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Scot Consultoria

Desperdício de recursos intelectuais


Terça-feira, 5 de maio de 2009 - 17h58

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


Na leitura diria do Estado, chamou-me a ateno o editorial de 15 de abril (A3) que defende a tese da politizao do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea). O argumento defendido baseado na anlise dos recm-publicados documentos Comunicado da Presidncia nmeros 19 e 20, que discutem o emprego pblico no Brasil em comparao com outros pases e a estrutura do nosso setor bancrio. Confesso que, como assduo leitor dos editoriais do Estado, minha primeira reao diante da tese foi de que ela era muito radical. Por outro lado, fiquei surpreso ao notar que, no fosse o editorial, nada seria abordado na imprensa de massa sobre um assunto to relevante. Mesmo aceitando a ideia de que a alta gesto do Ipea esteja politizada atualmente, j que foi assim que interpretei a afirmao do editorial, o instituto demonstra ser - demonstra porque nunca estive l dentro para fazer afirmaes categricas - uma organizao perene. Por puro interesse pessoal, decidi dar uma boa olhada em ambos os estudos e, por razes que explico a seguir, conclui que o Estado est na pista certa. No entanto, mais do que isso, minha concluso a partir leitura dos estudos de ordem mais geral: existe um custo associado ao desperdcio de recursos humanos e intelectuais - recursos que deveriam estar produzindo inteligncia, o que sempre subestimado no Brasil. Ser que podemos nos dar ao luxo de arcar com esse custo? A srie Comunicados da Presidncia, inaugurada em setembro de 2007, , claramente, um canal de comunicao que procura dar uma roupagem tcnica s opinies da alta gesto do instituto. Embora o Ipea possua outros tipos de publicao, como os Textos para Discusso e a to debatida Carta de Conjuntura, estes canais, pela pluralidade da equipe de pesquisadores do Ipea, dificilmente seriam politizados (para no fugir do termo usado pelo Estado). Os Comunicados da Presidncia foram criados, dessa forma, para demonstrar o engajamento poltico da gesto do Ipea em linhas de pensamento que, embora no definam este governo, fazem parte dele. O mesmo governo tem, no entanto, contraexemplos. Um dos mais interessantes para fins deste artigo a Empresa de Pesquisa Energtica (EPE). A EPE, criada em 2004 pelo atual governo, responsvel por importantes estudos que norteiam o desenvolvimento e o marco regulatrio do setor energtico no Brasil. O Plano Nacional de Energia 2030 (PNE), por exemplo, um trabalho indito do ponto de vista de planejamento de longo prazo no Pas. Embora tenha algumas ressalvas tcnicas a fazer sobre as orientaes das polticas que nascem dos estudos da EPE, o termo politizao jamais se aplicaria neste caso. A meu ver, a EPE segue a tendncia de tratar a biomassa como "patinho feio" na gerao de energia no Brasil. Isso fica claro na proposta de Plano Decenal de Expanso de Energia 2008-2017, que est sob consulta pblica. Uma possvel explicao para esta situao, ou seja, de um rgo governamental que faz estudos engajados politicamente e outro rgo, do mesmo governo, com uma atitude muito mais ponderada e tcnica nos seus estudos, a finalidade para a qual as pesquisas foram feitas. Simplificando a situao, poderamos dizer que os estudos do Ipea apenas geram debate, ao passo que as pesquisas da EPE tm impacto direto no mercado, na economia brasileira e na reputao do Estado. Assim, a politizao, embora aceita neste governo, ocorreria apenas em reas mais perifricas, porque em reas centrais, como poltica energtica, no se pode vacilar. Nessa linha de raciocnio, no faria muita diferena o fato de alguns estudos serem engajados politicamente porque a chance de este governo utiliz-los na definio de polticas centrais muito baixa. Por exemplo, o governo jamais deixaria uma atitude politizada tomar conta do BNDES porque os movimentos do banco tm grande peso na economia brasileira. Para aqueles que no se sentem vontade com pesquisas engajadas, a melhor atitude, nos exemplos aqui discutidos, seria a indiferena, porque nos rgos-chave o pragmatismo que predomina. Aqui, retomo o argumento do desperdcio de recursos humanos e inteligncia, mencionado no incio do artigo. Como o caso da EPE, a elaborao de estratgias de poltica de longo prazo com base em confrontao de estudos uma absoluta exceo no Executivo brasileiro. O dia a dia do Executivo, aliado ao fato de que um partido, assumindo a reeleio como exceo, fica apenas quatro anos no poder, incentiva o formulador de polticas a deixar em segundo plano tudo o que exige um olhar de longo prazo. Em outros pases, quando o governo valoriza inteligncia de longo prazo e reconhece que as restries internas so grandes, o prprio governo suporta centros de pesquisa externos para prover essa inteligncia. Sobretudo em questes que so multissetoriais e que transcendem as funes dos ministrios, papel do governo buscar estudos e pesquisas que auxiliem a tomada de deciso. Se o governo brasileiro tivesse utilizado estudos econmicos para avaliar os custos de no promover maior integrao do Pas por meio de acordos bilaterais de comrcio ou de proteo de investimentos, talvez tivssemos acesso privilegiado ao mercado europeu ou no tivssemos enfrentado os problemas com a Bolvia. A verdade que tudo o que depende de um governo, mais cedo ou mais tarde, pode ficar para trs, porque o Brasil no a Venezuela, onde a democracia elege sempre o mesmo governante. A sociedade brasileira, no entanto, obrigada a arcar com custos futuros porque os mandatrios no souberam avali-los com preciso no presente. o inverso do ditado: sabes o que tens, no sabes o que vem.
Andr M. Nassar, engenheiro agrnomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comrcio e Negociaes Internacionais (ICONE). As principais reas de atuao no ICONE so: negociaes internacionais multilaterais e extra-regionais; desenho de cenrios quantitativos e de projees de longo prazo de comrcio agrcola; poltica comercial agrcola em pases desenvolvidos e em desenvolvimento; contenciosos da Organizao Mundial do Comrcio.
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