Está o mundo à beira de outra crise alimentar? Essa incógnita tornou-se uma questão angustiantemente familiar. Com a disparada das cotações de produtos agrícolas como milho, soja e trigo pelo terceiro verão em cinco anos no Hemisfério Norte, a expectativa de um novo choque de preços está, outra vez, tornando-se preocupação importante para investidores e políticos.
O debate assinala uma dramática mudança em relação há apenas algumas semanas atrás, quando traders de commodities esperavam colheitas abundantes e os governos estavam reconfortados com a expectativa de que - independentemente de outros fatores - a queda dos preços das commodities poderia oferecer algum alívio para a problemática economia mundial.
Mas um calor abrasador e a escassez de chuvas nos Estados Unidos, então, penalizaram as plantações de milho e de soja do país. Nesse contexto, o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) divulgou, na semana passada, a maior revisão para baixo em sua estimativa para uma safra de milho em um quarto de século.
Os EUA são cruciais para abastecer o mundo com alimentos: o país é o maior exportador de milho, soja e trigo e responde por uma em cada três toneladas dos grãos básicos negociados no mercado mundial. Na bolsa de Chicago, os contratos futuros de segunda posição de entrega (normalmente os de maior liquidez) do milho já deram um salto de 51,6% até ontem, enquanto os do trigo subiram 43,2% e os da soja, 18,6%.
O aumento dos preços dos grãos tem inspirado comparações com a situação no período 2007-2008, quando uma disparada desencadeou uma onda de distúrbios em mais de 30 países - de Bangladesh ao Haiti -, e com 2010, quando a Rússia proibiu as exportações de grãos e deflagrou um aumento de preços que, segundo alguns analistas, contribuiu para a turbulência em todo o mundo árabe em 2011.
Luke Chandler, chefe de pesquisas de commodities agrícolas do Rabobank, um dos mais importantes bancos que financiam o agronegócio em todo o mundo, afirma: "Isso certamente poderá nos levar de volta ao cenário de 2008". Um forte encarecimento dos alimentos é preocupante para a economia mundial por duas razões. E, em primeiro lugar, porque poderá provocar novas convulsões sociais e políticas.
Mas a maioria dos analistas acredita que o atual surto de preços não é suficientemente grave para derrubar governos. Embora os estoques de milho e de soja estejam apertados, principalmente nos EUA, a situação é menos extrema para trigo e arroz, produtos alimentares básicos para a maioria das pessoas mais pobres no mundo. Em contraste, o milho e a soja destinam-se à alimentação animal, à fabricação de etanol ou à produção de óleos de cozinha.
Em Chicago, as cotações do milho estão acima do nível de 2008 e as da soja também o superaram no caso dos contratos de vencimento mais curto. Mas trigo e arroz ainda não estão em território inédito.
Apesar de os preços do trigo terem superado a marca de US$8,40 por bushel - patamar registrado imediatamente após a proibição de exportações pela Rússia, em 2010 -, continuam bem abaixo do recorde superior a US$13 registrado em 2008. O arroz, por sua vez, está sendo negociado a valores pelos menos 40% inferiores às máximas de 2008.
"Não teremos outra crise de alimentos. Para fins de segurança alimentar básica, o fato de termos uma oferta muito boa e ampla de arroz é uma circunstância muito positiva e o suprimento de trigo é também adequado", afirma Abdolreza Abbassian, economista sênior para grãos da FAO, braço das Nações Unidas para agricultura e alimentação.
Apesar disso, a dramática elevação dos preços dos grãos nas últimas semanas provavelmente será propagada para os alimentos. Isso poderá ter consequências para a economia mundial, ao recolocar a inflação como preocupação para os bancos centrais, especialmente nos mercados emergentes, onde os preços dos alimentos respondem por uma grande proporção da inflação. "O que a economia mundial realmente necessita, agora, é de um momento de alívio. Qualquer pressão inflacionária, especialmente se impedir o afrouxamento da política monetária no mundo emergente visando impulsionar a economia mundial, será um problema", afirma Karen Ward, economista sênior do HSBC.
Já Jeffrey Currie, diretor de pesquisas de commodities do Goldman Sachs, realça a estreita relação entre a inflação dos alimentos na China e o preço da soja, da qual o país é, de longe, o maior importador. "Ficamos realmente com a sensação de que o mundo depende do estímulo chinês. O que cria o estímulo é a ausência de inflação".
"O que está acontecendo nos EUA exerce bastante pressão sobre os preços da soja, de modo que o possível repasse [para os preços ao consumidor] está ficando muito mais preocupante". Além disso, o baixo nível dos estoques mundiais de alguns grãos significa que uma interrupção na continuidade dos suprimentos pode ser devastadora.
De acordo com as últimas previsões do USDA, os estoques mundiais de milho deverão cair para apenas 15% da demanda anual, perto de um recorde mínimo.
"Não creio que os sinos de alarme precisem ser disparados, por ora. Mas, ao contrário de anos anteriores, não temos um estoque regulador como seguro contra eventuais quedas nas colheitas", observa Hussein Allidina, chefe de pesquisas com commodities do Morgan Stanley, em Nova York.
Com a perspectiva de um retorno do El Niño - fenômeno meteorológico que provocou secas na Argentina e na Austrália, contribuindo para a crise de 2007-2008 - ainda este ano, a economia mundial ficará mais uma vez na dependência do clima. "Estamos de volta à estaca zero do ano passado - estamos, basicamente, de volta a uma situação da mão para a boca. Temos uma estrada muito esburacada à frente, nos próximos meses", diz Abbassian. (Tradução de Sergio Blum)
Fonte: Valor Econômico. Pela Redação. 17 de julho de 2012.
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