“Quando os remédios não têm suficiente eficácia para curar as enfermidades, é necessário curar os remédios, para que curem o enfermo (Padre Vieira - Sermão de Santo Antonio)”.
Agora já não temos alternativa que não seja a ouvir o conselho do Padre Vieira. Os remédios convencionais para curar os males do subdesenvolvimento não podem continuar sendo aplicados pelo elementar motivo de que os governos não os possuem. A ilusão de que o Estado paternalista solucionaria todos os nossos problemas se acabou. No Brasil, os governos – nacional, estaduais e municipais – estão debilitados e fortemente endividados. Os recursos que arrecadam apenas permitem pagar dívidas, juros de empréstimos, salários e aposentadorias. O pouco que sobra é destinado a manter, apenas com vida vegetativa, um aparelho burocrático superdimensionado e quase improdutivo.
É esta insuficiência de recursos públicos a principal razão pela qual os sucessivos governos não solucionam os crescentes problemas da educação, da saúde, da agricultura, da infra-estrutura, do saneamento básico, do transporte urbano, da pobreza, das assistências aos deficientes, do combate à delinqüência, etc. Os governantes estão virtualmente paralisados, assistindo passivamente e aceitando como se fosse aceitável a seguinte realidade que já está incorporada ao nosso cotidiano:
a) Os desempregados buscam desesperadamente, mas não conseguem um emprego;
b) Os doentes esperam vários dias por uma consulta médica, semanas por um exame de laboratório, meses ou anos por uma cirurgia; muitos morrem nos corredores dos hospitais antes de preencher a odiosa "ficha de admissão";
c) Crescentes quantidades de pobres "residem" e recolhem papéis nas ruas enquanto os seus filhos estão sendo "educados" no mundo do vício e da delinqüência;
d) Nos aterros sanitários (lixões) os mais famintos estão disputando os restos de comida com ratos e urubus;
e) Os narcotraficantes têm mais poder e melhor armamento que os serviços policiais;
f) Dentro das penitenciárias muitos delinqüentes continuam comandando o crime organizado e promovendo freqüentes rebeliões para reivindicar – e conseguir – que os transfiram para presídios "mais democráticos".
Os governantes, o pouco que fazem – e recém depois de ser fortemente pressionados por denúncias da imprensa ou pelos sindicatos mais agressivos – é "apagar os incêndios mais ruidosos"; porém depois que os ruídos diminuem cessam as ações governamentais, até que ocorra a próxima emergência. Isto está acontecendo porque as crescentes necessidades e aspirações dos cidadãos ultrapassam as decrescentes possibilidades dos debilitados governos em satisfazê-las.
Para piorar ainda mais este quadro de "paralisia" dos serviços públicos, os governos já não podem reforçar os seus orçamentos, através da via, cômoda e simplista, de aumentar o endividamento público e a carga tributária; porque o primeiro já é insuportável para os próprios governos e a segunda já é insuportável para os contribuintes. Em resumo, a capacidade dos governos de resolver os problemas dos cidadãos, através de medidas paternalistas, está esgotada. Esta é uma realidade que não podemos continuar fingindo que não existe ou que não a conhecemos, pois ela, além de evidente é crescente; para confirmá-la basta sair à rua, ver as longas filas nos colapsados serviços públicos ou assistir os noticiários da televisão.
Depois de 50 anos de gastança desenfreada e irresponsável, chegamos ao "fundo do poço" Durante esse longo período ficou demonstrado, de maneira reiterada e aparentemente definitiva, que é impossível resolver os problemas da pobreza através do paternalismo estatal, pois ele é simplesmente incorrigível. Agora que os recursos governamentais estão exauridos só nos resta o caminho realista de abandonar as medidas populistas/demagógicas e fazer algo radicalmente diferente, como por exemplo: reduzir drasticamente a frondosa e improdutiva burocracia estatal, eliminar os órgãos reconhecidamente inoperantes e prescindíveis, abolir privilégios ilegítimos disfarçados de "direitos adquiridos", endurecer no combate à corrupção, reduzir a quantidade de parlamentares, militares e burocratas improdutivos. Em resumo, "enxugar" a máquina governamental para dispor dos recursos que são necessários para solucionar os problemas do Brasil e dos brasileiros; e não para alimentar interesses ilegítimos do corporativismo estatal ou para financiar atos de corrupção.
Com os recursos poupados neste "enxugamento" deveremos fazer um investimento, sério e absolutamente prioritário, no desenvolvimento das capacidades e competências da nossa população. Os próprios cidadãos – os que estão causando os problemas e os que estão sendo afetados por eles – terão que ser convocados, formados e capacitados para assumir, individualmente e/ou através de grupos organizados, uma crescente parcela de responsabilidade na correção dos erros que eles involuntariamente estão cometendo e na solução dos seus próprios problemas. Com este objetivo em mente, o obsoleto Estado perpetuador de dependências deverá transformar-se em um Estado educador, "empoderador" dos cidadãos e emancipador das dependências que eles atualmente têm dos governos. Nas atuais circunstâncias de "paralisia" e impotência dos serviços públicos, compartilhar responsabilidades entre o Estado e os cidadãos é uma proposta que vale a pena discutir e construir.