Por baixo do brilho dourado que cobre a fazenda Outubro na regio de Tambov, no cinturo de gros da Rssia, o solo rido est marcado por fendas profundas. "Perdemos um tero de nossa colheita de trigo neste ano", diz Maxim Zhalnin, diretor do grupo agroindustrial que cultiva a rea.
O destino de Zhalin, que estima as perdas de sua empresa neste ano em quase US$ 700 mil aps a pior seca e onda de calor j registradas na regio, compartilhado por milhares de outros agricultores russos. Os dados oficiais sobre a devastao no sero conhecidos at o prximo ms, mas com a colheita quase concluda, a empresa de consultoria Institute of Agriculture Markets, de Moscou, estima que 23% da rea cultivada com gros ficou destruda e que, com outras reas sofrendo danos, mais de um tero da colheita se perdeu.
Mesmo com a colheita desastrosa e o subsequente veto s exportaes de gros tendo elevado os preos do trigo a seu maior nvel em dois anos, analistas insistem que o pnico quanto segurana alimentar na Rssia, que se tornou o terceiro maior exportador de gros em 2009, injustificado.
Andrei Sizov, diretor-gerente da SovEcon, outra empresa de consultoria de Moscou, diz que o setor est em melhor forma que nos anos 90, quando a escassez obrigou a Rssia a pedir ajuda alimentar aos EUA. A Rssia tem estoques de gros acumulados nas recentes colheitas, alm de dispor de amplos recursos para importar alimentos.
A crise, no entanto, exps os diversos desafios enfrentados pelo setor. A proibio s exportaes provocou crticas internacionais e no foi suficiente para impedir a alta dos preos dos alimentos, uma vez que os russos, assombrados pela memria da escassez na era sovitica, acumularam estoques.
As tenses polticas em Moscou agravaram a incerteza dos mercados. O presidente da Rssia, Dmitri Medvedev, afirmou que as restries s exportaes de gros podem ser levantadas depois que os resultados finais da colheita forem divulgados, um tom mais tranquilizador do que o do primeiro-ministro do pas, Vladimir Putin.
Putin est determinado a assegurar que o pas tenha autossuficincia, para acabar com o que ele chama de "dependncia humilhante de po estrangeiro".
A Rssia um dos poucos pases com recursos hdricos e terra cultivvel no utilizadas suficientemente para influenciar a oferta mundial de alimentos. Mas os problemas na regio de Tambov refletem o desafio mais amplo enfrentado pelo pas, e meio luta para atingir a meta de Putin.
A 400 quilmetros a sudoeste de Moscou, Tambov est na frtil regio conhecida como Terra Preta e j foi produtora de cereais, carne e laticnios em outros tempos. Aps dcadas de negligncia, est dominada por pequenas propriedades nas quais as pessoas tentam ganhar a vida entre as runas das antigas fazendas coletivas. Muitos partiram para buscar uma vida melhor na cidade, o que resulta em falta de mo de obra capacitada.
"Costumvamos alimentar a Rssia", diz Oleg Betin, governador da regio de Tambov. "Mas viver em um vilarejo e cuidar de animais no mais algo prestigioso".
Tambov gozou de certos benefcios das reformas agrcolas lanadas aps 2000, quando Putin foi eleito presidente pela primeira vez. As leis permitindo a propriedade privada de terras cultivveis atraram investidores como Zhalnin, que modernizaram fazendas e elevaram a produo de gros.
A crise mundial de alimentos de 2007 e 2008 levou o Kremlin a formular uma doutrina de segurana alimentar na qual se fixou a meta de que a Rssia produzisse ao menos 80% dos cereais, carne e leite que consome at 2020. Desde a seca, Putin incrementou ainda mais a meta, defendendo que a Rssia se torne exportador lquido de alimentos, dependendo dos mercados externos apenas para produtos exticos, como frutas tropicais.
A agricultura russa tambm se beneficia das vastas reservas, que possibilitam a produo de fertilizantes de nitrognio de baixo custo, diz Gustav Wetterling, diretor de relaes com os investidores da Black Earth Farming. "A Rssia pode transformar suas aspiraes em realidade. Mas precisa de grandes investimentos e de administrao moderna para ser bem-sucedida".
Apesar de ter um dos solos mais frteis do mundo, o rendimento dos gros na regio de Terra Preta um tero do verificado na Europa. Gargalos no transporte e armazenamento prejudicam as entregas para os compradores e os portos.
Analistas acreditam que muitos dos pequenos agricultores, responsveis por mais da metade da produo de alimentos no pas, poderiam quebrar com a seca. Mas grupos agrcolas maiores no restringiro planos de investimento.
O governo reservou US$ 1,15 bilho de auxlio emergencial para os afetados pela seca e prometeu mais financiamento para impulsionar a agricultura sustentvel e as indstrias de processamento de alimentos. Os agricultores, porm, reclamam que a distribuio dos subsdios obstruda pela burocracia. "No sou revolucionrio, sou profissional", diz Zhalnin.
Fonte:
Valor Econmico. Por Isabel Gorst. 18 de outubro de 2010.
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