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Scot Consultoria

Prepare-se para a fase de baixa


Segunda-feira, 24 de agosto de 2009 - 17h15

Administrador de empresas pela PUC - SP, com especialização em mercados futuros, mercado físico da soja, milho, boi gordo e café, mercado spot e futuro do dólar. Editor-chefe da Carta Pecuária e pecuarista.


Veja você, caro leitor, como são as coisas. Passados dois mil e nove anos após a morte e ressurreição de Jesus Cristo, estamos nós aqui, falando sobre gado e negociando gado, da mesma forma que os romanos faziam. Diacho! A gente negocia boi da mesma forma que os egípcios faziam, mil anos antes de Cristo ter nascido e três mil anos antes de hoje! Lá atrás no tempo, assim como hoje, gado era moeda. E era, tal como hoje, moeda forte. Não se deixe enganar pelas oscilações atuais da arroba. Se você está nesse negócio para ficar, então o que importa para você a oscilação de um ano apenas? A oscilação de alguns meses? Pare de reclamar do curto-prazo. É incrível e impertinente se aborrecer pelo que não se pode controlar, ainda mais preço de commodity. Se você não controla os seus custos, não controla seu preço de compra e não define seu preço de venda, está passando da hora de começar, não? Não me leve a mal. Não estou sendo cruel. Cruel é o mercado. Ele não perdoa, porque o mercado é, no final, um sistema moral. Ele penaliza seus defeitos e premia suas qualidades. As principais qualidades que o mercado premia são a habilidade e a disposição de ser precavido em seus negócios, e ser precavido é olhar para o futuro e analisar se o negócio é bom ou não. E, é claro, mesmo sendo bom, se precaver para o fato de que talvez você esteja errado. E isso é certo. Ninguém está 100% do tempo correto em suas análises. A ninguém foi dado esse dom supremo. O mercado tende a nos dar uma paulada na cabeça sempre que estamos seguros de nossa opinião. Quanto mais seguro estamos, maior é a possibilidade de estarmos cegos, maior a repulsa por opiniões que entrem em conflito com nossas convicções. É fácil enxergar gente assim. Nesse meio de análise de mercado é o que mais a gente encontra. Em produtores isso também é muito comum, mas a coisa é meio tendenciosa. Produtor é, na maioria das vezes, um otimista, um eterno “vai subir”. Hei, eu me incluo nesse bando também, pois sou produtor. Ano passado achei que a arroba iria subir mais do que subiu até junho. Estava mais otimista, porém o mercado disse “não”. Aprendi a lição, mas ganhei dinheiro mesmo assim, porque fui precavido e 2008 se tornou um dos anos mais lucrativos para nossas fazendas e nosso negócio. Esse saldo positivo durará até as compras de animais de reposição de 2011, para você ter uma idéia. Tenho R$250,00 de crédito para qualquer animal de reposição que comprarei até lá. Como fiz isso? Sendo precavido via bolsa. Como podemos ser precavidos agora em 2009? Em primeiro lugar, devemos reconhecer onde estamos enquadrados no ciclo pecuário. Estamos passando pelo meio do ciclo atual, ciclo esse que se iniciou em 2006. O que é um ciclo pecuário? Vamos a quatro explicações: A primeira do professor James Mintert, da Universidade do Kansas, nos EUA. “A história do negócio de gado tem sido uma de ciclos de produtores de bezerro ampliando estoques em resposta aos lucros e, em última análise, a contração do tamanho do seu rebanho em resposta às perdas. Enquanto na história não há dois ciclos exatamente iguais, há um número de padrões repetitivos que ocorrem em ciclos que podem ser usados para julgar onde estamos e para onde estamos caminhando dentro de um determinado ciclo do gado.” A segunda vem do Serviço de Pesquisa Econômica do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. “O ciclo do gado dura cerca de 10 a 12 anos. É constituído por cerca de 6 a 7 anos de expansão do efetivo bovino, geralmente seguido por 1 a 2 anos em que os números bovinos são consolidados, em seguida, 3 a 4 anos de declínio do número antes da nova expansão começar. No entanto, os fatores econômicos ou fatores naturais pode encurtar ou prolongar o ciclo todo ou qualquer de suas fases. O ambiente em que o ciclo do gado opera inclui variações nas atividades econômicas, além de fatores naturais e biológicos que influenciam a duração dos ciclos de gado. Estudos anteriores atribuíram comportamentos cíclicos em números de gado em função do clima, das exportações de grãos, programas governamentais, entre outros fatores, além de defasagens biológicas. Flutuações cíclicas do número de cabeças nos Estados Unidos têm sido observadas desde, pelo menos, 1867.” A terceira explicação é do Serviço Nacional de Pesquisa Econômica, ligado à Universidade de Chicago, também dos Estados Unidos. “Estoques de gado bovino dos Estados Unidos estão entre o mais periódicos da série temporal em economia. A teoria dos ciclos do gado é calculada com base em decisões racionais de inventário de matrizes, na presença de gestação e retardamento