Na leitura diária do Estadão, chamou-me a atenção o editorial de 15 de abril (A3) que defende a tese da politização do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O argumento defendido é baseado na análise dos recém-publicados documentos Comunicado da Presidência números 19 e 20, que discutem o emprego público no Brasil em comparação com outros países e a estrutura do nosso setor bancário.
Confesso que, como assíduo leitor dos editoriais do Estadão, minha primeira reação diante da tese foi de que ela era muito radical. Por outro lado, fiquei surpreso ao notar que, não fosse o editorial, nada seria abordado na imprensa de massa sobre um assunto tão relevante.
Mesmo aceitando a ideia de que a alta gestão do Ipea esteja politizada atualmente, já que foi assim que interpretei a afirmação do editorial, o instituto demonstra ser - demonstra porque nunca estive lá dentro para fazer afirmações categóricas - uma organização perene.
Por puro interesse pessoal, decidi dar uma boa olhada em ambos os estudos e, por razões que explico a seguir, conclui que o Estadão está na pista certa. No entanto, mais do que isso, minha conclusão a partir leitura dos estudos é de ordem mais geral: existe um custo associado ao desperdício de recursos humanos e intelectuais - recursos que deveriam estar produzindo inteligência, o que é sempre subestimado no Brasil. Será que podemos nos dar ao luxo de arcar com esse custo?
A série Comunicados da Presidência, inaugurada em setembro de 2007, é, claramente, um canal de comunicação que procura dar uma roupagem técnica às opiniões da alta gestão do instituto. Embora o Ipea possua outros tipos de publicação, como os Textos para Discussão e a tão debatida Carta de Conjuntura, estes canais, pela pluralidade da equipe de pesquisadores do Ipea, dificilmente seriam politizados (para não fugir do termo usado pelo Estadão). Os Comunicados da Presidência foram criados, dessa forma, para demonstrar o engajamento político da gestão do Ipea em linhas de pensamento que, embora não definam este governo, fazem parte dele.
O mesmo governo tem, no entanto, contraexemplos. Um dos mais interessantes para fins deste artigo é a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). A EPE, criada em 2004 pelo atual governo, é responsável por importantes estudos que norteiam o desenvolvimento e o marco regulatório do setor energético no Brasil. O Plano Nacional de Energia 2030 (PNE), por exemplo, é um trabalho inédito do ponto de vista de planejamento de longo prazo no País. Embora tenha algumas ressalvas técnicas a fazer sobre as orientações das políticas que nascem dos estudos da EPE, o termo politização jamais se aplicaria neste caso. A meu ver, a EPE segue a tendência de tratar a biomassa como "patinho feio" na geração de energia no Brasil. Isso fica claro na proposta de Plano Decenal de Expansão de Energia 2008-2017, que está sob consulta pública.
Uma possível explicação para esta situação, ou seja, de um órgão governamental que faz estudos engajados politicamente e outro órgão, do mesmo governo, com uma atitude muito mais ponderada e técnica nos seus estudos, é a finalidade para a qual as pesquisas foram feitas. Simplificando a situação, poderíamos dizer que os estudos do Ipea apenas geram debate, ao passo que as pesquisas da EPE têm impacto direto no mercado, na economia brasileira e na reputação do Estado. Assim, a politização, embora aceita neste governo, ocorreria apenas em áreas mais periféricas, porque em áreas centrais, como política energética, não se pode vacilar.
Nessa linha de raciocínio, não faria muita diferença o fato de alguns estudos serem engajados politicamente porque a chance de este governo utilizá-los na definição de políticas centrais é muito baixa. Por exemplo, o governo jamais deixaria uma atitude politizada tomar conta do BNDES porque os movimentos do banco têm grande peso na economia brasileira. Para aqueles que não se sentem à vontade com pesquisas engajadas, a melhor atitude, nos exemplos aqui discutidos, seria a indiferença, porque nos órgãos-chave é o pragmatismo que predomina.
Aqui, retomo o argumento do desperdício de recursos humanos e inteligência, mencionado no início do artigo. Como o caso da EPE, a elaboração de estratégias de política de longo prazo com base em confrontação de estudos é uma absoluta exceção no Executivo brasileiro. O dia a dia do Executivo, aliado ao fato de que um partido, assumindo a reeleição como exceção, fica apenas quatro anos no poder, incentiva o formulador de políticas a deixar em segundo plano tudo o que exige um olhar de longo prazo.
Em outros países, quando o governo valoriza inteligência de longo prazo e reconhece que as restrições internas são grandes, o próprio governo suporta centros de pesquisa externos para prover essa inteligência. Sobretudo em questões que são multissetoriais e que transcendem as funções dos ministérios, é papel do governo buscar estudos e pesquisas que auxiliem a tomada de decisão. Se o governo brasileiro tivesse utilizado estudos econômicos para avaliar os custos de não promover maior integração do País por meio de acordos bilaterais de comércio ou de proteção de investimentos, talvez tivéssemos acesso privilegiado ao mercado europeu ou não tivéssemos enfrentado os problemas com a Bolívia.
A verdade é que tudo o que depende de um governo, mais cedo ou mais tarde, pode ficar para trás, porque o Brasil não é a Venezuela, onde a democracia elege sempre o mesmo governante. A sociedade brasileira, no entanto, é obrigada a arcar com custos futuros porque os mandatários não souberam avaliá-los com precisão no presente. É o inverso do ditado: sabes o que tens, não sabes o que vem.
André M. Nassar, engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).
As principais áreas de atuação no ICONE são: negociações internacionais multilaterais e extra-regionais; desenho de cenários quantitativos e de projeções de longo prazo de comércio agrícola; política comercial agrícola em países desenvolvidos e em desenvolvimento; contenciosos da Organização Mundial do Comércio.