A indústria exportadora de carne bovina teme que o uso indevido do promotor de crescimento ractopamina na engorda de gado no país possa prejudicar as vendas externas do setor. Vários importantes clientes do Brasil não permitem a compra de carne proveniente de bovinos tratados com esse tipo de aditivo, cuja comercialização foi suspensa temporariamente em novembro de 2012 no país. Para a engorda de suínos, o uso de ractopamina é permitido no Brasil.
Apesar da suspensão da comercialização para uso em bovinos, em abril deste ano, resíduos de ractopamina foram encontrados em carregamentos de tripa bovina brasileira da JBS e da Minerva importados pela Rússia.
A reação da Rússia, que já havia entrado em conflito com o Brasil em 2012 por conta do uso de ractopamina na criação de suínos, foi introduzir "restrições temporárias às exportações de envoltórios naturais provenientes de estabelecimentos brasileiros". Segundo circular do Ministério da Agricultura, o que levou à decisão russa "foram as múltiplas detecções de ractopamina no produto em questão pelos laboratórios russos".
Procuradas, JBS e Minerva não comentaram. A veterinária americana Elanco, que obteve em julho do ano passado o registro para a comercialização de ractopamina para criação de gado, informou que o promotor de crescimento produzido por ela sequer foi vendido. "A Elanco segue vendendo em suíno, mas não vendeu em bovinos", garantiu ao Valor o gerente de assuntos corporativos da companhia no Brasil, Marcio Caparroz. O aditivo da Elanco voltado para a criação de suínos chama-se Paylean, enquanto que o destinado à de bovinos é o Optaflexx 100. Ambos têm a ractopamina como princípio ativo.
Entre os importadores de carne bovina do Brasil que não aceitam o uso da ractopamina - por conta do chamado princípio de precaução - estão, além da Rússia, União Europeia, China, Irã, Egito, Chile, Bielorrússia, Cazaquistão. Esses mercados foram responsáveis por quase metade da receita com as exportações brasileiras de carne bovina em 2012, segundo a Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne Bovina (ABIEC). No ano passado, a receita total com as vendas externas atingiu US$5,8 bilhões, sendo US$2,7 bilhões para essas regiões, ou 47,5%.
A ABIEC afirma, em nota, não ser, "em princípio contra nenhuma tecnologia que possa trazer ganhos de produtividade à pecuária brasileira", mas diz haver "espaço imenso para ganhos em produtividade e eficiência na pecuária usando tecnologias que não envolvem o uso de promotores de crescimento".
Além disso, conforme nota assinada pelo presidente Antônio Camardelli, a ABIEC considera que "há um descontrole na comercialização de medicamentos veterinários no país. Não se sabe se todos os medicamentos à venda passaram por registro no Ministério da Agricultura e se tiveram sua eficácia comprovada. Nem o Estado parece ser capaz de fazer a fiscalização, e nem o setor de medicamentos parece tomar a iniciativa de coibir essa comercialização. Com promotores de crescimento a situação é a mesma".
Diretor de operações do Sindan, entidade que representa a indústria veterinária brasileira, Emílio Salani rebateu as críticas do presidente da ABIEC. "Não existe descontrole. O sistema de comercialização de medicamentos veterinários é maduro. Com relação à fiscalização, acredito que o ministério faz o seu trabalho", afirmou o dirigente.
O secretário de defesa agropecuária do Ministério da Agricultura, Ênio Marques, disse que os estoques de ractopamina importados pela Elanco no ano passado - o produto só é produzido fora do país - estão "sob vigilância". "Pode ser que exista ractopamina de contrabando, pode ser alguma coisa do mercado paralelo", sugeriu Marques.
Apesar de aventar a possibilidade de contrabando, o secretário questiona a política sanitária dos russos. "A Rússia tem uma forma de trabalhar que nem sempre é a forma alinhada internacionalmente". Devido ao histórico de relação conturbada, acrescentou o secretário, os exportadores brasileiros "são mais cuidadosos" com a carne vendida para a Rússia, o que tornaria a ocorrência de casos como o da detecção de ractopamina bastante improvável, segundo ele.
