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Scot Consultoria

O fracasso de uma educação, rural e urbana, que oferece "o circo antes do pão"


Segunda-feira, 17 de agosto de 2009 - 12h18

É engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.


Nos países latino-americanos, uma crescente porcentagem de jovens rurais e urbanos já está conseguindo concluir a escola fundamental e até a média ou secundária. Lamentavelmente, este êxito é mais aparente que real, pois em termos práticos está produzindo resultados decepcionantes. Os jovens, agora mais escolarizados e com um horizonte de aspirações e ambições ampliado, sentem-se frustrados, para não dizer enganados. Depois de estudarem longos 11 anos, durante os quais alimentaram a ilusão de que este esforço lhes ofereceria um futuro de oportunidades e de prosperidade, eles descobrem que não estão aptos sequer a obter um modestíssimo emprego; pois egressam do sistema escolar sem possuir as "qualidades" que os empregadores esperam e necessitam encontrar em um bom funcionário. Isto acontece porque o sistema de educação, rural e urbano, não lhes proporciona os conhecimentos úteis, as aptidões necessárias e nem sequer as atitudes e os valores que necessitam para serem bons empregados. Tampouco os prepara para que sejam bons cidadãos e pais de família que saibam educar, orientar, alimentar e cuidar da saúde dos seus filhos, etc. Falemos sem eufemismos. Com exceção do que lhes foi ensinado nos três primeiros anos (ler, escrever, efetuar as 4 operações aritméticas, aplicar a regra de três e conhecer o sistema métrico), praticamente todos os demais conhecimentos são irrelevantes para que eles possam ter um melhor desempenho no trabalho e na vida pessoal, familiar e comunitária. Nos oito anos subseqüentes, os poucos conteúdos que poderiam ser úteis geralmente são ensinados de maneira excessivamente teórica, abstrata, fragmentada e desvinculada da vida e do trabalho, com o que se transformam em virtualmente inúteis. Então, se impõe a seguinte pergunta: para que estudaram esses oito anos adicionais? Sejamos objetivos e realistas: qual é a utilidade ou aplicabilidade na vida cotidiana que tem o ensino teórico sobre os logaritmos, os determinantes, a geometria analítica, a raiz quadrada e cúbica? Ou o ensino "memorístico" sobre a história da Cleópatra ou da Imperatriz de Bizâncio, os faraós e as pirâmides do Egito, a história da Mesopotâmia e as altitudes das Montanhas Rochosas? Alguns defensores deste conservadorismo educativo afirmam que tais conteúdos são necessários para desenvolver a criatividade, a engenhosidade, o senso crítico e problematizador, o espírito de iniciativa dos educandos e para oferecer-lhes uma suposta "formação integral". Pessoalmente, opino que existem formas mais inteligentes e produtivas para atingir tais objetivos. Conteúdos mais próximos - no tempo e no espaço - às realidades cotidianas dos educandos seriam muito mais eficazes para desenvolver as suas potencialidades latentes, para estabelecer relações entre causas e efeitos, para evitar que repitam os erros que foram cometidos no passado, etc. Outros teóricos afirmam que é necessário manter esses conteúdos para "democratizar" as oportunidades de acesso à universidade, ignorando que, na maioria dos países da América Latina, apenas 5 ou 10% dos jovens têm esse privilégio. Em tais condições, não é lógico nem justo castigar e entediar os outros 95% ou 90% que não chegarão à universidade, fazendo-os estudar durante oito anos temas excessivamente teóricos, abstratos, longínquos, não utilizáveis e prescindíveis, para não dizer inúteis. Na dinâmica do mundo contemporâneo, os educandos têm motivações e interesses muito mais imediatos e concretos. A sua principal aspiração é conseguir um trabalho bem remunerado para adquirir os bens e serviços da vida moderna e para poder constituir uma família próspera e feliz. Portanto, uma educação realista deverá ser orientada ao escopo de atingir desses anseios e necessidades concretas e prioritárias da maioria da população; e não a proporcionar-lhe uma crescente quantidade de informações descontextualizadas e desconexas, que são irrelevantes e não utilizáveis na solução dos seus problemas cotidianos. A realidade concreta nos indica que, depois de concluir ou abandonar a escola fundamental e média, a grande maioria dos educandos rurais: A - em uma primeira etapa, vão dedicar-se a atividades agropecuárias, como produtores ou como empregados rurais, nas quais fracassam, principalmente, porque a escola rural preferiu ensinar-lhes a história do Império Romano ou o Renascimento Francês, em vez de ensinar-lhes a produzir, administrar as propriedades rurais e comercializar as suas colheitas com maior eficiência; ignorando que este é o primeiro