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Scot Consultoria

Cana, ameaças e benefícios


Quarta-feira, 2 de dezembro de 2009 - 17h42

Engenheiro agrônomo


impressionante o tanto que a produo de cana-de-acar alvejada pela sociedade. Tal qual acontece com a pecuria de corte, logo a produo de cana acabar sendo motivo de vergonha, de atividade de gente ruim, que traz malefcios sociedade. Sempre acabam associando a cana degradao de solo, produo de monocultura, maus tratos a funcionrios, poluio do ar pelas queimadas e at ao fato de que seu avano acabe reduzindo a disponibilidade de alimentos no Brasil. Qualquer problema que possa ser atribudo produo de cana um prato cheio para que a mdia caia em cima, denunciando um ou outro problema. Evidente que pela estrutura de produo das indstrias, os canaviais tenham que ocupar extensas reas prximas umas s outras. Mesmo que faam rotao com soja, amendoim ou qualquer outra cultura, a cana-de-acar semi perene e ser renovada depois de 5, 6 ou 7 anos geralmente, o que d a impresso de nunca haver rotao de cultura. A queima da cana para colheita, que vem reduzindo ano a ano, ainda usada por questes de custos e viabilidade da colheita manual. A colheita manual em si j um trabalho duro que tende a sensibilizar o leigo quando as imagens aparecem na televiso. Mesmo que os funcionrios recebam corretamente, trabalhem com EPI (Equipamentos de Proteo Individual) e tenham todas as condies de trabalho previstas em lei atendidas, a imagem de um cortador de cana sempre tender a chocar a maioria da sociedade que vive e trabalha na cidade. Aquela a rotina de trabalho do corte de cana. Enfim, muito do que apresentado como ponto negativo da cana meramente falta de conhecimento ou preconceito. Sero listados alguns pontos polmicos sempre atribudos ao avano dos canaviais sob outra tica, um pouco mais favorvel. Geralmente os produtores rurais relacionam o avano da cana-de-acar em suas regies como ameaa. A cana vem tomando espao, conquistando reas que eram de outras atividades, enfim, vem ocupando a paisagem de determinadas regies. Em algumas regies, produtores mais antigos, e mais atentos, atribuem aos canaviais a reduo de nvel de gua em pequenas represas ou rebaixamento do lenol fretico. No entanto, este processo natural, reflexo do surgimento de novas oportunidades econmicas para o uso do solo na regio. A cana s avana porque o produtor (proprietrio de terra) percebe que conseguir melhor renda produzindo ou arrendando para cana, quando comparado sua atual atividade. Essa uma oportunidade de melhoria da qualidade de vida dos produtores. Sendo assim, o avano dos canaviais acaba acontecendo geralmente em reas que tm sido ineficientes em competir em renda. Um dos exemplos mais tpicos destas reas so as pastagens degradadas que, segundo estimativas, devem somar cerca de 50 milhes de hectares em todo o Brasil. No a cana que avana; o que avana a oportunidade de melhorar de renda. Pode ser a cana, o eucalipto, a produo de gros ou qualquer outra atividade que esteja possibilitando melhores rendas que os produtores esto obtendo com suas atividades atuais. Por isso no parece correto associar este fato ameaa. Est mais relacionado oportunidade, possibilidade de melhorar a renda, a empresa e a qualidade de vida. Em muitos casos, essas oportunidades permitem um flego por mais alguns anos ou tempo para que produtores, que seriam excludos da produo rural, se recoloquem em outras atividades econmicas, geralmente relacionadas ao prprio agronegcio. Foi tambm durante o perodo de 2005 a 2007, quando a cana estava em franca expanso, que produtores e tcnicos comearam a falar mais de um dos principais indicadores econmicos em fazendas: o lucro em R$/ha. Apesar de sempre ter sido importante, os profissionais do campo analisavam preferencialmente o indicador relacionado ao produto, ou R$/saca, R$/caixa, R$/arroba, R$/litro, etc. Quando outra cultura