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Scot Consultoria

Sem governo não vai dar


Quarta-feira, 23 de janeiro de 2008 - 08h35

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


O episdio da rastreabilidade bovina envolvendo as exportaes de carne bovina brasileira para a Unio Europia (UE) nos ensina duas coisas. A primeira que os meses de negociaes com a UE revelaram que no h um bom entendimento entre os rgos do governo responsveis pela criao de credibilidade internacional do sistema de controle sanitrio brasileiro. A segunda que essa falta de entendimento vai custar cada vez mais caro para o setor agropecurio, porque as exigncias de cunho no-tarifrio esto ganhando mais fora e relevncia no comrcio de alimentos e commodities agrcolas. Essa falta de entendimento cria uma preocupao adicional para os exportadores brasileiros: o caso da rastreabilidade provou que o governo ainda no consegue bater de frente com os europeus e evitar que suas crescentes exigncias sanitrias se transformem, na prtica, em barreiras comerciais. Por ora ainda tenho dificuldade de enxergar os diversos Ministrios atuando de forma coordenada para virar o jogo e evitar "usos indevidos", por assim dizer, de exigncias sanitrias e ambientais. Misses de inspeo sempre houve no Brasil. A UE j fez vrias para fiscalizar as exportaes de carnes. As duas ltimas misses, que acarretaram uma "aprovao monitorada" do sistema de rastreabilidade brasileiro, foi baseada em trs pontos gerais: sanidade animal, inocuidade dos alimentos e sistemas de certificao - este ltimo inclui a rastreabilidade bovina. Com exceo do Sisbov, que o sistema de rastreabilidade bovina brasileiro, todos os demais pontos foram aprovados. No parece muita coincidncia que o nico item no aprovado seja um programa cuja responsabilidade de implementao unicamente do governo brasileiro? Mesmo se acreditssemos que os europeus estejam certos, as concluses da misso mostram que o governo falha quando a poltica de sua responsabilidade. Assim, no se trata de dizer se os europeus esto certos ou errados, mas sim de confiar em aes de governo que dem segurana ao setor privado de que as polticas implementadas no Pas no sero postas prova pelos importadores dos produtos brasileiros. V-se que o problema no se o Sisbov foi parcialmente aprovado pela UE, mas que o governo brasileiro no teve sucesso em provar ao europeu que o sistema de rastreabilidade proposto atendia s necessidades de garantir os nveis requeridos de sanidade animal. Doena da vaca louca e febre aftosa, tendo sido responsveis pelo desenvolvimento da rastreabilidade bovina, biotecnologia, patrocinando o incio dos sistemas de certificao cada vez mais em moda nos dias de hoje e, mais recentemente, a emergncia do tema da sustentabilidade, esto tornando o comrcio internacional de alimentos e commodities agropecurias complexo e pautado por procedimentos e padres negociados de forma bilateral e com frgeis inter-relaes com as regras multilaterais do comrcio. Essa uma das razes por que tenho defendido que as negociaes da Rodada de Doha, nessa perspectiva, tratam de temas do passado e no tocam naqueles que esto, atualmente, na vanguarda das distores no comrcio. Todos os temas citados tm como carro-chefe a Unio Europia. Entre os maiores exportadores agrcolas para a UE e, dentre eles, o nico que no tem um acordo bilateral com o bloco, era de esperar que o Brasil seria uma espcie de "cobaia" dos novos experimentos europeus. O maior problema que nossas experincias recentes nos levam a concluir que o governo brasileiro no est preparado para dar o suporte necessrio ao setor privado para enfrentar essa nova realidade de comrcio em que os europeus nos meteram. Os temas sanitrios nos ajudam a entender melhor o problema da falta de coordenao entre os rgos do governo. A responsabilidade pela formulao das polticas do Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento (Mapa), que divide a implementao com os Estados. No entanto, quando se trata de um assunto de dimenso mundial, como qualquer outro assunto internacional no Brasil, o tema encaminhado pelo Ministrio das Relaes Exteriores (MRE). Cabe ao MRE negociar com a Comisso Europia, em Bruxelas, ou apresentar pedidos Organizao Mundial do Comrcio (OMC), em Genebra. No entanto, o Mapa que entende do assunto sanitrio do ponto de vista tcnico e de implementao das polticas. Cabe ao MRE sinalizar para o Mapa que aes podem ser tomadas no mbito dos acordos da OMC, por exemplo, o Acordo sobre Medidas Sanitrias e Fitossanitrias (SPS), para que o Brasil se defenda de exigncias sanitrias no justificadas cientificamente. Uma rpida pesquisa mostrar que o Brasil nunca fez uso do SPS a seu favor contra medidas tomadas pelos europeus. As questes sanitrias, no entanto, so apenas parte do problema. Ao menos nesse tema h uma boa definio de papis e uma especializao do conhecimento tcnico dentro do Mapa. Na verdade, o problema do Sisbov uma ocorrncia conjuntural que ser resolvida com brevidade. As dvidas recaem sobre os novos temas no-tarifrios, sobretudo os ligados s certificaes mais complexas, multitemticas, que vo alm das questes de sanidade e entram em atributos de qualidade e sustentabilidade. Se num tema bsico como a rastreabilidade enfrentamos problemas em negociar com os europeus um sistema compatvel e funcional para a realidade brasileira, como agente privado teria muitos ps atrs das aes do governo nas questes das certificaes complexas. No nos ajuda o fato de esse intenso movimento de certificaes complexas no ser acompanhado por regras multilaterais que disciplinem a sua emergncia. Embora as exigncias caiam sobre os agentes privados, a confiana nos sistemas depende da chancela dos governos. Por enquanto, ainda no consegui entender quais so os planos do governo brasileiro.
Andr M. Nassar, engenheiro agrnomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comrcio e Negociaes Internacionais (ICONE). As principais reas de atuao no ICONE so: negociaes internacionais multilaterais e extra-regionais; desenho de cenrios quantitativos e de projees de longo prazo de comrcio agrcola; poltica comercial agrcola em pases desenvolvidos e em desenvolvimento; contenciosos da Organizao Mundial do Comrcio. amnassar@iconebrasil.org.br
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