por André M. Nassar
Muito tem sido discutido sobre as limitações que a crise financeira internacional impôs sobre a disponibilidade de crédito. Um dos tipos de crédito diretamente atingidos por ela é o dos financiamentos às exportações que dependem de recursos captados no exterior. Uma menor disponibilidade de crédito às exportações contribui para a redução dos montantes exportados. Do lado do mercado físico, o que se observa é que as exportações vêm caindo nos últimos meses seguindo trajetória muito semelhante à da redução no crédito. Observando esse comportamento, a pergunta que fica é: é a menor disponibilidade de crédito para exportações que está levando a uma redução nos volumes exportados ou é a menor demanda internacional que leva a uma queda no volume exportado e, conseqüentemente, a uma menor demanda por crédito? Minha conclusão é: os dois efeitos, menor crédito e menor demanda, estão afetando o desempenho das exportações, mas, sobre uma delas - a demanda internacional - temos pouca margem de manobra.
Os movimentos nas concessões de adiantamentos sobre contrato de câmbio (ACCs) dão uma idéia do montante de crédito utilizado no financiamento das exportações. Modalidade de crédito financiada com recursos externos, as operações com os ACCs no Brasil, tanto em termos de volume contratado quanto em relação aos juros praticados, são um bom termômetro para medir a intensidade da crise sobre a disponibilidade de capital. Como era de esperar, desde setembro do ano passado, mês do estopim da crise no mercado de crédito, as operações com ACCs vêm caindo. O Banco Central registrou US$5,3 bilhões de recursos em setembro, caindo para US$3,1 bilhões em dezembro. Embora setembro tenha sido um mês atípico em relação à média de 2008, os três últimos meses do ano ficaram abaixo da média, o que nos leva a concluir que os números já refletem as afirmações do setor financeiro e dos exportadores. Além de uma redução nos montantes contratados, observa-se também uma elevação nas taxas de juros das operações.
Do lado das exportações, a tendência observada é exatamente a mesma. Em 2008, o recorde de exportações ocorreu no mês de julho, com US$20,5 bilhões. De setembro em diante, no entanto, a trajetória foi de queda, saindo de US$20 bilhões e fechando dezembro com US$13,8 bilhões. Ou seja, queda de 30% no valor exportado. No caso dos produtos do agronegócio, o comportamento se repete. Usando os dados compilados pelo Ministério da Agricultura, vemos que as exportações totais caíram de US$6,8 bilhões em setembro para US$4,8 bilhões em dezembro.
Dado que as exportações em receita foram reduzidas por um efeito combinado de redução de quantidade e de preços, é importante avaliar o comportamento dos volumes exportados. Analisando os principais produtos exportados pelo agronegócio brasileiro, encontramos um comportamento semelhante, ou seja, de retração no volume exportado ao longo do segundo semestre do ano passado. Os produtos que mais chamam a atenção são as carnes (bovina, suína, de frango e de peru). Em todos os casos, há uma clara retração a partir de setembro, embora apresentem também uma leve recuperação no mês de dezembro, fruto, provavelmente, de uma melhora no mercado de crédito com os leilões do Banco Central.
Farelo e óleo de soja são dois produtos que também sofreram com a retração no mercado de crédito no final do ano passado. Embora o volume de embarques caia no final do ano, por conta da entressafra da soja no Brasil, a escassez no crédito deve ter contribuído para a retração observada a partir de setembro. Chamam também a atenção as quedas nas exportações de álcool, celulose, café, algodão e tabaco. Com exceção de celulose, é preciso também levar em conta o "efeito entressafra" na redução dos volumes embarcados.
Para entender a combinação dos dois efeitos - menor disponibilidade no crédito para financiar exportações e retração na demanda internacional - é preciso separar suas implicações no tempo. Embora a escassez de crédito seja uma das conseqüências da crise, significando que as linhas de financiamento às exportações levarão algum tempo para se normalizar, o que mais me preocupa são os efeitos sobre a demanda por importações. Mesmo sem saber quanto tempo o crédito vai levar para se normalizar, podemos dizer que esse mercado tende a se estabilizar mais rapidamente do que uma possível retração na demanda.
É verdade que os parcos três meses de crise, outubro a dezembro, ainda não nos permitem concluir que, de fato, a redução nas exportações observada nesse período já reflete o menor crescimento nos principais mercados importadores do agronegócio brasileiro. Mas alguns sinais deixam claro que podemos esperar impactos na demanda por nossos produtos. A União Européia, importante mercado importador de produtos brasileiros como carne bovina, carne de aves e farelo de soja, deverá passar o ano de 2009 sem crescimento. A Rússia, grande importadora de carnes, mudou, para 2009, seu regime de importação de carnes de aves e de suínos, atingindo em cheio o Brasil. Esses exemplos dão indicações de que a trajetória de crescimento das exportações observada entre 2007 e 2008 deverá ser reduzida e, em alguns produtos, interrompida. É importante lembrar que um real desvalorizado ajuda o exportador, mas nada garante que compensará todo o efeito de redução de demanda e queda de preços em dólar.
Tanto a demanda internacional quanto a menor disponibilidade de crédito para exportações afetarão o desempenho internacional do agronegócio. Considerando que o exportador brasileiro não tem muito o que fazer na demanda, que pelo menos sejam mitigados os efeitos negativos sobre o crédito. O tempo vai mostrar se os leilões do Banco Central e as medidas para desonerar exportações serão suficientes.
André M. Nassar, engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).
As principais áreas de atuação no ICONE são: negociações internacionais multilaterais e extra-regionais; desenho de cenários quantitativos e de projeções de longo prazo de comércio agrícola; política comercial agrícola em países desenvolvidos e em desenvolvimento; contenciosos da Organização Mundial do Comércio.