fusões de empresas brasileiras e estrangeiros a partir da informação das Juntas Comerciais nos Estados. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou aos cartórios um "pente fino" nessas transações para evitar o registro definitivo das terras.
As compras de propriedades rurais por estrangeiro vinham sendo fechadas com base em um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que dispensou autorização para a aquisição de imóveis rurais em território nacional. Até 1995, o Artigo nº 171 da Constituição Federal, depois revogado, permitia a distinção entre dois conceitos: empresa nacional de capital estrangeiro e companhia controlada por acionistas não-residentes no país ou com sede no exterior.
De 2002 a 2008, houve uma avalanche de investimentos estrangeiros em terras no Brasil. Dados do Banco Central apontam para um aporte de US$2,43 bilhões nesse período. Se consideradas todas as atividades do agronegócio, como agroindústrias e serviços, a conta chega a US$46,91 bilhões em sete anos.
A decisão da AGU também abre a possibilidade de questionamentos jurídicos nos casos de aquisições e fusões anteriores à sua interpretação da Lei nº 5.709, de 1971 - criada no regime militar para barrar a compra de propriedades por estrangeiros. O texto limitava as compras a um quarto da área de cada município brasileiro e previa que cidadãos de mesma nacionalidade não podiam ser donos de mais de 40% desse limite.
Dados inéditos do cadastro rural do Incra mostra que, até 2008, havia 4,04 milhões de hectares registrados por estrangeiros. São 34.218 imóveis concentrados em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Bahia e Minas Gerais.
Fonte: Valor Online. Por Mauro Zanatta, colaborou André Borges. 3 de junho de 2011.