Por Diego Augusto Campos da Cruz, graduando em zootecnia da FZEA/USP.
A crise do fosfato biclcico, que repercutiu negativamente nos preos do suplemento mineral, tem levado muitos produtores a pensar em fontes alternativas de fsforo, visando baratear o custo de produo. Uma das alternativas mais citadas a farinha de ossos calcinada, produzida por graxarias de frigorficos ou por empresas independentes, que vivem da coleta de ossadas bovinas, em aougues.
Existem duas classes de farinha de ossos. Alm da farinha de ossos calcinada produz-se tambm a farinha de ossos autoclavada, conforme definio a seguir:
Farinha de ossos calcinada (FOC): o produto obtido aps coleta de ossos e processados em graxarias ou em frigorficos a partir de ossos oriundos da desossa, modos, queimados com ar abundante e novamente modos. Deve conter no mnimo 15% de fsforo.
Farinha de ossos autoclavada (FOA): o produto seco e modo, obtido de ossos no decompostos e submetidos a tratamento trmico com presso em autoclave ou digestor. Os resduos de protena e gordura podem ou no ser removidos durante o processo.
No Brasil proibida a produo, comercializao e utilizao de produtos destinados alimentao de ruminantes que contenham em sua composio protenas e gorduras de origem animal, segundo a Instruo Normativa N 8, de 25 de maro de 2004. No entanto, estes produtos podem ser utilizados, de modo legal, como adubo na agricultura.
O MAPA (Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento) proibiu o uso da farinha autoclavada na alimentao de bovinos, pois anlises qumicas realizadas neste tipo de produto detectam, constantemente, restos de carne, gordura e tecidos nervosos, que so material de risco para transmisso de encefalopatias como o mal da vaca louca (i.e. Encefalopatia Espongiforme Bovina ou BSE). Entretanto, a farinha calcinada tem seu uso liberado para alimentao animal, desde que no contenha protenas e gordura. Os riscos de utilizao deste tipo de farinha esto diretamente relacionados ao seu processamento, com destaque para variveis como tempo de calcinao e temperaturas insuficientes completa eliminao de matria orgnica. Por outro lado, a calcinao excessiva dos ossos reduz o valor biolgico do fsforo e tambm os efeitos positivos da suplementao deste mineral.
A falta de padronizao nas farinhas de ossos, a ausncia ou baixo controle de qualidade em seu processo de fabricao e a falta de registro de muitas fbricas junto ao MAPA, principalmente no interior do Brasil, tambm so fatores que limitam a utilizao do produto. Portanto, o principal motivo da proibio o risco que seu uso traz para a sanidade do rebanho nacional. Dentre as doenas que podem decorrer do seu uso esto o botulismo e o mal da vaca louca.
O botulismo uma doena causada pela ingesto da toxina do
Clostridium botulinum, que pode ser comumente encontrada no meio ambiente, em ossos, fezes e, at mesmo, no tubo gastrointestinal de animais mortos, causando paralisia muscular do animal, levando-o morte.
O
Clostridium botulinum um bacilo anaerbio, gram-positivo, formador de esporos e extremamente resistentes, podendo sobreviver por longos perodos nos mais diversos ambientes, proliferando em carcaas ou material vegetal em decomposio, nos quais produz uma neurotoxina que, quando ingerida, causa a doena. Em bovinos o botulismo tem sido mais comumente descrito em rebanhos a campo, estando normalmente associado a uma deficincia de fsforo nas pastagens, bem como devido a uma inadequada suplementao mineral, que determina um quadro de depravao do apetite, com osteofagia, nos animais.
Quando contido nos alimentos, o esporo passa, em geral, sem causar problemas pelo trato alimentar do animal vivo, mas em carcaas o esporo encontra condies ideais de anaerobiose para se desenvolver e produzir toxinas, contaminando principalmente os ossos, cartilagens, tendes e aponeuroses que so mais resistentes decomposio. Portanto, ao ingerir fragmentos de tecidos ou ossos, outros bovinos adquirem a toxina e, tambm, esporos, estabelecendo assim a cadeia epidemiolgica do botulismo a campo.
No Brasil o botulismo em bovinos foi diagnosticado pela primeira vez por Tokarnia e colaboradores em 1970 no Estado do Piau, confirmando a presena de esporos nas amostras de solo obtidas de locais onde se decompuseram cadveres de bovinos.
A outra doena que pode acometer os bovinos a chamada Encefalopatia Espongiforme Bovina (BSE), que pertencente ao grupo das Encefalopatias Espongiformes Transmissveis (TSE), tambm conhecidas como doenas do pron (i.e.
proteinaceous infections particles).
So um tipo de protena amilide que provocam degeneraes fatais ao crebro e que ocorrem tanto no homem como em animais. As TSE so caracterizadas pela presena de vacolos microscpicos e pela deposio de pron na substncia cinzenta do crebro. A BSE pode ser transmitida atravs do pron presente na farinha de carne e ossos de animais infectados. Este material pode estar presente, por exemplo, na cama de frango, visto que restos de rao caem na cama quando as aves se alimentam e, ao ser adicionado na alimentao de bovinos, causa sua infeco.
As protenas prons so consideradas agentes infecciosos de tamanho menor quando comparadas aos vrus, mas que tambm podem ser transmitidas de forma hereditria. Resistem temperatura de congelamento e sobrevivem sob calor seco a 360 C durante uma hora, porm so inativadas total ou parcialmente com tratamento em autoclave a 134-138 C, por 18 minutos. Mas estvel sob uma larga gama de pH, radiao e a luz ultravioleta no tm nenhum efeito destrutivo sobre ela. Outra caracterstica que suporta inmeros produtos utilizados para desinfeco, com raras excees, e mantm-se ativa em tecidos cadavricos enterrados no solo por trs anos, mas inativada com a utilizao de hipoclorito de sdio a 2% ou hidrxido de sdio 2N, durante uma noite.
A doena foi descrita pela primeira vez em 1986, na Inglaterra, e foi se alastrando muito rapidamente por todo o pas. Os pesquisadores ingleses concluram que a BSE estava associada ao uso de apenas um produto: a farinha de carne e ossos, seja comprada para produzir raes na propriedade ou como constituinte de raes prontas para uso, adquirida comercialmente. Assim, a utilizao desta farinha permitiu o alastramento da epidemia, visto que os animais afetados pela doena eram reciclados para fazer mais farinha de carne e ossos.
Os agentes da BSE dos primeiros animais doentes estavam sendo levados de volta para o rebanho sadio, atravs da farinha de carne e ossos em que eram transformados com o agravante de que esta farinha de carne e ossos estava mais enriquecida" em prons. Isso causava um ciclo vicioso onde cada vez mais animais estavam adquirindo e morrendo de BSE. A epidemia de BSE se alastrava, trazendo naquela poca e ainda hoje, para algumas pessoas, muitas preocupaes em relao sade humana e grandes perdas econmicas para a cadeia da carne mundial.
Conclui-se, portanto, que a farinha de ossos calcinada pode vir a ser uma fonte de suplementao mineral durante a crise do fosfato biclcico, mas o criador deve levar em considerao os riscos que farinhas de ossos mal produzidas podem causar na sanidade de seu rebanho. Portanto, deve sempre optar por produtos registrados no Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento (MAPA).
Referncias
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BRASIL. Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento. INSTRUO NORMATIVA n 8, de 25 de Maro de 2004.
Probe em todo o territrio nacional a produo, a comercializao e a utilizao de produtos destinados alimentao de ruminantes que contenham em sua composio protenas e gorduras de origem animal. Disponvel em: . Acesso em 27 de janeiro de 2010.
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