Na edição de maio/07 desta coluna consta, em destaque na janela do texto, a seguinte observação: “...
produzir leite para disputar espaços no mercado internacional exige competência, responsabilidade, profissionalismo e eficiência, tanto por parte das indústrias quanto dos produtores”. Como diria o saudoso dramaturgo Nelson Rodrigues, esta afirmação “é óbvia e ululante”.
No entanto, uma parcela significativa de empresários brasileiros ligados ao ramo de industrialização de alimentos não a considera relevante. Tanto que a questão de fraudes no leite oferecido aos consumidores assumiu proporções de escândalo nacional. Embora este tema já tenha sido abordado na edição anterior desta coluna, agora quero abordá-lo sob outro ângulo – a fiscalização sanitária exercida pelos órgãos oficiais.
Entendo que uma parcela de responsabilidade relativa aos fatos deprimentes que atingiram a cadeia agroindustrial do leite, também deva ser atribuída às deficiências dos órgãos oficiais de fiscalização. Note-se que algumas das empresas fraudadoras contavam com fiscalização permanente realizada por servidores públicos ligados ao MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento).
Ocorre que o atual sistema de fiscalização realizado pelo MAPA é obsoleto e ineficiente. De acordo com o modelo atual, cabe ao MAPA disponibilizar para cada indústria de alimentos, de forma permanente, um profissional pago pelos cofres públicos para dar orientação quanto aos procedimentos adequados, no que se refere à higiene, sanidade, qualidade dos produtos e fiscalizar a execução desses procedimentos.
Este sistema gera dois tipos de problemas – primeiro: o acentuado crescimento do número de empresas de laticínios verificado nos últimos anos, não foi acompanhado pela concomitante contratação de novos profissionais para o exercício da fiscalização. Segundo dados publicados pela imprensa, o MAPA conta com 300 profissionais para fiscalizar cerca de 1,7 mil empresas de laticínios implantadas no Brasil. Resulta daí que um número considerável de empresas não está submetido a uma fiscalização consistente.
O segundo problema advém da permanência constante do fiscal dentro da mesma unidade industrial. Esse convívio rotineiro entre fiscal e fiscalizado, não raras vezes, se transforma numa relação promíscua, comprometendo a qualidade da fiscalização que se torna condescendente com a indústria. Então, esta se sente à vontade para a utilização de práticas não recomendadas ou até mesmo condenáveis, que se refletem na qualidade do produto. Os recentes acontecimentos, fartamente divulgados pela imprensa, evidenciam essa realidade.
MUDANÇA NA FISCALIZAÇÃO
Mas, das crises, não raramente surgem idéias e propostas renovadoras. Segundo declarações do atual Ministro da Agricultura vai acontecer uma mudança importante no atual modelo de fiscalização oficial.
Nas empresas a fiscalização passará a ser feita não mais por profissionais fixos, radicados nesta ou naquela unidade industrial, mas sim por equipes volantes que, eventualmente e sem prévio aviso, farão visitas de inspeção nas indústrias e, o que é mais importante, coletarão amostras dos produtos ofertados no mercado para um rigoroso exame laboratorial.
Se este sistema for acompanhado por uma atualização concreta da legislação sanitária, de modo a propiciar pesadas punições aos empresários faltosos, a tendência é que a fiscalização se torne mais eficiente, menos sensível às relações promíscuas entre fiscais e fiscalizados e menos onerosa para o governo.
Este sistema de fiscalização já é utilizado com sucesso há muitos anos por países europeus. Entendem as autoridades sanitárias desses países que o ônus da contratação de profissionais capacitados para dar orientação permanente nas questões referentes à sanidade, higiene e qualidade dos produtos cabe às empresas. Ao poder público fica a responsabilidade da fiscalização rigorosa e eficiente.
Mas antes de tudo, é absolutamente imprescindível que valores como honestidade, dignidade, profissionalismo e responsabilidade social sejam praticados de forma constante por todos os elos das cadeias agroindustriais. Será utopia?
Otaliz de Vargas Montardo é médico veterinário e instrutor do Senar – RS