aparece estabelecendo a referncia de ganhos por hectare, imediatamente os empresrios se vem na obrigao de comparar a sua atividade com a oportunidade de plantar ou arrendar para a cana. a que comeam a estabelecer tal indicador como referncia e objetivo a ser atingido. Parece simples, e at infantil, mas o fato que essa mudana significativa do ponto de vista decisrio nas empresas rurais. Quem trabalha com anlises econmicas, acompanhamento de custos, comparao de resultados e mesmo com aplicao de tecnologias de produo nas fazendas, percebe a grande mudana que tal indicador significa no dia a dia da empresa. A dvida do empresrio no fica s no mbito devo ou no aderir cana?. Ele tambm passa a querer responder outra pergunta. Como fazer para competir em renda com a cana?. E a que entra um dos grandes ganhos relacionados ao custo de oportunidade. Para competir em resultados por hectare (R$/ha) o empresrio precisa aplicar tecnologia, aumentando a eficincia econmica, social e ambiental da terra em que produz. Todos ganham com o processo. Essa mudana de referncia acontece com qualquer atividade que aparece como oportunidade de melhoria de renda. A cana tornou-se um grande exemplo pela agressividade que aconteceu em to pouco perodo de tempo, naqueles anos relacionados anteriormente. A mesma agressividade que impulsionou diversas anlises econmicas comparativas, palestras e textos a partir do avano da cana, tambm acabou levando a sociedade a concluir equivocadamente sobre a realidade do avano da cana. O Estado mais rico da unio So Paulo, onde tambm reside a maior populao urbana e a maior parcela dos formadores de opinio do Brasil. So Paulo tem 61% da cana brasileira, e todo o Centro-Sul soma quase 89% da cana produzida no Brasil. Nestas regies, principalmente em So Paulo, um cidado que viajar com a sua famlia a curtas distncias ter a impresso de que a cana est tomando todo o pas. E a vai se formando uma idia equivocada sobre a quantidade de cana e os impactos na produo de alimentos no Brasil. No entanto, o cidado est analisando a realidade de So Paulo corao da indstria canavieira brasileira e extrapolando essa realidade para todo o territrio nacional. Por isso que se criou aquela histeria de que no Brasil a produo de etanol competiria com a produo de alimentos. Essa histeria, iniciada por opinies de leigos no assunto, foi alimentada por grupos de interesse econmicos, sejam relacionados ao petrleo, a outras culturas ou mesmo outros pases que se interessam por preos altos do etanol em todo o mundo. No fundo virou um conflito de opinies com objetivos meramente econmicos. Na realidade, a cana de acar ainda no atinge nem 1% da rea total brasileira. Observe a ocupao de terra no pas de acordo com o uso econmico na figura 1. As projees mais otimistas de aumento dos canaviais brasileiros nos prximos 10 anos apontam para uma rea entre 14 e 15 milhes de hectares. Isso significaria mais que dobrar a rea atual e, ainda assim, os brasileiros ocupariam cerca de apenas 2% do pas com a cultura. Portanto, um mito associar a produo de etanol com a reduo de produo de alimentos. Apenas por desconhecimento, ou m f, algum se apoiaria nesta argumentao dentro da realidade brasileira. Observe tambm pela figura 1 que mesmo que o pas abrisse outros 90 milhes de hectares para a produo o que deve ocorrer no futuro prximo ainda assim 48,9% do territrio brasileiro seria floresta conservada e preservada. Essas reas a serem abertas esto, na grande maioria, nos cerrados brasileiros, onde a fauna mais pobre. Na questo da degradao do solo, a cana tambm no faz jus fama que acaba levando. Dificilmente encontram-se canaviais implantados sem todos os cuidados e prticas de conservao de solo e preveno de eroses. As correes e fertilizaes do solo tambm so adequadas. No h excesso e nem sub-fertilizao em canaviais bem conduzidos. Em ambos os casos o agricultor arcaria com prejuzos. Em fertilizao, de