da maturação entre produção e consumo. As baixas taxas de fertilidade das vacas e as substanciais defasagens entre a fertilidade e as decisões de consumo fazem com que a estrutura demográfica da população do rebanho responda a choques exógenos na demanda por carne bovina e aos custos de produção.” Por último, uma publicação brasileira, disponibilizada na revista AgroAnalysis de 1977 pelo Grupo de Informação Agrícola da FGV-Rio, cedido gentilmente para nós pelo Sr. Ivan Wedekin, Diretor de Commodities da BM&F Bovespa, que fazia parte desse grupo e que elaborou esse texto. “Do ponto de vista estritamente zootécnico, é de supor que o ciclo pecuário no Brasil tenha uma amplitude horizontal em torno de 7 anos. Este período coincidiria, grosso modo, com o tempo decorrido entre o nascimento de uma matriz no momento presente, e a engorda (para abate) da sua primeira cria daqui a sete anos. Devido ao interrelacionamento da matriz com suas crias futuras, o preço das vacas depende das expectativas sobre o preço do boi gordo no futuro (quando as crias estiverem prontas para o abate). Assim, no início de uma fase descendente dos preços do boi gordo, os pecuaristas tendem a projetar essa tendência declinante, formando expectativas pessimistas de preço para o futuro. Neste caso, não há estimulo à criação: consequentemente, uma maior quantidade de matrizes (inclusive jovens) é enviada para o abate, o que aumenta ainda mais a oferta de carne, reforçando o declínio dos preços de todo o complexo pecuário. Ora, a queda dos preços parece justamente confirmar as expectativas baixistas: mais vacas e, aí então, inclusive bezerros, são enviados à matança. Cada matriz e cada bezerro abatidos correspondem a uma subtração da oferta futura de bois gordos. Os preços só voltarão a subir dentro de 2 ou 3 anos contados a partir do início de sua fase descendente. Isso ocorre quando o mercado de carne começar a refletir a falta daqueles bois gordos que foram suprimidos do fluxo de oferta há 2 ou 3 anos, devido ao aumento do abate de matrizes e bezerros.” O ciclo pecuário é o acompanhamento do abate de fêmeas. As duas consequências do abate de fêmeas são a oscilação do preço do bezerro e, posteriormente, a oscilação do preço do boi gordo. Sabendo onde nos encontramos no ciclo pecuário, sabemos o que esperar dos preços futuros da arroba do boi gordo e dos preços do bezerro. Mas qual a razão disso? Simples. Quem define o preço da arroba do boi é a vaca. A sua disponibilidade em dado momento é a principal força que exerce pressão sobre o preço dos machos. Quando falta fêmea, os preços dos machos tendem a subir. Quando tem fêmea em excesso, os preços deles caem. É isso aí. Agora, vai acompanhar isso no dia-a-dia para você ver. Ou semanalmente, como fazemos aqui. Não é brinquedo. Bom, vamos ao gráfico do abate de fêmeas. Observe em parte de 1999, entre 2001 e parte de 2002 e a partir de meados de 2007 o abate de fêmeas estava negativo, ou seja, estava diminuindo. Se você reparar, a queda atual é a mais forte nesses últimos 10 anos até março-09, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Repare novamente que a redução do abate das fêmeas só começou a cair a partir de 2007, mas um pouco antes, a partir de 2006 os preços do boi gordo já começaram a subir. A razão disso é demonstrada no próximo gráfico, que mostra a desaceleração do abate de fêmeas causando a estabilização da oferta. Não era uma boa notícia para os compradores, não senhor. Definitivamente os compradores, os frigoríficos, estavam viciados em carne de fêmea, mais barata. E sentiram o baque. O baque foi a explosão dos preços do bezerro e do boi. O bezerro, e isso é importante, começou a subir antes do que o boi gordo. O bezerro passou a subir a partir de janeiro de 2006, enquanto o boi demorou mais seis meses antes de reagir ao novo cenário, começando a subir a partir de junho do mesmo ano, como demonstrado no próximo gráfico. À medida que o abate de fêmeas ia diminuindo, o bezerro e o boi foram lado a lado subindo. Isso foi o que ocorreu até meados de 2008. Esse movimento de alta foi o tom da música em 2006, 2007 e parte de 2008. Nós não estamos mais nesse cenário, caro leitor. É importante dizer isso com todas as letras e deixe-me explicar o porquê desse tipo de reconhecimento ser crucial para o produtor. A tendência do pessoal é projetar o passado recente para o futuro, ou seja, o povo olha para os últimos anos e o que ele enxerga? Ele enxerga três anos consecutivos de alta! O que, na cabeça dele, deveria ocorrer em 2009? Ora, o mesmo que ocorreu nos últimos anos. O mercado vai ter que vir em alta, não vai? Aí é que está... Não. Não tem necessariamente que vir em alta, porque o tom da música mudou. Não estamos mais na fase de alta do ciclo pecuário. Agora estamos na fase de estabilização caminhando para a fase de baixa. Eu não estou aqui para passar a mão na cabeça de ninguém e tem hora que a gente tem que falar a verdade ou, pelo