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Scot Consultoria

Fertilizante estatizante


Quinta-feira, 18 de março de 2010 - 16h52

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


Por André M. Nassar e Leila Harfuch O governo federal andou insistindo na ideia de criação de uma empresa estatal de produção e comercialização de fertilizantes no Brasil. Os dois argumentos centrais em defesa dessa empresa estatal seriam a necessidade de reduzir a dependência brasileira do mercado internacional, uma vez que 74%, 49% e 92% do nitrogênio, do fósforo e do potássio, respectivamente, utilizados no Brasil na produção de fertilizantes são importados; e a necessidade de promover maior concorrência no mercado, tendo em vista que a produção de fertilizantes é um oligopólio no Brasil e no mundo. Os dois argumentos mostram que o tema é sensível. Os produtores rurais, como esperado, estão preocupados com o assunto porque são eles que pagam a conta de fertilizantes mais caros. Viabilizar o aumento da produção brasileira e promover maior concorrência na produção faz parte de um diagnóstico correto. Já o remédio, a estatal dos fertilizantes, está mais para adoecer o paciente do que para curá-lo. O fundamental nesse debate é entender que o bom objetivo de estimular concorrência no fornecimento de nutrientes básicos à produção de fertilizantes não será resolvido com a criação de uma estatal. O buraco, na realidade, é mais embaixo. A constatação de que a produção das matérias-primas básicas dos fertilizantes (nitrogênio, fósforo e potássio) no Brasil não tem acompanhado a crescente demanda é um tema superado. A relação entre a produção nacional e a importação de fertilizantes intermediários se movimenta em favor das importações, que vêm ganhando fatia de mercado no decorrer do tempo. Os dados da evolução por nutriente mostram a mesma tendência. No caso do nitrogênio, a produção doméstica representava, em 2002, 47% do mercado e em 2008 representou 26%. No caso do fósforo, esse movimento foi de 57% para 51% e, no caso do potássio, de 12% para 8%. Não somente a produção nacional tem menor participação na oferta total, com exceção do fósforo, como também não tem conseguido acompanhar a demanda. Além disso, comparando o Brasil com o resto do mundo, os números também chamam a atenção. O Brasil é o terceiro maior importador mundial de nitrogênio, atrás apenas dos EUA e da Índia, é o maior importador de fósforo e o segundo maior importador de potássio, também atrás dos EUA. A dependência de importações, no entanto, é uma questão capenga quando não analisada em conjunto com a estrutura de formação de preços dos fertilizantes no Brasil. A questão-chave a ser respondida aqui é a seguinte: os preços domésticos de fertilizantes pagos pelos produtores no Brasil seguem os preços mundiais? Se seguem, o problema dos elevados preços está no mercado mundial. Se não seguem, há razões para se pensar em políticas de estímulo a maior concorrência. Para responder a essa pergunta desenvolvemos um estudo analisando os preços internacionais e os preços pagos pelos produtores. Nossa conclusão foi a seguinte: os preços domésticos são determinados pelos preços mundiais, mas, com exceção da ureia, fertilizante à base de nitrogênio, as variações nos preços ao produtor do superfosfato simples e do cloreto de potássio são explicadas apenas em parte pelas oscilações dos preços internacionais, sugerindo que maior concorrência seria salutar para o produtor rural. Vamos entender o que essa conclusão quer dizer. Quando são analisados os preços internacionais da ureia, da rocha fosfática e do cloreto de potássio e são comparados aos preços de importação do Brasil e aos preços dos produtos equivalentes praticados no mercado doméstico (aqui utilizamos os preços em dólar para eliminar oscilações cambiais), observamos que, para cada linha de produto - nitrogênio, fósforo e potássio -, os preços andam absolutamente juntos. Como grande parte da oferta brasileira é feita a partir de matéria-prima importada (74%, 49% e 92%, respectivamente), a conclusão de que os preços internacionais determinam os preços domésticos era esperada. Aliás, essa constatação demonstra que a concentração na produção doméstica não é forte o suficiente para impedir o mercado de funcionar. Ao contrário: na formação dos preços, o mercado está funcionando bem. Essa conclusão tem uma implicação: como os preços internacionais são determinantes dos preços domésticos, o produtor brasileiro estará sempre sujeito aos movimentos de mercado na Rússia (nos três produtos), na China, no Canadá, na Alemanha, no Marrocos, na Tunísia, na Ucrânia e nos EUA (em pelo menos um produto), a menos que o Brasil reduza sua dependência de importações. A oferta, como se vê, é concentrada. Aliás, não poderia ser diferente, porque, sendo um setor muito intensivo em capital, demandante de elevados investimentos e com ganho de escala, a produção de nutrientes, em qualquer lugar do mundo, será sempre concentrada. Superado o problema da formação dos preços, fizemos a análise da influência dos preços internacionais nas oscilações dos preços domésticos. A pergunta aqui é a seguinte: quando os preços domésticos oscilam - aliás, eles fazem isso o tempo todo -, quanto dessas variações pode ser explicado por oscilações nos preços internacionais e/ou por variáveis associadas ao mercado doméstico, tais como demanda e, por que não, concentração da produção? Quando esse valor é muito elevado, como no caso da ureia, é sinal de que os movimentos no mercado doméstico refletem integralmente os do internacional. Já no caso do superfostato simples e do cloreto de potássio, cujos valores encontrados foram menores, fatores associados à estrutura da indústria têm peso elevado nos movimentos de mercado doméstico. Neste caso, estimular competição na indústria será benéfico para os produtores rurais e é isso que o governo deveria estar perseguindo, em vez de advogar a volta do capital estatal ao setor.
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