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Tango amargo


por Alma

Segunda-feira, 10 de maio de 2010 - 18h11

Fernando Sampaio é engenheiro agrônomo formado pela ESALQ/USP, especialista em mercado de carnes pela ESA Angers. Pensador em tempo integral, cronista nas horas vagas. Seu dia foi cheio? Está cansado de ver preços e números? Leia a coluna do Alma e relaxe. Coluna do Alma, para você não se esquecer das outras coisas da vida.


Para quem olha de fora, esta espécie de suicídio coletivo da Argentina parece um tanto incompreensível. Amigos de diferentes partes do mundo perguntam-se como um povo com o nível cultural e a riqueza que os argentinos um dia ostentaram pode chegar a este ponto? Buenos Aires ainda tem a aura de cidade européia, com suas avenidas, parques, monumentos e prédios neoclássicos, mas os portenhos perderam o panache. Eles mesmos acusam os chilenos de serem "los nuevos porteños". Um chileno "con plata es insuportable"... Encontrei aí representantes do setor rural, com certeza o mais resistente e o mais afetado pelas políticas ensandecidas dos Kirchner, ou "la monarquia" como os chamam. A Argentina este ano terá a menor área plantada de trigo em 100 anos. As exportações de trigo e farinha foram barradas, e o grão é ainda mais taxado do que a farinha, em uma política que arruína agricultores e privilegia os moinhos, que por sua vez dão parte de suas comissões à quadrilha kichnerista que tomou conta do país. Exportações de carne, taxadas e limitadas. Em pouco tempo, a Argentina deverá estar importando carne brasileira, uma vergonha para um país que sempre foi o nome da carne no mundo. Soja, taxas de 35%, as famosas retenciones. Porque essa sanha em cima de produtores? Porque são a maior oposição ao governo, e porque os que geram a maior parte da riqueza do país. Sufocando-os, em breve a Argentina estará em ruínas. Mas os Kirchner sobrevivem politicamente com seu populismo barato que, por exemplo, acaba de criar uma bolsa que dá 180 pesos por mês e por filho a famílias pobres, e a um discurso obsoletamente peronista em prol de "los descamisados", embora a única área onde a economia parece ativa em Buenos Aires é na favela que surgiu entre o porto e a ferrovia, onde barracos não param de surgir e de serem ampliados. Os Kirchner também sobrevivem do apoio de uma oligarquia de empresários associados ao governo, que beneficiam-se de suas políticas, como os moinhos de trigo. Ou como as empresas que através de um acordo negociado pelos Kirchner podem exportar máquinas a Venezuela. Sobre absolutamente tudo o que é negociado da Argentina através de intermediações do governo há uma comissão informal que varia de 15 a 20%. Calcula-se que la Famiglia Kirchner manipule diretamente de 4 a 5 bilhões de dólares por ano, dinheiro suficiente para lhes comprar juízes, congressistas, jornalistas e o que mais for necessário. E jornalistas, os que não se compram, se intimidam. E longe de ser falácia da oposição, há dados conhecidos que dão uma idéia do tamanho do esquema. Em seus últimos dias como presidente, Nestor Kirchner liberou uma concessão exclusiva de máquinas caça-níqueis a um de seus sócios por 20 anos. Estima-se que os caças níqueis no país rendam 1 milhão de dólares por dia. Nestor impôs uma condição, que o número de casas de caças níqueis dobrassem no país para "gerar emprego". É um país tomado de assalto por uma quadrilha, do tipo daquelas que usa a democracia exatamente para solapar a democracia. Epa, espera, onde eu vi isso antes? Telebrás, Oi-Brasil Telecom, mensalão, Bancoop, Lulinha, Daniel Dantas... Lembre aos argentinos que não somos assim muito melhores, mas o tamanho nos salva. Não se pode controlar tudo. Enquanto discutíamos novas possibilidades com as negociações que se reabrirão entre Mercosul e União Européia, ficamos sabendo que Nestor Kirchner havia se tornado o novo presidente da Unasur, graças ao apoio do ex-Tupamaro uruguaio Pepe Mujica. No mesmo dia a Unasur sugeriu boicotar as negociações porque José Luiz Rodriguez Zapatero, primeiro ministro espanhol e anfitrião da Cúpula Europa América Latina que aconteceria em maio convidou Porfirio Lobo, presidente de Honduras. A Unasul, invenção de Lula, quer Manuel Zelaya de volta ao poder. Dizem também na Argentina que os monarquistas não largarão o osso tão fácil, Nestor Kirchner volta a ser candidato assim que acabar o mandato da Rainha Cristina. Um uruguaio conosco à mesa comparou os argentinos a um preso que tem a cabeça imersa em um tanque de água, para ver quanto tempo consegue resistir. "E siguen resistindo" admirou-se. "Si", respondeu o amigo argentino olhando triste o copo de vinho, "pero te amargas".
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