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Scot Consultoria

O mundo está mesmo mais fechado?


Sexta-feira, 20 de março de 2009 - 13h34

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


por André M. Nassar À medida que avançamos mar adentro na outrora crise financeira e atual crise econômica mundial, mais somos surpreendidos pela criatividade dos governos, que não apenas opinam sobre políticas adotadas por outros países, como também buscam, sobretudo, soluções que vão no mínimo no sentido contrário ao da resolução da situação. São dignos de menção, no Brasil e fora dele, as ações protecionistas tomadas pela Argentina e os novos movimentos de estatização na Venezuela, que levarão para ainda mais longe qualquer disponibilidade de o já escasso crédito internacional chegar perto de ambos os mercados. O assunto da imposição de barreiras ao comércio, no contexto da crise mundial, é uma espécie de unanimidade: há concordância de que, diante da queda vertiginosa dos fluxos comerciais, fruto das restrições ao crédito e da redução da demanda, medidas que discriminem contra o comércio ajudarão a adiar as expectativas de crescimento da economia mundial em 2009. No entanto, do mesmo jeito que, se questionada, a maioria das pessoas diria que o protecionismo é uma prática negativa, a mesma maioria teria dificuldades em precisar por que, onde e como o protecionismo é maléfico. Mostrar-se contra o aumento das barreiras ao comércio, como tem sido corretamente a estratégia empregada por alguns governos - entre eles o brasileiro - e por instituições internacionais, infelizmente não impede os países de continuarem a perseguir os interesses dos produtores nacionais. Apesar do alarde, o que essa crise tem demonstrado é que, apesar da enorme evolução do sistema multilateral de comércio - de 1947, quando foi realizada a primeira rodada do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt, na sigla em inglês), até os dias de hoje -, os países sempre encontram soluções criativas para buscar formas de proteção que ou não estão claramente definidas e estabelecidas nas regras de comércio, ou se aproveitam de brechas ainda existentes nas regras e necessitarão de mais algumas rodadas de negociação para ser fechadas. Falo de países desenvolvidos, no primeiro caso - com seus pacotes pesados de ajuda ao setor automobilístico e, por que não citar, ao financeiro - e dos países em desenvolvimento, que ainda utilizam instrumentos primitivos como a imposição de licenças não automáticas de importação e formas menos sutis baseadas em puro e simples aumento de tarifas, prática que tem sido escolhida pelos asiáticos. Também se valendo das imperfeições, por assim dizer, das regras multilaterais de comércio, os números de 2008 indicam que os pedidos e a imposição de medidas antidumping cresceram ao longo do ano. Um levantamento feito por técnicos do Banco Mundial indica que houve expressivo crescimento de medidas antidumping no segundo semestre de 2008, em comparação com o primeiro. O mesmo levantamento afirma que, excluindo o antidumping, 45 medidas de restrição ao comércio foram adotadas de outubro de 2008 até fevereiro de 2009, 12 delas relativas a países desenvolvidos e concentradas em pacotes de ajuda e subsídios a agricultores, e 35 em países em desenvolvimento, predominando a elevação de tarifas, as barreiras não tarifárias, a proibição de importações e os pacotes de ajuda a setores específicos (o estudo pode ser obtido no endereço http://www.voxeu.org/index.php?q=node/3183). Não há dúvida, portanto, de que a redução do comércio mundial vem acompanhada por usos mais intensos de medidas de restrição. Diante desse cenário, caímos na tentação de fazer comparações com a crise de 1929, especificamente com a promulgação da Lei Smoot-Hawley, de 1930, que elevou a tarifa média de importação dos EUA de 38,5% para 53%. Hoje, sabe-se que o aumento das tarifas norte-americanas não somente levou a uma redução das importações, afetando os exportadores, mas também piorou a situação do mercado internacional de capitais, agravando ainda mais a crise mundial. A comparação, é claro, não se aplica - e não é apenas porque o regime multilateral impõe tetos para as tarifas, como também porque, com exceção de nada honrosos casos como a Argentina, as medidas óbvias de restrição (aumento de tarifas e uso de licenças de importação), por enquanto, foram dirigidas a setores específicos, e não a todo o universo de produtos, como fizeram os americanos em 1930. Além disso, as medidas não óbvias, como pacotes de ajuda a setores específicos - fazendo uma ressalva ao absurdo aumento nos subsídios aos agricultores a que hoje assistimos nos EUA e na União Europeia - são de difícil mensuração, porque podem desviar comércio, levando a um aumento das compras de produtores locais, mas podem estimular a economia, gerando maiores importações em setores não cobertos por elas. Assim, o ímpeto protecionista deveria ser barrado sobretudo nas medidas que causam óbvias distorções ao comércio, como aumento de tarifas, uso de barreiras não tarifárias (as famigeradas licenças de importação argentinas) e subsídios aos agricultores. Infelizmente tais medidas estão, em termos gerais, abrigadas no arcabouço de regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), permitindo aos países usufruírem delas sem constrangimento adicional. E como se não bastasse o fato de que ou as medidas estão de acordo com as regras da OMC ou oferecem poucas evidências que discriminam contra o comércio, os países ainda querem menos proteções para seus produtos de exportação e mais proteções para os produtos não competitivos. A solução dessa matriz de interesses é óbvia: todos preferem mais proteção. Assim, embora sejam válidos os esforços de usar a reunião do G-20 em Londres para reforçar os malefícios das medidas restritivas ao comércio, sabemos que os países não abrirão mão delas. Nosso consolo é que na crise atual, diferente de 1929, menor comércio é resultado, e não causa dela.
André M. Nassar, engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE). As principais áreas de atuação no ICONE são: negociações internacionais multilaterais e extra-regionais; desenho de cenários quantitativos e de projeções de longo prazo de comércio agrícola; política comercial agrícola em países desenvolvidos e em desenvolvimento; contenciosos da Organização Mundial do Comércio.
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