Mede-se, h tempos, o desenvolvimento das Naes atravs de sua taxa de urbanizao. Quanto maior a populao das cidades, mais evoluda est a sociedade. Esse critrio, demogrfico, comea a ser contestado. O espao rural se projeta.
A velha ordem fisiocrata, dominada pela nobreza sobre o campesinato, comea a se desmantelar com o florescimento das antigas cidades medievais. O nascente comrcio origina a burguesia urbana. No sculo 18, a vitria da urbe sobre o campo se consagra com a industrializao capitalista.
O processo de desenvolvimento exigia alterar a distribuio espacial da populao. Assim ocorreu, com distinta velocidade. Na Europa, o xodo rural se procedeu suavemente, durante geraes. No Brasil, configurou uma marcha acelerada, uma corrida rasa.
As capitais se encheram de gente, expandindo-se impetuosamente. Caminhes paus-de-arara despencavam famlias buscando vida nova. Metrpoles ergueram imensas periferias num piscar de olhos. Moradias precrias, abastecimento sofrvel, tantos senes, mas nada freava o mpeto da mudana social.
No interior, municpios disputavam entre si a primazia do crescimento. Aumentar a populao urbana era sinnimo de progresso. Vereadores ampliavam o permetro urbano do municpio, roubando rea da agricultura para os distritos industriais. Loteamentos explodiram. Chique era o asfalto.
Entre 1950 e 1970, inverteu-se a pirmide populacional. Os habitantes rurais, majoritrios em 63,8%, decaram para 44,1% no perodo. O Brasil estava plenamente urbanizado em 1990, quando a populao urbana atingiu 75,5%, elevando-se ainda mais, em 2000, para 81%. Hoje, estima-se que a populao rural corresponda a 16% do total.
A forte supremacia do urbano sobre o rural, entretanto, comea a ser discutida. Acontece que, conforme aceita o IBGE, quem estabelece a diferena entre esses dois contingentes a Cmara de Vereadores. A prtica jurdica vem desde 1938, com Getlio Vargas, Os edis, simplesmente, legislam e fixam a rea urbana dos municpios. O que sobra rural.
Jos Eli da Veiga, economista da USP, foi pioneiro no questionamento desse critrio jurdico. Em seu livro Cidades Imaginrias, lanado em 2002, analisa o dinamismo dos municpios brasileiros, mostrando a relevncia da economia rural sobre as cidades do interior. Adotando-se a classificao da OCDE, baseada na densidade demogrfica regional, Jos Eli conclui que o Brasil rural envolve 4485 municpios, com 51,6 milhes de habitantes, ou seja, quase 30% da populao. O dobro daquilo apontado pelo IBGE.
Semelhante anlise, advinda da Unicamp, no Projeto Rurbano, tambm rediscute esse artificialismo jurdico que transforma em urbano aquilo que continua rural. As estatsticas permitem concluir que no houve migrao recente do campo para a cidade, mas sim ocorreu que a cidade invadiu o campo.
Cresce a polmica sobre o paradigma demogrfico tradicional. O BNDES, em convnio com o Bandes-Banco de Desenvolvimento do Esprito Santo, acaba de finalizar um estudo intitulado Qualicidades. Seu propsito era analisar a gesto das cidades com nfase na qualidade de vida de seus habitantes.
O prprio coordenador do trabalho, economista Luiz Paulo Vellozo Lucas, ex-prefeito de Vitria, se surpreendente com a concluso do trabalho. As reas urbanas mais dinmicas, metropolizadas, pioram, enquanto que as cidades aparentemente estagnadas, agrcolas, melhoram a qualidade de vida.
Baseado no Qualicidades, a equipe do BNDES sugere alterar a antiga classificao polarizada entre urbano e rural, propondo quatro novas categorias de cidades: agrorurais, agrourbanas, industriais e de servios. Aqui reside o foco da moderna discusso: as cidades rurais.
O paradoxo levanta uma questo fundamental: quem, e como, decide a separao entre o urbano e o rural? A Cmara de Vereadores, com interesses locais, ou o planejamento regional, contemplando o coletivo?
Vem de longe a dificuldade em compreender as relaes da agropecuria com a economia urbana. Formou-se uma cultura geral, nucleada no raciocnio econmico, que valoriza o urbano como melhor que o rural. Este, face corrida para as cidades, virou sinnimo de atraso. Acabou Jeca Tatu.
Agora, com a crise das metrpoles, descobre-se que o rural pode ser melhor, mais moderno, superior qualidade de vida. Chegou assim a hora de urbanizar o campo. Transporte, telefonia, energia, sade, educao, moradia: extensa a agenda da modernidade rural.
A interiorizao do desenvolvimento, puxada pela expanso do agronegcio, renova valores esquecidos da sociedade brasileira. Jovens preferem curtir Barretos que Guaruj. A sunga empata com a camisa xadrez. Estreitam-se as distncias culturais.
Ningum melhor que as chcaras de final de semana e o ecoturismo testemunham esse fenmeno de revalorizao do espao rural. Com a facilidade na comunicao eletrnica, o computador substituir a estrada. O campo se imiscui na cidade.
Se as cidades perecerem e os campos forem preservados, as cidades renascero; mas se os campos forem destrudos, as cidades desaparecero para sempre." Esta clebre frase, atribuda a Abraham Lincoln, permanece viva.
No passado, poderia parecer heresia. Hoje, todavia, a desurbanizao poder aquilatar o desenvolvimento da sociedade. Afinal, viver no interior, ar limpo, barulho baixo, bandido distante, comida barata, ningum duvide, as cidades rurais so melhores.
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