conhecimento tcnico que h um ndice de eficincia entre a quantidade adubada e a capacidade de extrao da planta. Sendo assim, canaviais lucrativos e bem manejados tendem a melhorar a fertilidade do solo no longo prazo. O nico pecado ou ponto negativo do manejo de canaviais continua sendo a queima onde ela feita. Cada vez mais h menos queimas como comentado anteriormente. Com relao s observaes de que o plantio de cana reduz o nvel de pequenas represas, tudo depende da regio, profundidade de lenol fretico, tipo de solo, etc. preciso lembrar que a cana produzir em mdia 80 a 100 toneladas de massa verde por hectare ao ano. Geralmente essa cultura substitui uma pastagem degradada que poderia produzir entre 4 e 6 toneladas de massa verde por hectare por ano. Evidente que a evapotranspirao nestas condies ser consideravelmente superior s condies anteriores, fazendo com que haja maior demanda por gua. Por isso a observao de reduo no nvel das pequenas represas em algumas regies. Evapotranspirao a soma da gua evaporada pelo solo e transpirada pela planta durante o processo de fotossntese e translocao de nutrientes das razes para a parte area. A gua que sobe pela planta retorna atmosfera. Outra confuso que se faz no s para a cana, mas para toda a produo agropecuria - com relao ao uso da gua. A agropecuria no gasta gua; ela utiliza a gua e a faz circular entre solo, planta e atmosfera. Esse processo ainda permite filtrar a gua melhorando a qualidade da mesma enquanto viabiliza a produo. O aumento de umidade atmosfera, com a gua deste processo, acaba retornando em precipitao (chuva). Trata-se de um grande equvoco associar a agropecuria bem conduzida com o gasto de gua disponvel para a populao. Pelo contrrio, agropecuria conduzida com controle de eroso melhora a qualidade e a quantidade de gua na regio. Por fim, segundo levantamento do CEPEA/CNA, o valor bruto da cana nas fazendas em 2009 deve atingir prximo de R$ 28 bilhes, gerando riqueza, impulsionando empregos diretos, indiretos e trazendo diversos benefcios ambientais. Geralmente se esquece, mas o uso da energia proveniente da cana-de-acar que permite ao Brasil ser praticamente auto-suficiente em petrleo. Confira na figura 2 a matriz energtica do Brasil. A participao da biomassa na matriz energtica no resto do mundo de 10,7%, enquanto no Brasil 31,1%. No Brasil, a biomassa representada basicamente pelos produtos e derivados de cana (etanol e bagao para produo de energia). Isso coloca o Brasil entre os pases mais bem posicionados do ponto de vista energtico. Somando a biomassa com produo de eletricidade por fora hidrulica, conclumos que 45,96% da energia usada no Brasil proveniente de fontes renovveis, enquanto no mundo todo apenas 12,7% vem de fontes renovveis. Nos pases ricos a situao ainda piora, pois apenas 6,7% da energia proveniente de fontes renovveis. Observe essa relao na figura 3. Em termos de energia, o Brasil um bom exemplo ao mundo todo. E as possibilidades que vm sendo identificadas pela pesquisa e pelo avano tecnolgico, ampliam ainda mais o potencial de substituio dos derivados do petrleo por tecnologias limpas produzidas pela agricultura e mesmo pela pecuria no caso do sebo para produo de biodiesel ou do uso de resduos para biodigestores. Sem dvida alguma o conhecimento e a experincia brasileira em produo de energia limpa so mpares no mundo todo e merecem destaque e orgulho por parte de nossa sociedade. O avano da produo de cana de acar no ameaa sob nenhuma tica que se analise. Pelo contrrio, quanto mais desenvolvermos tecnologias de aumento de eficincia em sua explorao, mais riquezas, empregos e investimentos sero gerados; e mais limpo e democrtico ser o acesso energia no mundo todo. Essa tecnologia brasileira. O Brasil o pas mais prximo de desenvolver total independncia do petrleo, fator fundamental para a sobrevivncia das futuras geraes.
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