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Scot Consultoria

O Brasil no mundo plano


Terça-feira, 7 de fevereiro de 2006 - 12h51

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


O Mundo É Plano é o último best-seller de Thomas Friedman, premiado colunista do jornal The New York Times. O livro discute o "achatamento" do mundo moderno pelas cadeias produtivas de fornecimento de produtos e serviços neste início de século 21. O autor aponta dez forças que estariam gerando o fenômeno, dentre elas o fim do comunismo com a queda do Muro de Berlim em 1989, a rede de fibras óticas, as novas ferramentas da internet (World Wide Web, navegadores, buscadores de sites, etc.), os softwares de fluxo de trabalho e de código aberto, o out-sourcing (terceirização de serviços para fornecedores no exterior), o offshoring (transferência de produção para outro país) e as mudanças na logística de entrega. O livro se concentra basicamente na emergência da China e da Índia, as duas grandes baleias que passaram o século passado submersas no isolamento. Quem ler o livro vai entender perfeitamente por que esses países tiveram tanto destaque na última reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos, e por que os americanos, sempre ansiosos por identificar determinismos e novos paradigmas, estão tendo pesadelos com a possibilidade de fuga de indústrias e empregos de seu mercado. A China é citada uma ou mais vezes em 106 páginas do livro e a Índia, em 186. A título de comparação, os outros dois "Brics", Rússia e Brasil, são citados em apenas 27 e 8 páginas, respectivamente. Claramente, o livro confirma que a hierarquia dos emergentes na sigla Brics deveria ser invertida para "Cirbs"! O lado mais interessante da obra está nos múltiplos exemplos que ilustram a aceleração da globalização das comunicações e dos investimentos, o que vem gerando, em conseqüência, uma nova divisão do trabalho no mundo e o redesenho geográfico das vantagens comparativas. O autor mostra que, se de um lado muitos sentem na pele os custos da realocação de empresas e empregos, de outra parte é importante notar que o fenômeno está reduzindo a pobreza absoluta, ampliando exponencialmente o mercado consumidor e gerando inovações, produtos e serviços globais. Um dos exemplos curiosos do livro é a descrição da cadeia de fornecimento just-in-time de um simples notebook da marca Dell, que envolve a coordenação de 400 firmas estabelecidas em 15 países da América do Norte, Europa e Ásia. Um contraponto muito interessante para o atual drama do Mercosul, que em março vai completar 15 anos com o seu novo e excêntrico Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC), cujo objetivo principal é a substituição de importações nacionais dentro de um bloco que, cinicamente, ainda insiste em se autodenominar "mercado comum". Mas o livro também peca em exageros sensacionalistas e reducionismos infantis, desde apontar o carro popular como uma invenção da Índia aos elogios à suposta "ditadura meritocrática" chinesa, que completou as mudanças necessárias no atacado e no varejo. Instituições fortes (Justiça, Constituição, ambiente regulatório adequado, transparência, combate à corrupção, etc.) demoram décadas para serem estabelecidas e ainda é cedo para dizer que as duas baleias asiáticas recém-emersas já tenham estabelecido uma nova modalidade invencível de natação. Estamos no sexto ano do século 21 e muita água ainda vai rolar: a crescente desigualdade de renda entre os que estão no mundo plano e os bilhões que têm ficado à sua margem, o risco de ditaduras ineficientes (a China não está imune a políticas públicas equivocadas, corrupção e pressões por mudanças políticas), guerras e terrorismo, conflitos religiosos (ainda tão vivos, como nos mostra a explosiva reação às caricaturas publicadas na Europa), os sucessivos erros da política externa dos EUA, literalmente ignorados pelo autor, as pressões protecionistas e tantos outros fatores. Afinal, quem seria maior: o "mundo plano" ou o "mundo não plano"? Enfim, deixando de lado o debate sobre o grau de uniformização do mundo, é fundamental discutir o papel do Brasil ante o rápido crescimento do leste da Ásia. As oportunidades são evidentes. Quanto mais o mundo se achatar, maior será a demanda por produtos intensivos em recursos naturais (agronegócio, mineração, energia, etc.). A cada dia cresce a demanda por produtos oriundos do subsolo, terras férteis, água e tecnologia tropical. O Brasil é um dos países que apresentam maior potencial de crescimento sustentável neste segmento, o que pode e deve ser aproveitado de forma inteligente. Oportunidades também existem nos produtos cuja matéria-prima é a criatividade - como moda, cosméticos, música e software -, mas a nossa internacionalização ainda é incipiente. Há também diversas ameaças. Uma delas é a nossa velha mentalidade de substituição de importações, que dificulta a presença do País nas cadeias globais de fornecimento de produtos e serviços. Enquanto a Ásia caminhou para a promoção das exportações, criando indústrias globalmente competitivas, por aqui nós insistimos na substituição de importações, que, salvo raras exceções, gerou uma indústria competitiva apenas regionalmente. Como exportar mais com tantas travas contra importações? Outra ameaça se encontra nos setores intensivos em mão-de-obra (vestuário e calçados, por exemplo), que encontram dificuldades crescentes com a competitividade asiática. Na verdade, a deficiência brasileira relaciona-se mais com as regras do jogo do que com os jogadores. O que hoje mais nos distancia dos países emergentes que estão dando certo é a nossa incapacidade de fazer as macrorreformas necessárias para reduzir o custo do capital e a volatilidade da taxa de câmbio e para tornar mais eficiente o ambiente regulatório que cerca as empresas e os trabalhadores. Não há quem não fique incomodado em ver o crescimento acelerado de países que entraram no "mundo plano" muito depois do Brasil e que hoje já estão nos fazendo comer poeira.
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