requisito para que possam incrementar a sua renda e, graças a ela, sobreviver com dignidade no meio rural. B - em uma segunda etapa, depois de fracassar nas atividades rurais, esses ex-agricultores e os seus filhos migram para as cidades onde serão serventes da construção civil, pedreiros, pintores ou marceneiros, motoristas, manobristas e guardadores de automóveis, policiais e vigilantes, cozinheiros e garçons, balconistas e vendedores ambulantes, empregadas domésticas ou faxineiras de escritórios e de edifícios residenciais, garis, burocratas e operários das empresas públicas e privadas, etc, pois, no mundo moderno, são essas atividades urbanas, as grandes ocupadoras de mão-de-obra. Isto significa que os conteúdos curriculares das escolas rurais não responderam às necessidades dos pais e agora os conteúdos das escolas urbanas não respondem às necessidades concretas dos seus filhos. Para que essas maiorias possam realizar-se como pessoas e sejam mais eficientes e produtivas, necessitam de conhecimentos que sejam úteis e aplicáveis para melhorar o desempenho nas ocupações majoritárias recém-mencionadas e, especialmente, para que possam desempenhar com eficiência outras atividades que são mais valorizadas pela sociedade e pelo mercado de trabalho. O verniz pseudo-cultural e intelectual, tão freqüente nos nossos obsoletos currículos, não contribui com nenhum desses dois objetivos, pois os potenciais empregadores não estão muito interessados em saber se os jovens candidatos a um emprego conhecem a biografia de Montesquieu, Robespierre ou Richelieu. O abismo existente entre aquilo que o sistema de educação ensina e o que os educandos realmente necessitam aprender é simplesmente inaceitável. Ele é tão prejudicial à nossa juventude, ao setor produtivo e ao futuro das nossas nações, que não podemos continuar aceitando inconsistentes teorizações, justificativas e elucubrações dos "especialistas" que insistem em manter nos currículos o supérfluo, em vez de substituí-lo pelo essencial. A sociedade como um todo, deverá exigir que o sistema de educação adote transformações radicais, corajosas e imediatas, porque as medidas cosméticas adotadas pelo referido sistema nas últimas décadas demonstraram ser mal priorizadas/direcionadas, insuficientes e ineficazes. Os cidadãos, que através dos seus impostos estão financiando esse anacrônico sistema de educação e pagando as conseqüências dessa má qualidade educativa, têm todo o direito de exigi-lo, e o sistema de educação tem o dever de acatar essa justíssima reivindicação. Os conteúdos que a maioria dos educandos, provavelmente, nunca utilizará deverão ser sumariamente extirpados dos currículos e substituídos por outros que tenham uma maior probabilidade de ser utilizados pela maioria dos educandos, durante o resto das suas vidas. É necessário oferecer-lhes uma educação que os ajude a que, eles mesmos, possam transformar as suas realidades adversas, corrigir as suas ineficiências e solucionar os seus problemas cotidianos. As crescentes multidões de desempregados/subempregados, pobres e miseráveis que não têm dinheiro para pagar um teto digno, comprar os alimentos e os remédios ou mandar os seus filhos para a escola, para o médico e para o dentista, necessitam, em primeiríssimo lugar, de uma educação útil, no sentido de que as habilite a conseguir um trabalho/emprego gerador de um salário razoável, com o qual possam satisfazer as necessidades primárias de sobrevivência das suas famílias. Estas multidões de "mal-educados" pelas nossas escolas não estão muito interessadas em saber qual é a altitude do Everest ou a extensão do Rio Nilo; tampouco em conhecer a história das competições e batalhas que ocorreram no Circo Máximo ou no Coliseu de Roma. Depois que adquiram os conhecimentos necessários para serem empregados mais produtivos, melhores cidadãos e bons pais de famílias eles poderão buscar as oportunidades e as fontes para adquirir os outros conhecimentos que satisfaçam as suas curiosidades e os seus interesses intelectuais e culturais. Estas oportunidades e fontes não necessariamente deverão ser proporcionadas através do sistema de educação formal (escolarizado). É compreensível que os privilegiados da sociedade que já têm acesso ao pão desejem ir ao circo. Entretanto, a prioridade da grande maioria constituída pelos não privilegiados, pelos pobres, pelos sofridos e pelos abandonados é diferente, eles querem primeiro o pão, depois o circo. E para concluir, a seguinte reflexão que é adequada ao atual desafio da nossa educação: "É preciso navegar, deixando atrás as terras e os portos dos nossos pais e avós; nossos navios têm de buscar a terra dos nossos filhos e netos, ainda não vista, desconhecida" – Nietzsche.
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