Reforma agrária não se confunde com invasão de terra. Menos ainda com saque de propriedade rural ou roubo de gado. Assim atestam decisões recentes da Justiça brasileira. Ponto para a democracia.
A fazenda da Cutrale, em Iaras (SP), invadida pelo MST em 28 de setembro passado ilustra o mais notório caso. A 1ª Vara Criminal de Lençóis Paulista aceitou recentemente denúncia do Ministério Público paulista contra os transgressores. A decisão partiu da juíza Ana Lúcia Aiello. Vão responder os acusados pelos crimes de formação de quadrilha, furto e dano qualificado. Segundo laudo técnico, apresentado pela Promotoria, 12.298 pés de laranja foram destruídos. Considerando insumos e máquinas agrícolas furtados, o prejuízo soma R$ 1,3 milhão. Bandidagem sai caro.
Segundo caso. Em fevereiro último, a Justiça de Tupã (SP) ofereceu liminar em ação de interdito proibitório, garantindo a integridade da Fazenda Salmourão, situada ali, na região da Alta Paulista. Grupo de 200 pessoas, ligado ao briguento dissidente José Rainha, pretendia invadir a área, promovendo seu "carnaval vermelho". Com o parecer judicial, seriam presos se o fizessem. Aquietaram-se.
Ocorreu no Paraná, entretanto, a decisão judicial mais importante. Um marco na Justiça agrária do país. O governo do Estado acaba de ser condenado a pagar indenização de R$54 milhões, em valor atualizado, aos proprietários da antiga Fazenda Sete Mil, localizada no município de Jardim Alegre. A determinação partiu do Tribunal de Justiça.
Essa batalha judicial já dura 13 anos. Em 1996, antevendo sua invasão, os proprietários da fazenda conseguiram na Justiça local um interdito proibitório. De nada adiantou. Meses depois, a área estava ocupada pela turma do MST. Nova decisão judicial ordenou a reintegração de posse da área. A medida, porém, nunca foi cumprida pela autoridade policial. Um descaso ao Judiciário.
Com área total de 14 mil hectares, a fazenda mantinha rebanho aproximado de 15 mil cabeças de gado. Desapropriada pelo governo, teve o decreto presidencial anulado pelo Supremo Tribunal Federal, fazendo o Incra passar vergonha. Tratava-se de terra produtiva. Mas continuava nas mãos do MST, que abatia o gado regularmente e distribuía sua carne na base de 3 quilos para cada uma das 650 famílias invasoras. Um açougue rural.
Cinco anos depois, cansado de reclamar politicamente, o fazendeiro entrou na Justiça solicitando indenização, a ser paga pelo Estado, visto o descumprimento da ordem judicial que determinava a reintegração da posse. Ao mesmo tempo, seu advogado solicitou intervenção federal no Paraná. Funcionou. Após dois anos de processo, o Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, deu ganho de causa, determinando a intervenção política no Estado. Aumentou o quiproquó.
Atuante, inteligente, idealista, o incansável advogado Antônio Carlos Ferreira seguiu adiante. Em face da demora do cumprimento da ordem judicial, solicitou o
impeachment do presidente da República. Isso ocorreu em junho de 2004. Dizem que o Lula se enfureceu.
Dois meses depois, em negociação com o Incra, o dono da propriedade, Flávio Pinho de Almeida, acabou por vender sua propriedade para servir à reforma agrária. Resolveu-se dessa maneira a querela jurídica preliminar, que permitiu suspender a intervenção federal no Paraná. Lula escapou da fria. O governador Requião, nem tanto.
Passados mais cinco anos, o Tribunal de Justiça do Paraná confirmou a sentença da primeira instância, obtida na Comarca de Ivaiporã, obrigando o governo a ressarcir o prejuízo dos proprietários. Por que o governo, e não o MST? Esse é o ponto crucial. Devido ao fato de a autoridade pública não ter tomado as devidas providências para, cumprindo mandado de reintegração de posse, retirar os invasores da terra. Preço da inanição agrária.
O que leva uma autoridade, como o governador do Paraná, a deixar de cumprir uma ordem judicial como aquela da Fazenda Sete Mil? Não é simples a resposta. O governo estadual argumentava que os proprietários eram ilegítimos e que havia risco de confronto violento numa eventual desocupação. Mas, sinceramente, a razão parecia mais política que social ou jurídica. Falava-se que um acordo, realizado ainda na época das eleições, em troca de apoio político garantiria facilidades aos invasores de terras. Vai saber.
Casos semelhantes se contam atualmente também no Pará. Dezenas de áreas rurais invadidas, todas com mandados de reintegração de posse expedidos, aguardam o cumprimento da ordem judicial pelo Estado. Que, entretanto, nunca chega, abrindo espaço para a brutalidade. Com a ausência do Estado, milícias armadas substituem a Polícia Militar. A vida corre por um fio naquelas bandas.
O paranaense Flávio Pinho não pôde testemunhar sua vitória judicial. Morreu, desgostoso, antes de saber que, além da milionária indenização, ele e sua esposa, Sylvia, devem receber do governo R$50 mil cada, a título de danos morais. De pouco adiantará. A Fazenda Sete Mil zerou.
Com a jurisprudência que começa a ser firmada no Paraná, as coisas devem melhorar, preservando o Estado Democrático de Direito. Ordem judicial deve ser cumprida, e acabou. Por outro lado, vai complicar a equação financeira. Imaginem a enxurrada de ações indenizatórias que poderá vir por aí, responsabilizando o poder público pelo prejuízo das invasões de terras. Talvez demore, vá-se acumulando atrás do armário, mas um dia a onerosa conta terá de ser paga. E, pra variar, recairá no futuro sobre os ombros do contribuinte, que não tem nada que ver com isso.
Invasão de terras violenta a democracia e custa caro. Um caminho sem solução.
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