Os preços dos alimentos se transformaram em preocupação mundial. Altos preços são um problema para os importadores líquidos de alimentos, que estão entre os países mais pobres do mundo - e para o brasileiro também, se deixarem algum resíduo inflacionário por aqui. Até o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) e o presidente do Banco Mundial revelaram, recentemente, suas preocupações sobre o tema.
O problema maior, no entanto, não é as
commodities estarem caras, mas sobrevalorizadas. A dica é a seguinte: quer saber o que vai acontecer com os preços dos alimentos? Siga os preços da energia. E a moral da história: os alimentos estão sobrevalorizados porque as políticas dos EUA para o etanol de milho e as européias para o biodiesel de colza encareceram os alimentos mais do que o esperado.
Desde que os preços do petróleo dispararam a partir de 2003 - nessa época o barril estava cotado abaixo dos US$30 e hoje já ultrapassou a barreira dos US$100 -, uma mudança estrutural ocorreu nos preços das
commodities agrícolas: seus preços e os do petróleo passaram a andar juntos.
Isso é verdade para as
commodities agrícolas, que são usadas para biocombustíveis, como milho, óleos vegetais (soja, palma e colza) e açúcar (que é referência de preço para o etanol de cana-de-açúcar), mas é também verdade para as
commodities não-energéticas, como café e algodão. A crescente integração financeira dos mercados, o movimento dos investidores institucionais em direção aos derivativos, o aumento dos custos dos fertilizantes agrícolas (fruto da subida dos preços do petróleo) e a própria desvalorização do dólar, por si só, já explicam o porquê dessa aproximação de tendências.
Quando, no entanto, investigamos mais a fundo, identificamos que as
commodities agrícolas energéticas estão mais fortemente conectadas aos preços do petróleo e, mais importante, que existe uma relação de causalidade entre eles. Ou seja, que os preços do petróleo influenciam fortemente os preços das
commodities agrícolas energéticas. O mesmo não foi encontrado na via contrária - preços das
commodities determinando preços de petróleo.
Não há como negar, portanto, que o desenvolvimento do mercado de biocombustíveis promoveu uma integração mais intensa das
commodities agrícolas energéticas com os preços do petróleo. Isso significa que uma subida nos preços do petróleo não deixaria de levar para cima as
commodities agrícolas, sobretudo as energéticas. Essa relação íntima entre petróleo e
commodities agrícolas energéticas deverá permanecer até que a oferta dos agrícolas volte a acompanhar a demanda.
Os biocombustíveis, dessa forma, têm, sim, sua parcela de responsabilidade na alta dos preços dos alimentos, na medida em que promoveram essa maior integração entre petróleo e
commodities agrícolas energéticas. É bom termos em mente, contudo, que biocombustíveis não afetam preços de petróleo. Essa integração, ao contrário do que alguns estão falando, é boa, porque traz maior previsibilidade ao mercado de
commodities agrícolas, que está entre os mais voláteis. Dado que os biocombustíveis não promovem aumento nos preços do petróleo, a única forma de conter o aumento dos preços agrícolas é conter os preços do petróleo. Alguém põe fé em que isso seja possível?
O petróleo é, portanto, o grande culpado pelo aumento estrutural dos preços. Onde está a culpa, afinal, dos biocombustíveis? Está na sobrevalorização das
commodities agrícolas energéticas em relação aos preços do petróleo. Para medir isso convertemos os preços das
commodities agrícolas energéticas em peso equivalente de petróleo e os comparamos com os preços do petróleo na mesma unidade de medida. Esse procedimento é feito a partir do conteúdo de energia em cada produto. Um exemplo: o preço médio do açúcar na Bolsa de Nova York em 2007 foi de US$0,996 por libra. Isso equivale a US$320 por m de etanol, que é igual a US$0,62/kg de petróleo equivalente. O preço do petróleo nesse mesmo ano foi de US$71 por barril, ou US$0,56/kg.
Quando comparamos os preços de milho, óleos vegetais (colza, soja e palma) e açúcar com o petróleo, descobrimos que, de 2005 até os primeiros meses de 2008, com exceção do açúcar, os preços das
commodities agrícolas estão se sobrevalorizando em relação ao petróleo. Em 2005, o milho, a preços de petróleo, valia US$0,49/kg, ante US$0,42/kg do petróleo. Hoje, o preço do milho é de US$1,05/kg, ante US$0,73/kg no caso do petróleo. A relação entre preços passou de 1,15 para 1,44. No caso do óleo de colza, matéria-prima para o biodiesel europeu, a relação subiu de 2,3 para 2,8. A relação nos óleos de soja e palma, substitutos da colza no prato do europeu, passou de 1,5 e 1,15 para 2,3 e 2. Em relação ao petróleo, milho e óleos de colza, soja e palma se valorizaram em 25%, 19%, 43% e 65%, respectivamente. O açúcar, na contramão dos demais, desvalorizou em relação ao petróleo.
Por que milho e oleaginosas estão ficando mais caros em relação ao petróleo e, assim, puxando os preços dos alimentos para cima? Os preços não deveriam andar juntos, já que eles são aditivos para gasolina e diesel? A explicação está nas políticas utilizadas por EUA e União Européia, que distorcem o mercado desses produtos. Se os mercados de biocombustíveis fossem abertos, os preços de milho e óleos de colza, soja e palma deveriam estar, hoje, 20%, 16%, 30% e 39% mais baixos, mantendo a relação que tinham com o petróleo em 2005.
Uma correção dos preços, porém, não significa que eles não teriam subido. Significa apenas que estariam menos valorizados. Se a idéia é encontrar um culpado pela alta dos alimentos, aponte-se o dedo para o petróleo.
Artigo baseado no documento de trabalho "O Petróleo e a Formação dos Preços das Commodities Agrícolas", de autoria própria em conjunto com M. Moreira e L. Harfuch.
André M. Nassar, engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).
As principais áreas de atuação no ICONE são: negociações internacionais multilaterais e extra-regionais; desenho de cenários quantitativos e de projeções de longo prazo de comércio agrícola; política comercial agrícola em países desenvolvidos e em desenvolvimento; contenciosos da Organização Mundial do Comércio.
amnassar@iconebrasil.org.br