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Scot Consultoria

A farinha de ossos e as doenças do rebanho


Quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010 - 08h29

Engenheiro Agrônomo e Mestre em Nutrição Animal pela ESALQ/USP. Sócio-consultor da Boviplan Consultoria Agropecuária.


Por Diego Augusto Campos da Cruz, graduando em zootecnia da FZEA/USP. A crise do fosfato bicálcico, que repercutiu negativamente nos preços do suplemento mineral, tem levado muitos produtores a pensar em fontes alternativas de fósforo, visando baratear o custo de produção. Uma das alternativas mais citadas é a farinha de ossos calcinada, produzida por graxarias de frigoríficos ou por empresas independentes, que vivem da coleta de ossadas bovinas, em açougues. Existem duas classes de farinha de ossos. Além da farinha de ossos calcinada produz-se também a farinha de ossos autoclavada, conforme definição a seguir: Farinha de ossos calcinada (FOC): é o produto obtido após coleta de ossos e processados em graxarias ou em frigoríficos a partir de ossos oriundos da desossa, moídos, queimados com ar abundante e novamente moídos. Deve conter no mínimo 15% de fósforo. Farinha de ossos autoclavada (FOA): é o produto seco e moído, obtido de ossos não decompostos e submetidos a tratamento térmico com pressão em autoclave ou digestor. Os resíduos de proteína e gordura podem ou não ser removidos durante o processo. No Brasil é proibida a produção, comercialização e utilização de produtos destinados à alimentação de ruminantes que contenham em sua composição proteínas e gorduras de origem animal, segundo a Instrução Normativa N° 8, de 25 de março de 2004. No entanto, estes produtos podem ser utilizados, de modo legal, como adubo na agricultura. O MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) proibiu o uso da farinha autoclavada na alimentação de bovinos, pois análises químicas realizadas neste tipo de produto detectam, constantemente, restos de carne, gordura e tecidos nervosos, que são material de risco para transmissão de encefalopatias como o “mal da vaca louca” (i.e. Encefalopatia Espongiforme Bovina ou BSE). Entretanto, a farinha calcinada tem seu uso liberado para alimentação animal, desde que não contenha proteínas e gordura. Os riscos de utilização deste tipo de farinha estão diretamente relacionados ao seu processamento, com destaque para variáveis como tempo de calcinação e temperaturas insuficientes à completa eliminação de matéria orgânica. Por outro lado, a calcinação excessiva dos ossos reduz o valor biológico do fósforo e também os efeitos positivos da suplementação deste mineral. A falta de padronização nas farinhas de ossos, a ausência ou baixo controle de qualidade em seu processo de fabricação e a falta de registro de muitas fábricas junto ao MAPA, principalmente no interior do Brasil, também são fatores que limitam a utilização do produto. Portanto, o principal motivo da proibição é o risco que seu uso traz para a sanidade do rebanho nacional. Dentre as doenças que podem decorrer do seu uso estão o botulismo e o mal da vaca louca. O botulismo é uma doença causada pela ingestão da toxina do Clostridium botulinum, que pode ser comumente encontrada no meio ambiente, em ossos, fezes e, até mesmo, no tubo gastrointestinal de animais mortos, causando paralisia muscular do animal, levando-o à morte. O Clostridium botulinum é um bacilo anaeróbio, gram-positivo, formador de esporos e extremamente resistentes, podendo sobreviver por longos períodos nos mais diversos ambientes, proliferando em carcaças ou material vegetal em decomposição, nos quais produz uma neurotoxina que, quando ingerida, causa a doença. Em bovinos o botulismo tem sido mais comumente descrito em rebanhos a campo, estando normalmente associado a uma deficiência de fósforo nas pastagens, bem como devido a uma inadequada suplementação mineral, que determina um quadro de depravação do apetite, com osteofagia, nos animais. Quando contido nos alimentos, o esporo passa, em geral, sem causar problemas pelo trato alimentar do animal vivo, mas em carcaças o esporo encontra condições ideais de anaerobiose para se desenvolver e produzir toxinas, contaminando principalmente os ossos, cartilagens, tendões e aponeuroses que são mais resistentes à decomposição. Portanto, ao ingerir fragmentos de tecidos ou ossos, outros bovinos adquirem a toxina e, também, esporos, estabelecendo assim a cadeia epidemiológica do botulismo a campo. No Brasil o botulismo em bovinos foi diagnosticado