Maior assentamento rural do país, a fazenda Itamaraty reflete a tragédia da reforma agrária brasileira. Milhares de famílias, subjugadas por líderes de araque, sofrem com a sorte. O sonho de Olacyr de Moraes se transforma em pesadelo.
Localizada a 45 km de Ponta Porã, MS, a enorme gleba, de 50 mil hectares, foi adquirida em 1973. Muito investimento e tecnologia geraram um projeto agropecuário exemplar. Seu proprietário, neófito no ramo, virou rei da soja. Fama se une ao dinheiro.
Tudo corria bem. Fortuna adquirida em contratos públicos impulsionava o progresso no campo. Produção e trabalho brotavam da terra. Quase uma centena de pivôs de irrigação, mais a pecuária integrada, movimentavam sete mil pessoas. Uma verdadeira cidade rural.
O império agropastoril da Itamaraty começou a ruir em 1995. Má gestão se somou ao custo trazido pelo Plano Real. Com inflação galopante, a ciranda financeira remunerava mais que a produção. Estabilizada a economia, as dívidas se tornaram reais. Muita gente quebrou.
Em 2001, o Incra adquiriu metade da fazenda Itamaraty, elaborando um projeto de assentamento para 1140 famílias. Em 2003, arrematou o restante, atendendo mais 1700 famílias de sem-terra. A transação, negociada, foi caríssima, cerca de R$ 200 milhões. Tudo se justifica, todavia, em nome da reforma agrária.
Elaborado pelo Idaterra, órgão do governo estadual, o plano de desenvolvimento do assentamento Itamaraty chega a emocionar seu leitor. Avançada agronomia se mistura com ideologia da libertação. Começa por citar Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia: “desenvolvimento é o aumento da capacidade de os indivíduos fazerem escolhas”. Perfeito.
Invasores de terras partiram para o “diagnóstico participativo”. Ex-bóias-frias e desempregados urbanos, gente excluída, são chamados a decidir sobre sua exploração agropecuária. Conforme se gaba no documento oficial, constroem juntos o conhecimento. É bonito.
Planeja-se tudo, desde a subsistência familiar até a agro-industrialização local, incluindo a logística. Mas a grande sacada reside na organização do labor: implanta-se o trabalho coletivo. Nas áreas comunitárias, irrigadas, se cultivará a solidariedade socialista. Será?
Como diria Joelmir Beting, na prática a teoria é outra. Passados quatro anos de experiência concreta, quem visita o assentamento Itamaraty teme pelo futuro. Os níveis de produção são baixíssimos, a qualidade de vida sofrível. Campeia a prostituição e a corrupção. Dá pena de ver.
Lotes são vendidos a céu aberto. No assentamento I, mais antigo, estima-se que 30% das terras já trocaram de dono. No assentamento II, recente, o comércio fundiário se instala. Defronte a Sta Virgínia, a benesse custa R$ 15mil, com casa novinha em folha. Mais: quem comprar se habilita a receber, do Incra, novos créditos agrários. De graça.
Nada funciona, porém, sem a comissão do chefe. Sendo tudo irregular, a propina corre solta. Como passe de mágica, autoridades públicas não tomam conhecimento das transações. Seguem o modelo do assentamento Dorcelina Folador, pioneiro na região, onde metade dos lotes já se foi. Fulano do município de Dourados já comprou 8 lotes. Mas ninguém sabe de nada.
Pior é a subserviência. Quase 11 mil pessoas encontram-se subordinadas a três fortes organizações políticas, MST, CUT e Fetagri. Estas se subdividem em dezenas de grupos políticos, arregimentando 30 a 50 famílias cada. Os articulados chefetes mandam a rodo. As assembléias decisórias envergonhariam o indiano Sen, ideólogo do desenvolvimento com liberdade.
A grande jogada econômica reside no arrendamento rural. O frágil sucesso do assentamento da Itamaraty depende de esquema de corrupção jamais visto na reforma agrária. Ocorre que as áreas de exploração supostamente coletiva encontram-se cedidas para produtores da região. Afirma-se por lá que, dos 87 pivôs de irrigação, cinco são conduzidos pelos próprios assentados. Os demais são explorados por forasteiros.
Os agentes públicos conhecem a maracutaia, mas entendem que, embora proibido, o arrendamento configura a melhor forma de assegurar renda para as famílias assentadas. Assim, ou fingem não ver ou participam do esquema financeiro. A renda é paga diretamente ao chefe do grupo, que a reparte entre os apadrinhados. Parece divisão de furto.
Soja, milho, algodão e mamona saem da Itamaraty como se gerados fossem pelo assentamento. Nessa ilusão produtiva, a pecuária também encontra seu nicho. Por R$ 7 cabeça/mês, alugam-se pastagens de capim braquiária. Preposto do frigorífico de Ponta Porá, só ele, detém 800 bois na área reformada. O socialismo agrário se transforma em grossa picaretagem.
A triste realidade se impõe frente ao planejamento idealizado. Há, sim, tentativas sérias de aprimoramento técnico. Curiosamente, todavia, uma Ong carioca venceu a licitação para fornecimento de assistência agropecuária aos assentados. Na seqüência, fez uma triangulação financeira e repassou a tarefa para quatro entidades locais ligadas à CUT e MST. Tudo muito estranho.
Quando o presidente Lula visitou o assentamento Itamaraty, em 2003, se entusiasmou e galgou uma colheitadeira. Feliz, iniciando o governo, afirmou que faria ali uma reforma agrária exemplar. A máquina que ele pilotou, entretanto, não pertencia aos assentados, mas sim aos forasteiros da malandragem.
Ninguém teve a coragem de contar ao Presidente. Até hoje ele não sabe de nada.
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