menos, o que acho que seja a verdade no atual cenário da arroba. A retenção de fêmeas que está ocorrendo desde 2006 já está produzindo uma maior quantidade de bezerros. Aqui no Mato Grosso do Sul já não está tão difícil fazer a reposição como estava no ano passado, por exemplo, ou pior ainda, em 2007. Hoje está mais fácil, com maior oferta de lotes e preços mais competitivos. A própria linha dos preços do bezerro no Gráfico 3 comprova essa queda. O pico foi em 2008 e de lá para cá a coisa só veio abaixo. Os preços do bezerro se comportam de forma diferente dos preços do boi. Apesar dos dois seguirem a mesma tendência, ou seja, ambos em alta ou ambos em baixa, os preços do bezerro se movem com maior suavidade, maior previsibilidade. Quando ele começa um movimento, é muito difícil uma mudança de tendência antes que tenham-se passados vários anos. Os preços do bezerro mudaram de tendência em 2008. Não acredito que apenas um ano depois a coisa irá voltar a subir. De fato, o interesse por cria está forte. Segundo o Luis Adriano, coordenador de pecuária da Agro-CFM, a demanda por touros no último Megaleilão CFM foi muito boa e segundo ele “...mostrando que os pecuaristas voltaram a investir na reposição dos touros. Tenho certeza que a procura esta maior que 2007/2006 e até o momento os preços estão firmes." E eu acredito nisso. Acredito que o desejo de se criar nesses patamares esteja grande e que o mercado de touros esteja aquecido. Por que o mercado de touros fica aquecido? Você pode perguntar. É que o criador precisa sempre comprar touros para repor os seus já velhos, caro leitor. Se o mercado fosse só de reposição de touros, o mercado não estaria quente; estaria morno. Não, precisamos de novas compras, compras fresquinhas de touros para formação de um novo plantel de cria e, a meu ver, é o que está ocorrendo nesses últimos três anos. A grande ironia é que o desejo de se criar é mais forte perto da virada do ciclo. Não sei se é agora, mas a tendência está bem nítida nesse momento. Na semana passada dei uma entrevista para um jornal do Mato Grosso e a repórter me perguntou como o criador poderia fazer para se proteger da virada do ciclo pecuário? Respondi que o criador deverá aumentar a sua produção investindo em produzir uma maior quantidade de bezerros dentro da mesma área e com isso, reduzindo seu custo de produção do animal. Somente se ele conseguir reduzir seu custo de produção é que ele vai conseguir suportar a queda do preço do bezerro, pois mesmo mais barato, conseguirá produzir com lucro. E, claro, diminuir os gastos... Eliminar os gastos que não estejam atrelados à produção, como, por exemplo, a reforma da casa, trocar de carro, aquela viagem para o exterior. Tudo isso deverá esperar até passar essa fase. Esse dinheiro gasto com bobagens irá fazer falta na fazenda. Isso, claro, para o criador que possui algum fôlego financeiro e tem da onde tirar uma graninha para investir. Sei lá, vendendo aquele lote na cidade que está parado, vendendo parte da tropa que não está sendo utilizada, trocando o carro mais caro por outro mais barato. Para quem não tem da onde tirar o dinheiro a melhor alternativa é se agarrar no terço e rezar e pedir para Papai do Céu ajudar. Mas vamos voltar. Como disse anteriormente, estamos na fase intermediária do ciclo. Observe o gráfico 4 abaixo. Estamos passando pela fase de estabilidade do ciclo. Essa fase é caracterizada por uma oferta crescente de gado, porém não o suficiente para derrubar os preços muito abaixo da inflação. A oferta não está tão grande assim. Além disso, o fato da arroba estar orbitando próxima da inflação, ou seja, de “0%” de inflação, explica em parte a razão de o mercado interno estar relativamente travado, pois os preços não estão baratos o suficiente para aumentar a demanda. Então, como podemos ser precavidos agora em 2009? Acima temos o ciclo pecuário completo entre 1996 e 2006. Estamos agora no próximo ciclo, de 2006 até aonde for... Talvez até 2011 para começar a cair e 2015 para chegar ao fundo do poço novamente. Ser precavido é não ser irreal com a expectativa de alta da arroba no atual cenário. Poderá até subir para +10% (acima) da inflação nesse gráfico, o que hoje daria ao redor de R$90,00, que ainda estaríamos dentro da estabilidade. A oferta de bois confinados diminuiu? Parece que sim, mas a demanda também diminuiu. Um diminuindo, e o outro também. Acabou que estamos passando pelo mesmo cenário de 2008 com uma menor quantidade de gado. Mas em 2008, depois que passou esse esfrega do confinamento, o boi voltou a subir. É por isso que sempre digo — temos que esperar passar essa fase, esse nevoeiro, para ver como ficará a estrada depois. Se o mercado melhorar, caro leitor, não sei se vai, mas se melhorar, será uma das últimas oportunidades de se fazer seguro de preço para a safra de 2010 na bolsa com preços competitivos, melhores dos que estão agora. A ver.
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