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Scot Consultoria

Câmbio, negociações e abertura comercial


Quinta-feira, 6 de abril de 2006 - 13h55

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


por Marcos Sawaya Jank É comum haver uma certa confusão entre o curto e o longo prazo nas questões de comércio internacional. A taxa de câmbio é o típico fator de curto prazo, cuja volatilidade pode rapidamente construir ou destruir competitividade. Uma desvalorização real da moeda torna os produtos exportados mais competitivos e dificulta as importações. O inverso ocorre com a valorização da moeda. Não é para menos que muitos empresários têm reclamado da perversa combinação da elevada taxa de juros com uma crescente apreciação do real, um filme de final triste já visto em passado não muito distante. Para alguns economistas, a solução para a atual sobrevalorização do real deveria vir do lado comercial, com uma nova abertura da economia, unilateral e acelerada. Na minha opinião, este seria o remédio errado para a velha doença brasileira do baixo crescimento gerado pelos desequilíbrios nas áreas fiscal e monetária. Os países que mais têm crescido no mundo são os que conseguiram combinar abertura econômica com longos períodos de inflação sob controle, baixo custo de capital e uma moeda relativamente desvalorizada, cujo resultado são altos níveis de investimento, elevados volumes de comércio exterior nos dois sentidos (exportações e importações) e o conseqüente aumento da produtividade das empresas. Negociações internacionais são oportunidades de médio e longo prazo que os países podem utilizar para melhorar a sua inserção internacional. Feita de forma equilibrada e paulatina, uma abertura comercial "negociada" pode gerar: * Produtos melhores e mais baratos para os consumidores; * Bens de capital e intermediários mais baratos para a modernização das indústrias; * Maior acesso para os setores nacionais que enfrentam elevadas proteções de fronteiras e concorrem com pesados subsídios de outros países; * Indução de mudanças institucionais e reformas das políticas públicas (tributária, previdenciária, trabalhista, etc.). O problema das negociações é que os países usam toda sorte de artimanhas para abrir os setores em que são mais eficientes e manter fechados aqueles em que são menos eficientes, num jogo que exige enorme paciência para obter as reciprocidades desejáveis. A maioria dos especialistas acredita que a Organização Mundial do Comércio (OMC) é a negociação que produziria maiores ganhos e barganhas. Até os anos 1990, o modelo de substituição das importações pôs o Brasil numa posição defensiva nas negociações internacionais. No final da década de 90, alguns setores exportadores, que enfrentam enormes barreiras e subsídios, descobriram que as negociações da OMC seriam uma oportunidade de ouro para melhorar as regras do jogo do comércio internacional. Contenciosos, envolvimento ativo de negociadores e empresários e esforços de pesquisa deram ao País uma posição de liderança nas negociações da Rodada de Doha. A reunião de Celso Amorim com Pascal Lamy (diretor-geral da OMC), Robert Portman (EUA) e Peter Mandelson (União Européia - UE), no Copacabana Palace, na semana passada, mostrou o protagonismo e a responsabilidade que o Brasil assumiu na rodada. Lamy afirmou sucessivas vezes que o sucesso de Doha depende, hoje, de movimentos simultâneos dos EUA (redução dos subsídios agrícolas), da UE (maior abertura do seu mercado agrícola) e do G-20 (redução de tarifas industriais). Acredita-se que tais movimentos gerariam a "amarração central" do acordo, seguida de outros nós laterais que precisam ser atados com os demais agrupamentos de países. Obviamente, não tem sido nada fácil montar o nó central, já que até aqui nenhum país mostrou disposição efetiva de cortar tarifas e subsídios além dos níveis correntes de proteção. Como a agricultura ficou de fora do sistema multilateral de comércio durante quase 50 anos, ainda há um claro descompasso entre este setor e a área de bens manufaturados. Tal fato justifica a insistência brasileira em oferecer reduções concretas nas tarifas industriais somente se forem obtidos ganhos de acesso e redução de subsídios para as principais commodities agroindustriais exportadas pelo País. Neste momento, governo e setor privado já têm uma visão geral do que se espera dos demais membros em agricultura e dos limites gerais das concessões que seriam feitas em matéria de abertura das tarifas industriais brasileiras. Felizmente, nos últimos tempos se trocou a percepção simplória de que indústria e agricultura estariam em campos opostos - com a primeira "pagando" pelos ganhos da segunda - pela visão mais moderna de que a agricultura é, na verdade, uma indústria de insumos e produtos agropecuários, alimentos e bioenergia. Há, também, uma percepção generalizada de que a OMC é um organismo de importância capital para potências médias como o Brasil, não só pela necessidade primordial de corrigir as assimetrias históricas entre a agricultura e a indústria, mas ainda pelas flexibilidades que ela oferece aos países em desenvolvimento. Neste momento, é preciso investir no conhecimento detalhado do "paralelismo" entre agricultura e indústria, que deveria ser mensurado com precisão em duas dimensões distintas. A primeira, de ordem puramente mercantilista, é a análise da simetria de concessões e reciprocidades que poderiam ser feitas, passo a passo. A segunda, de ordem mais geral, é a análise de modelos econômicos mais amplos que mostrem com clareza os benefícios e custos de cada cenário das negociações. Esse era o objetivo inicial do seminário realizado na Fiesp em 10 de março, mas que, infelizmente, resvalou para uma discussão infrutífera e fora de hora sobre abertura unilateral imediata da economia e outros temas conjunturais. A reunião com Lamy, organizada por Paulo Skaf na Fiesp, na sexta-feira, mostrou que o setor privado brasileiro está tecnicamente bem preparado, alinhado nos seus interesses de longo prazo e consciente das responsabilidades do País em relação ao futuro da OMC, apesar das constantes agruras do curto prazo.
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