Todas as atenções se voltam para a Alemanha. O espetáculo da Copa do Mundo mobiliza milhões, desperta paixões. Reinará o futebol no país da salsicha e da cerveja. Afora a batata.
Ao contrário do que se crê, a batata não é européia. Sua origem se encontra nos altiplanos andinos, entre o Peru e a Bolívia. Cultivada pelos povos pré-colombianos, a “papa” quíchua acabou descoberta pelos conquistadores e levada para a Europa. Rica em carboidratos, carregada de energia, a solanácea ganhou as terras do Velho Mundo.
Na Irlanda fez sucesso imediato, dominando o consumo alimentar já no século 17. Depois se espalhou. Na Inglaterra, virou batatinha inglesa. Frederico II, o Grande, rei da Prússia, obrigou o consumo do tubérculo entre seus súditos desde 1740. Assim, na marra, a batata entrou definitivamente na culinária alemã. Em 1778, os impérios prussiano e austríaco disputaram, na conhecida “Guerra da Batata”, a supremacia sobre o território de Branderburgo.
Hoje, nos solos germânicos se colhem 11 milhões de toneladas de batata, plantadas em área de 290 mil hectares. Sua auto-suficiência garante um consumo médio de 66,5 kg/habitante/ano. No Brasil, para comparação, o consumo per capita está em 15 kg/ano.
Nem só da batata vivem os alemães. Sua área explorada total, incluindo pastagens, atinge 19,1 milhões de hectares, cerca de 10% da agropecuária brasileira. A produção de cereais, principalmente trigo, cevada e centeio, soma 43 milhões de toneladas. Boa parte se destina à fermentação alcoólica, nas 1270 cervejarias alemãs. Incríveis 130 litros é o consumo médio dos beberrões, que fazem jus à fama.
Economicamente, a pecuária tem peso superior ao da lavoura. O maior rebanho é suíno, e a carne de porco lidera de longe o consumo por lá, especialmente na forma de embutidos, salsichas e que tais. A pecuária bovina envolve 12,8 milhões de cabeças de gado, sendo 4,1 milhões na atividade leiteira.
Na verdade, o primeiro produto da agricultura germânica é a beterraba açucareira, que ocupa 500 mil hectares. Não confundir com seu parente avermelhado, legume utilizado aqui na salada. As beterrabas açucareiras são gigantes, suplantando fácil 10 kg cada unidade. A Alemanha é o maior produtor europeu de açúcar.
A Copa do Mundo se inicia num momento de fortalecimento da agricultura alemã. Ao contrário do Brasil, onde a crise agrícola se espalha, lá a renda agregada das atividades rurais mostra crescimento. Uma das razões reside na produção de biodiesel. É surpreendente.
Os alemães são campeões mundiais na produção de óleo combustível vegetal. Devem, em 2006, atingir a marca de 2 milhões de toneladas de biodiesel, obtido a partir da colza. Ninguém sabe disso. Essa planta, a colza, pertence à família das brássicas, cujo exemplar mais conhecido no Brasil é a couve manteiga. Ou a couve-flor.
Deixada florescer, a planta de colza produz abundantes sementes, pequeninas, riquíssimas em óleo. Tanto é que, no Canadá, variedades foram aprimoradas geneticamente, algumas através de transgenias, resultando na canola, planta cujo óleo comestível recebeu bom marketing. A canola é prima pós-moderna da colza.
Os acordos, no contexto do Protocolo de Kioto, para redução da emissão de gás poluente, aliados à alta freqüente do petróleo, expandem na Europa a agricultura energética. Por outro lado, o combate ao protecionismo na esfera da OMC-Organização Mundial do Comércio, retirará progressivamente as vantagens, artificiais, da produção do açúcar europeu.
Prevê-se assim, na Alemanha especialmente, o deslocamento da produção da beterraba açucareira para a destilação de álcool, abrindo nova fronteira para a agricultura local. Com marcante presença dos “verdes”, a política alemã empurra produtores rurais a serem ecológicos.
Inexiste por lá problema de sem-terra. A questão agrária envolve o trabalhador com-terra: assiste-se a uma contínua redução dos produtores rurais. Entre 1950 e 2001, o número de empresas agropecuárias caiu de 1,5 milhão para 412 mil. Mesmo com tanto subsídio, a queda continua. Existem hoje em solo alemão 366 mil produtores rurais, com área média de 46 hectares. O fenômeno é europeu.
Quando, em 1945, derrotado Hitler, os chefes de Estado aliados se reuniram no castelo de Potsdam, para discutir o final da Segunda Guerra, consta que o ministro da fazenda norte-americano propôs um plano para evitar a industrialização da Alemanha. Ficou conhecido como o “Plano da Batata”. Não prosperou.
Mais tarde, ao ruir o muro de Berlim, percebeu-se que a parte oriental da Alemanha, dominada pelos comunistas, restava atrasada. Não apenas na indústria, mas também na agropecuária. O socialismo, no campo como na cidade, fracassara.
Quem chegar à Alemanha para torcer pela seleção canarinho não se aperceberá dos dilemas da agricultura alemã. Nem poderia ser diferente. Não esquente. Beba cerveja à vontade e pode ficar tranqüilo, que ninguém o mandará plantar batata. Lá, a agricultura é valorizada.
Se tiver tempo, dê um pulo para conhecer o túmulo de Frederico, o Grande, no Palácio de Sans Souci. Sobre sua lápide, junto com flores, costuma haver umas batatas cruas. Um costume que reverencia o passado.
Divididos por Hitler, massacrados na guerra, separados pelo comunismo, a Alemanha supera traumas e surpreende quem a conhece. Berlim, reconstruída, reluz. Na agropecuária, dá um show de competência.
Tomara que, no futebol, se comporte!
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