pela primeira vez por Tokarnia e colaboradores em 1970 no Estado do Piauí, confirmando a presença de esporos nas amostras de solo obtidas de locais onde se decompuseram cadáveres de bovinos. A outra doença que pode acometer os bovinos é a chamada Encefalopatia Espongiforme Bovina (BSE), que é pertencente ao grupo das Encefalopatias Espongiformes Transmissíveis (TSE), também conhecidas como doenças do “príon” (i.e. “proteinaceous infections particles”). São um tipo de proteína amilóide que provocam degenerações fatais ao cérebro e que ocorrem tanto no homem como em animais. As TSE são caracterizadas pela presença de vacúolos microscópicos e pela deposição de “príon” na substância cinzenta do cérebro. A BSE pode ser transmitida através do “príon” presente na farinha de carne e ossos de animais infectados. Este material pode estar presente, por exemplo, na cama de frango, visto que restos de ração caem na cama quando as aves se alimentam e, ao ser adicionado na alimentação de bovinos, causa sua infecção. As proteínas “príons” são consideradas agentes infecciosos de tamanho menor quando comparadas aos vírus, mas que também podem ser transmitidas de forma hereditária. Resistem à temperatura de congelamento e sobrevivem sob calor seco a 360 ºC durante uma hora, porém são inativadas total ou parcialmente com tratamento em autoclave a 134-138 ºC, por 18 minutos. Mas é estável sob uma larga gama de pH, radiação e a luz ultravioleta não têm nenhum efeito destrutivo sobre ela. Outra característica é que suporta inúmeros produtos utilizados para desinfecção, com raras exceções, e mantém-se ativa em tecidos cadavéricos enterrados no solo por três anos, mas é inativada com a utilização de hipoclorito de sódio a 2% ou hidróxido de sódio 2N, durante uma noite. A doença foi descrita pela primeira vez em 1986, na Inglaterra, e foi se alastrando muito rapidamente por todo o país. Os pesquisadores ingleses concluíram que a BSE estava associada ao uso de apenas um produto: a farinha de carne e ossos, seja comprada para produzir rações na propriedade ou como constituinte de rações prontas para uso, adquirida comercialmente. Assim, a utilização desta farinha permitiu o alastramento da epidemia, visto que os animais afetados pela doença eram reciclados para fazer mais farinha de carne e ossos. Os agentes da BSE dos primeiros animais doentes estavam sendo levados de volta para o rebanho sadio, através da farinha de carne e ossos em que eram transformados com o agravante de que esta farinha de carne e ossos estava “mais enriquecida" em “príons”. Isso causava um ciclo vicioso onde cada vez mais animais estavam adquirindo e morrendo de BSE. A epidemia de BSE se alastrava, trazendo naquela época e ainda hoje, para algumas pessoas, muitas preocupações em relação à saúde humana e grandes perdas econômicas para a cadeia da carne mundial. Conclui-se, portanto, que a farinha de ossos calcinada pode vir a ser uma fonte de suplementação mineral durante a crise do fosfato bicálcico, mas o criador deve levar em consideração os riscos que farinhas de ossos mal produzidas podem causar na sanidade de seu rebanho. Portanto, deve sempre optar por produtos registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Referências BLISKA, F.M.M. Considerações sobre a Encefalopatia Espongiforme Bovina e as exportações brasileiras de carne bovina. Revista Nacional da Carne, v.25, n.288, p.100, 2001. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. INSTRUÇÃO NORMATIVA nº 8, de 25 de Março de 2004. Proíbe em todo o território nacional a produção, a comercialização e a utilização de produtos destinados à alimentação de ruminantes que contenham em sua composição proteínas e gorduras de origem animal. Disponível em: . Acesso em 27 de janeiro de 2010. DÖBEREINER, J.; TOKARNIA, C.H.; LANGENEGGER, J.; DUTRA, I. Epizootic botulism of cattle in Brazil. Dtsch. Tierärztl. Wschr. 99:188-190; 1992. EMBRAPA GADO DE CORTE, Características médias das principais fontes de elementos minerais. Disponível em: . Acesso em 27 de janeiro de 2010. FELÍCIO, P.E. de. Perguntas e respostas sobre Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), popularmente conhecida como “doença da vaca louca”. SIC – Serviço de Informação da Carne, 2004. FRANCO, M. "Vaca louca" amplia estratégia e dúvidas DBO Rural v. 20, n. 245, p.76-82, 2001. TOKARNIA, C.H.; LANGENEGGER, J. et al. Botulismo em bovinos no Piauí, Brasil. Pesq. Agropec. Bras., v.5, p.465-472, 1970.
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