Chegou uma onda. Despertados na TV, os anos JK acalentam, aps cinqenta anos, as conversas sobre a poltica nacional. Revisita-se uma poca marcante, na qual a agricultura acaba suplantada pela indstria. A cidade vence o campo.
O desenvolvimentismo dos anos 50 representou, sem dvida, a virada da economia brasileira. Desde 1930, com a ascenso de Getlio Vargas, a poltica caf-com-leite manipulada pelas oligarquias paulista e mineira perdera o jogo do poder. Comeava a industrializao, comandada pelo Estado a servio da nascente burguesia.
Cinqenta anos em Cinco, famoso slogan do Plano de Metas de JK, mostrava pressa em romper com o passado. Na economia, a ordem era substituir importaes pela produo local. Exportador bruto de matrias-primas agrcolas caf, acar, fumo, cacau - o pas precisava urgentemente construir seu parque industrial. Chegou l.
Em contraposio, importante ressaltar que a verdadeira obsesso pela indstria, criada naquele perodo, promoveu um desprezo pela produo rural. As luzes brilhavam todas na cidade. A terra restou esquecida.
Surgiu o fenmeno do xodo rural, revelando um monstro de duas caras. De um lado, sorridente, estampava a felicidade do emprego, do conforto urbano, da liberdade humana. Representava o Brasil livrando-se de seu passado, da opresso latifundiria. Velhos coronis do serto substitudos pelos novos patres capitalistas.
De outro lado, espelhava a face triste do retiro, as agruras da incerteza, o caminho pau-de-arara, a famlia arrebentada. Atrados pela urbanizao, ou expulsos pela mecanizao agrcola, estima-se que, entre 1960 e 1980, 27 milhes de pessoas deixaram o campo e buscaram a sorte na cidade grande.
A humanidade vingou exigindo a migrao campo-cidade. Estranho, portanto, no foi a existncia do processo, mas sim sua fria. Nas naes desenvolvidas, a transio populacional e a industrializao se fizeram paulatinamente. Aqui, ocorreu num piscar de olhos. Em duas dcadas se cumpriram dois sculos de Histria.
Em 1950, o Brasil contava 60 milhes de habitantes, dos quais a maioria (63,8%) morava na zona rural. Em 1970, segundo o IBGE, a populao rural atinge seu mximo, somando 41 milhes de pessoas. Mas a inverso j havia ocorrido: os urbanos j eram majoritrios, com 55,9% da populao.
Na dcada de 50, incio da forte desruralizao, quase a metade (46,3%) dos migrantes rurais, estimados em 11 milhes de pessoas, vinha do Nordeste. Na dcada seguinte, porm, o maior fluxo migratrio teve origem no Sudeste. As colnias das fazendas de caf foram literalmente esvaziadas durante os anos 60.
Bolses de misria nas periferias urbanas incharam terrivelmente. O crescimento e a gerao de emprego jamais suportaram a oferta descabida de mo-de-obra, causada pelo xodo rural. Elevadas taxas de crescimento populacional engrossavam o fluxo. Milhes chegaram ao mercado de trabalho e deram com a porta fechada. Viaduto virou lar.
Houve fome. O grande problema residia nas deficincias do abastecimento. O consumo de subsistncia nas fazendas precisou, em pouco tempo, ser substitudo pelo comrcio varejista. Redes de distribuio inexistiam. Surgiram os Ceasas, mais tarde os sacoles. Uma corrida contra a escassez.
Uma coisa puxou a outra. A demanda urbana exigia elevao da produtividade rural. Por outro lado, a falta de braos na roa estimulou a mecanizao. Assim, o capitalismo penetrou no campo desencadeando um extraordinrio movimento de modernizao tecnolgica.
Quando JK tomou posse na Presidncia da Repblica, a rea cultivada no Brasil mal ultrapassava 20 milhes de hectares, um quinto dos quais ocupado com caf. Hoje, a rea cultivada atinge 62 milhes de hectares, sendo 70% com lavouras temporrias de cereais e gros.
Na pecuria, apenas 15 milhes de hectares advinham, em 1950, de pastagens plantadas; o resto era natural. Agora, as pastagens artificiais, cultivadas com gramneas selecionadas, somam 120 milhes de hectares. O rebanho bovino pulou de 70 para 200 milhes de cabeas.
JK promoveu a indstria automobilstica. No campo, ainda imperava a carroa e a trao animal. Somente em 1959 o pas produziu o primeiro trator, na fbrica da CBT-Cia Brasileira de Tratores. Antes disso, as mquinas agrcolas vinham do exterior. Em 2005, a frota de tratores ultrapassa um milho de unidades.
Muita coisa mudou, para melhor, nesse meio sculo desde JK. bem verdade que a transio para a sociedade urbana poderia ter ocorrido de forma mais planejada, sem tanto trauma. Mas no adianta choramingar o passado. A Histria no d marcha--r.
Vale o aprendizado para o futuro. A nsia da rpida industrializao gerou uma iluso na sociedade brasileira. Sups, como num sonho, que mudar de casa e pisar no asfalto seria passaporte para a felicidade. Triste engano. A pobreza, caracterstica da sociedade agrria, se imiscuiu nas entranhas da metrpole.
No final da vida, JK vira fazendeiro. Provavelmente ele j tinha cincia de que o fosso entre campo e cidade, subproduto cultural da onda desenvolvimentista dos anos 50, havia gerado o caipira, terrvel caricatura do trabalhador rural. Chapu na cabea, mineiro de fala arrastada, caiu ele prprio, sem o perceber, na armadilha ideolgica do progresso, que costuma negar o passado.
Nenhuma nao se desenvolve deixando para trs seus agricultores. Essa foi a grande lio dos anos JK.
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