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Scot Consultoria

Doha light ou Doha adiada?


Sexta-feira, 4 de agosto de 2006 - 21h12

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


por marcos s. jank As negociações de Doha entraram em colapso com sua suspensão por tempo indeterminado. O impasse surge na reta final do esforço para concluir a rodada até julho de 2007, quando expira a Trade Promotion Authority (TPA), a autorização que o Congresso americano dá ao Executivo para negociar acordos comerciais. Tudo indica que esta data já se perdeu e os mais pessimistas já apostam no total ostracismo da OMC caso o governo americano não consiga renovar a TPA. A grande questão neste momento é: vale a pena um esforço adicional para fechar um acordo, provavelmente pífio, dentro do prazo da TPA dos EUA ou é melhor simplesmente adiar a rodada por dois a três anos, à espera de dias melhores? Na minha opinião, se a única opção for um acordo pífio, melhor não haver acordo algum. De light já chegam o Mercosul, a América do Sul, a eterna conversa fiada com a União Européia (UE) e a Alca, que hoje não passa de um morto-vivo em busca da extrema unção. Conversei com diversos negociadores e especialistas nas últimas semanas e posso afirmar que as nuvens de Genebra no horizonte 2008-2010 são totalmente incertas, mas não necessariamente mais negras que hoje. Apesar de ser um mau sinal, o adiamento talvez seja a única alternativa para resgatar a ambição do Mandato de Doha. Vejamos alguns pontos em favor do adiamento das negociações: O tempo das rodadas e das economias emergentes - Rodadas baseadas no consenso de 150 países obviamente tomam muito tempo. A Rodada Uruguai levou oito anos para ser concluída e, na época, só os países ricos davam as cartas. Na atual rodada, as economias emergentes ganharam importância e a pressão das ONGs e da mídia é muito maior, raramente em linha com o livre comércio. A inevitável explosão de acordos bilaterais e regionais vai mobilizar entidades pró-OMC com grande poder de persuasão, como a Oxfam. Economias emergentes, como China, Índia e Brasil, vão precisar muito mais da OMC que hoje. Estou convencido de que estes países serão os principais ganhadores da liberalização multilateral no longo prazo. A Índia, por exemplo, continua adotando uma posição totalmente obstrucionista na área agrícola e é uma das grandes culpadas pelo desastre da Ministerial de Hong Kong e pelo travamento das negociações, ao pleitear muito mais proteção do que seria precisa. Só que o país está em ebulição e seu futuro depende da continuidade das reformas estruturais iniciadas em 1991, o que inclui maior abertura de seu mercado doméstico e negociações que garantam o aumento de suas exportações de serviços. A França e a UE - Na França, as eleições presidenciais de abril de 2007 e a saída de Jacques Chirac poderão reduzir seu protecionismo agrícola extemporâneo. Na UE, em 2008 haverá uma nova revisão da Política Agrícola Comum e os negociadores já estarão focados na reforma prevista para 2013. As reformas do regime do açúcar e do leite irão se aprofundar. A crescente redução dos preços garantidos, compensados por pagamentos diretos aos agricultores desconectados da produção, facilita concessões de maior abertura do mercado europeu na OMC, ainda que limitadas. Estados Unidos - Claramente os EUA não estão hoje dispostos a fazer o esforço de redução de subsídios agrícolas que o mundo lhes está cobrando; 2008 pode trazer um novo quadro. Primeiro, porque em novembro daquele ano há eleições presidenciais e Bush deixa o poder. Espera-se que o próximo presidente seja menos unilateralista. Se a situação política do Oriente Médio se deteriorar, e tudo indica que sim, há razões para crer que os EUA voltarão a buscar soluções multilaterais. Não esqueçamos que o ambicioso Mandato de Doha foi uma conseqüência direta da comoção causada pelos atentados de 11/9/2001. Segundo, em 2008 os EUA deverão aprovar sua nova Lei Agrícola, desta vez num contexto de grave déficit fiscal (em 2000/2001 havia um enorme superávit). A reforma deve vir menos pelo lado dos gastos e mais no conteúdo e no número de beneficiários dos programas. Mas o fato mais relevante que vai empurrar alguma reforma agrícola nos EUA é o contencioso do algodão, conduzido pelo Brasil. Até aqui, a implementação do contencioso pelos EUA foi apenas parcial e cosmética. O Brasil vem postergando atitudes mais enérgicas na matéria, que deveriam incluir medidas imediatas de retaliação. Na realidade, o caso do algodão abre as portas para vários contenciosos semelhantes, já que os mecanismos condenados são igualmente aplicados em soja, milho, arroz e outros grãos. Estamos extremamente atentos a essas possibilidades. No momento em que os preços mundiais caírem e o impacto negativo dos subsídios americanos sobre a renda dos nossos produtores se fizer sentir, espera-se que o Brasil não hesite em abrir novos contenciosos. Bioenergia - Há uma revolução em curso no mundo com a crescente intersecção dos mercados de alimentos e energia. Os programas de produção de etanol carburante vão intensificar o uso de cana-de-açúcar, milho e celulose. O biodiesel vai transformar o mercado das oleaginosas. Se o preço do petróleo continuar nas nuvens, a corrida em busca de alternativas energéticas produzirá um verdadeiro break-through tecnológico no mercado de commodities. Ao abrir novos usos para commodities agrícolas clássicas, o mercado de bioenergia facilitará um acordo multilateral mais ambicioso no final da década. Não há condições políticas para concluir uma rodada ambiciosa este ano. Mas o multilateralismo da OMC não vai desaparecer, já que ele é fundamental e insubstituível em diversas áreas relevantes. O que teremos, sim, é uma grave crise do sistema, um ciclo de baixa, que pode ser plenamente recomposto mais à frente se os ministros souberem valorizar um pouco mais o conceito de "ganhos líquidos" para o mundo e para suas respectivas sociedades.
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