A florada amarela do ipê anuncia o início da primavera. Colorindo a vida, a nova estação anima o mundo. No campo, os agricultores zunem seus tratores. Vem aí o plantio de mais uma safra. Alimento na mesa.
Chamada "austral" no Hemisfério Sul e "boreal" no Norte, a primavera por aqui se inicia no equinócio de setembro e termina no solstício de dezembro. Calma. Os termos se parecem com palavrões, mas expressam conceitos fundamentais da astronomia, com reflexos na ecologia.
Equinócio significa a especial ocasião do ano em que dia e noite duram o mesmo período, ou seja, exatamente 12 horas de permanência cada um. Nesse momento a alvorada e o crepúsculo se equivalem. Já no solstício, o de dezembro, ocorre o mais longo dos dias. Em junho, ao contrário, o solstício caracteriza a noite mais duradoura.
Recapitulando: a primavera chega agora em 23 de setembro, quando dia e noite se equivalem. Estende-se por três meses, até 21 de dezembro, o mais longo dos dias. Daí em diante, entra o verão. Fascina o estudo dos astros.
Encompridar os dias representa elevar a insolação. Em consequência, aumentando a claridade dos raios solares, os vegetais conseguem se aproveitar da fotossíntese com maior produtividade, transformando a energia do astro-rei em açúcares e proteínas para as plantas. Um processo vital.
Fatores complementares atuam favorecendo o crescimento vegetal nesta época do ano. Primeiro, conforme adiantado, o dia fica mais comprido. Segundo, as chuvas tornam-se mais frequentes. Terceiro, a temperatura eleva-se, após o período de inverno. Sol, água e calor se combinam para rejuvenescer o verde.
Essa conjunção de variáveis da natureza determina a melhor época de plantio na agricultura. Somente com a chegada da primavera as sementes encontram temperatura, umidade e luminosidade adequadas para bem prosperar no solo. Semeadas doravante, crescem rápido, florescendo e frutificando lá na frente, no outono. Depois disso, tempo de espera novamente.
Tal regra ecológica, entretanto, vale perfeitamente apenas para os países do Hemisfério Norte, como os da Europa e os Estados Unidos. Nos países tropicais, bem menores se expressam as variações do comprimento do dia, em face da menor inclinação solar. Por isso, na Amazônia ou no Nordeste brasileiro, por exemplo, as estações do ano mal se diferenciam. O calor dura o ano todo e a primavera ninguém percebe.
Nas regiões subtropicais, onde São Paulo se encontra, mais perceptível aparece o fenômeno do clima. A cara da estação primaveril se vislumbra facilmente nas ruas da cidade, vendo as árvores floridas e com roupa nova, após derriçarem suas folhas no inverno.
Na roça, as máquinas agrícolas brilham, lubrificadas, aguardando firmar-se a chuva para semear. Nesta época o produtor rural mostra incurável otimismo, renovando sua crença no progresso. Faz parte da cultura rural. A cada plantio, uma mágica domina o agricultor, fascinando-o com o incrível fenômeno da germinação das sementes no solo. O terreno avermelhado, ou tornado cinza pela palha do plantio direto, tinge-se de verde, naquelas linhas maravilhosas que seguem longe, indicando o rumo do sucesso. Esse ano vai ser bom!
Tradição religiosa nunca se abandona. Tem gente que acende vela, reza com fervor, faz procissão, canta o abençoado, pede ajuda aos Céus para vingar o grão semeado. Sem fé, afinal, ninguém progride no mundo. Nem haveria, por certo, comida para a população. Em cada chão, uma toada. Época bonita.
Mas a natureza anda afetada pela interferência da tecnologia agronômica. Há meio século, pelo menos, os pesquisadores da agricultura começaram, por meio do melhoramento genético, a alterar as tradicionais épocas de plantio, definidas pelos ciclos naturais. Variedades precoces e tardias surgiram dos campos de pesquisa. Tolerantes ao calor ou ao frio, novas cultivares permitiram alongar os períodos e até os locais da produção agrícola.
É interessante saber que nos países temperados o solo, esfriado pela neve, carece ser revolvido ao final do inverno para ser exposto ao aquecimento do sol na primavera. Essa técnica ajuda sua biofertilização. Assim, pesados arados de aivecas tombam o solo ainda gelado, antes de as grades o pulverizarem, para, aplainados, receberem na sequência o plantio.
Aqui, no Brasil, porém, onde neve somente se conhece de longe, esse costume da aração e da gradeação, importado nos primórdios da agricultura, acabou recentemente substituído pelo plantio direto, técnica revolucionária que dispensa o revolvimento do solo. Nele apenas se trabalha a linha de plantio onde as sementes serão depositadas. Resultado: a tropicalização da agricultura ganhou mais tempo para as lavouras.
Graças à menor definição das estações do ano, especialmente a inexistência de inverno gelado, a evolução tecnológica trouxe enorme vantagem, permitindo acumular dois ou mais cultivos na mesma área, uma safra sucedendo a outra durante o ano. Esse planta-colhe-planta-colhe assombra os estrangeiros, que normalmente realizam apenas uma atividade anual no terreno. Os agricultores nacionais driblam a natureza plantando logo no início da primavera uma variedade de soja precoce que, depois de colhida, cede lugar ao milho tardio, e no Paraná especialmente, mal acaba a segunda safra, entra o plantio do trigo, a terceira lavoura. Milagre da agronomia.
Olavo Bilac, poeta, escreveu que a alma da terra gorjeia e ri ao nascer da primavera. Nada mais acertado. Uma alegria coletiva se instala no campo. Abelhas lambem as flores atrás do mel, pássaros alimentam filhotes recém-nascidos, pessoas fecundam a esperança.
Berço da vida.
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