Fazendas bem cuidadas, animais sadios: programa da Embrapa quer aperfeiçoar gestão agropecuária no país para elevar renda e competitividade do setor.
O pasto cercado que separa o gado de uma ampla área florestal é uma das primeiras cenas para quem entra na Fazenda Periquitos, um exemplo de boas práticas no campo a ser seguido pelas demais propriedades rurais do Brasil. Aqui, tudo está mapeado e referendado por imagens de satélite: açudes, represas, pastagens, cochos, sede administrativa, córregos, rios e toda a cobertura vegetal da Reserva Legal e das Áreas de Preservação Permanente, as APPs, que causam tanta celeuma entre ruralistas e ambientalistas.
“Resolvemos fazer tudo direitinho, independentemente do que vai acontecer com o Código Florestal”, diz a paulista Cristiane Pirola Narimatsu, que há sete anos mudou-se para Três Lagoas (MS) para administrar a fazenda e suas 14 mil cabeças de gado para corte e cria. Pelo código, em debate no Congresso Nacional, a Periquitos é obrigada a ter 20% de sua área com mata protegida e averbada em cartório - e tem.
Além de exemplar do ponto de vista ambiental, a fazenda merece atenção por outros dois motivos. Com 10 mil hectares de área, ela está na lista de fornecedores-modelo da JBS, a maior indústria de processamento de carnes do mundo, ainda que de forma indireta. É da Periquitos que sai parte dos bezerros que serão engordados para o futuro abate nos frigoríficos do grupo no Estado.
O outro motivo é que, na semana passada, a Periquitos foi submetida à avaliação da Embrapa, estatal brasileira de pesquisa agropecuária, para obter seu primeiro atestado de Boas Práticas Agropecuárias (BPA), o programa da entidade para melhorar as condições do campo brasileiro.
“É raro encontrarmos o que estamos vendo aqui”, diz Ezequiel Rodrigues do Valle, engenheiro agrônomo e coordenador nacional do programa da Embrapa, que, ao lado de um consultor ambiental independente, inspecionou a propriedade por dois dias. “Os pontos mais difíceis eles conseguiram resolver. Faltam apenas alguns pequenos ajustes”.
Lançado em 2005, o BPA consolida uma série de normas e procedimentos que devem ser observados pelos produtores rurais para torná-los mais rentáveis e competitivos no mercado, além de assegurar um sistema de produção sustentável, bem-estar animal e alimentos seguros. A idéia da concepção do programa surgiu após uma constatação nem tão óbvia para o grande público: a desinformação ainda impera, nos dias de hoje, em boa parte das fazendas de pecuária.
De acordo com os especialistas da Embrapa, o produtor rural ainda não tem uma gestão adequada da sua propriedade. O grande gargalo continua sendo a própria administração da fazenda - coisas como organização de livros contáveis, controle de estoques de alimentos e armazenamento de produtos veterinários. O déficit verde é outro obstáculo para ganhar um diferencial no mercado. É consenso nos dois lados do muro (tanto entre os defensores das florestas quanto entre produtores) que o número de fazendas adequadas ambientalmente no país é bastante baixo.
O BPA chegou a treinar em seus primeiros anos 300 técnicos agrícolas para auxiliar o produtor a seguir as normas de boas práticas. Mas o projeto só tomou fôlego no fim de 2009, quando a Embrapa percebeu que sem parcerias com o setor privado, o programa não avançaria no ritmo esperado. Desde então, firmou acordos de cooperação técnica com indústrias e associações como Tortuga, Ourofino, JBS, Pfizer, Acrimat (Associação dos Criadores de Mato Grosso) e Aproccima (Associação de Produtores da Região de Cima da Serra/RS).
Os atestados da Embrapa dividem-se em “ouro”, “prata” e “bronze”, variando de acordo com o percentual mínimo de normas atendidas pelas propriedades. Há as obrigatórias, muito recomendadas e recomendadas. Mais de 150 fazendas já implantaram o programa e outras dezenas estão em fase de avaliação.
“A idéia é conscientizar o produtor sobre os desafios do mercado”, diz Rodrigo Dias Lopes, coordenador de Pecuária Sustentável da JBS, ligado à Diretoria de Sustentabilidade do grupo. A empresa afirma ter 20 fornecedores no programa - uma gota no oceano de milhares de fornecedores da empresa - e alega ter dificuldade em atrair o pecuarista. Muitos relutam em acreditar que não se trata de fiscalização com repreensões financeiras.
Cristiane, da Periquitos, diz que não ganhou um centavo a mais com o programa. “Ganhamos mais orientação para a gestão da área”. Ela sabe, porém, que o BPA pode abrir mercados no futuro pelo diferencial da fazenda.
Enquanto esse dia não chega, Cristiane continua olhando o enorme mapa georreferenciado da propriedade na parede de seu escritório e calculando quanto arame ainda terá de comprar para cercar florestas e reservas de água, como pede a lei. Arame liso, pra não machucar os animais.
Fonte: Valor Econômico. Por Bettina Barros. 26 de janeiro de 2011.