O uso da ractopamina, um produto da família dos chamados beta-agonistas, passou a ser permitido na criação de bovinos no Brasil no fim de 2011, quando o Ministério da Agricultura mudou uma instrução normativa que proibia o uso desses promotores de crescimento. Pouco mais de seis meses após mudar a legislação, a Pasta aprovou, em junho do ano passado, registrou e autorizou o uso de dois beta-agonistas: a ractopamina, da Elanco, e o cloridrato de zilpaterol, da americana MSD Saúde Animal.
A introdução do uso dos promotores de crescimento foi defendida pela ASSOCON, que reúne confinadores de bovinos do país. O argumento é o maior rendimento com o uso do produto: o boi que recebe o aditivo na alimentação ganha uma arroba a mais num período de 90 dias de confinamento.
Contrária ao uso do produto na criação do gado bovino, a Comissão de Saúde do Consumidor da União Europeia (DG Sanco) queria que o Brasil apresentasse um sistema de segregação da carne bovina destinada ao mercado europeu, comprovando que esta não era proveniente de animais que receberam a ractopamina.
Em julho do ano passado, o governo fez um "acordo de cavalheiros" com os fabricantes (MSD e Elanco) acertando que a venda seria suspensa até a apresentação de um protocolo de segregação à UE, ainda em agosto do mesmo ano.
O protocolo, no entanto, não foi apresentado e a MSD, que comercializa o zilpaterol, passou a vender o produto. Diante da situação, o Ministério da Agricultura decidiu suspender temporariamente a comercialização e a importação dos chamados beta-agonistas até que um sistema de segregação fosse criado. A decisão foi publicada no Diário Oficial de 12 de novembro do ano passado.
Sob a liderança da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o protocolo de segregação entrou em sua fase final de elaboração e deve ser entregue ao Ministério da Agricultura "nos próximos dez dias", afirmou Décio Coutinho, técnico da CNA. Também participam da elaboração do protocolo entidades como a ABIEC, ASSOCON e o Sindirações, que representa as indústrias de alimentação animal.
O protocolo de segregação prevê, por exemplo, que a indústria de medicamentos só poderá vender o promotor de crescimento para fábricas de ração com registro no Ministério da Agricultura. Além disso, o confinador que comprar o promotor de crescimento para usar na engorda de animais terá de informar a utilização na Plataforma de Gestão Agropecuária da CNA para que os frigoríficos possam saber qual confinamento utiliza o aditivo ou não.
Assim que o protocolo de segregação ficar pronto, caberá ao Ministério da Agricultura validar a consistência do projeto, para só então liberar a venda dos beta-agonistas. "O protocolo tem que expressar uma prática adequada, de fácil controle e que não tenha pontos nebulosos. Se não acharmos isso, vamos dizer. Mas acredito que na hora que a CNA entregar, estará adequado", disse Marques, do Ministério da Agricultura,
A ABIEC considera que, teoricamente, um sistema de segregação poderia atender mercados que não aceitam a ractopamina. Mas avalia que "o país ainda não tem estrutura suficiente para dar a garantia da segregação a seus clientes de exportação". Diante de um sistema de segregação que considera frágil e do risco de perder mercados importantes para a carne bovina brasileira por conta do uso indevido do promotor de crescimento, os exportadores temem que se repita o que ocorreu no caso da ivermectina, um vermífugo usado na criação de bovinos.
Desde 2010, a indústria exportadora faz análises na carne bovina industrializada exportada para os Estados Unidos, depois que o país encontrou resíduos de ivermectina acima do permitido pela legislação americana em produto brasileiro. A realização dessas análises já gerou custos de cerca de R$25 milhões aos exportadores, segundo a ABIEC. Pela legislação americana, o limite permitido de resíduos de ivermectina é de 10 partes por bilhão (ppb).
Para a entidade, a questão da ivermectina também é um problema sistêmico. O uso incorreto de medicamentos no campo poderia explicar os níveis de resíduos acima do permitido.
Fonte: Valor Econômico. Por Alda do Amaral Rocha e Luiz Henrique Mendes. 19 de julho de 2013.
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