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São Paulo, a Califórnia brasileira


Terça-feira, 6 de julho de 2010 - 13h08

Gerente geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE). Mestre em Direito Internacional pela UFSC, 2004.


No dia 1. de janeiro de 1998 entrou em vigor na Califrnia uma lei que proibia fumar em lugares fechados. Lembro que estava nos Estados Unidos na poca e pensei que era uma lei que no pegaria. Tanto pegou que inmeras cidades e Estados mundo afora adotaram regulamentaes semelhantes, e hoje mais do que normal regular o fumo em lugares pblicos e privados. A Califrnia um Estado de vanguarda em vrias questes, algumas polmicas, e no diferente em relao s mudanas climticas. Desde 2006, a Califrnia adota regulamentaes que visam limitar as emisses de gases de efeito estufa (GEEs) que passam, por exemplo, pelo estabelecimento de planos de ao envolvendo diversos rgos estaduais, por uma rigorosa poltica sobre o uso de combustveis fsseis, bioenergia e limites de emisses dos motores, pela criao de um mercado voluntrio de crditos florestais e pela adoo de um cdigo para o setor de construo com regras estritas. Vanguarda - Aqui, no Brasil, os primeiros Estados a adotar uma lei sobre mudanas climticas foram Amazonas, em 2007, e Tocantins, em 2008. Em 2009, no calor dos preparativos para a Conferncia do Clima (COP 15), que ocorreu em Copenhague no fim do ano, Santa Catarina, So Paulo, Minas Gerais, a cidade de So Paulo e o governo brasileiro aprovaram suas leis. Em abril de 2010, foi a vez do Rio de Janeiro. A aprovao dessas leis foi um salto importante no sentido de, efetivamente, colocar as mudanas climticas na agenda dos Estados brasileiros. O desafio agora transformar as boas intenes em aes concretas de mitigao, adaptao, incentivo ao desenvolvimento de tecnologias limpas, capacitao e educao. Aplicao - Para isso, preciso que as regulamentaes das leis climticas indiquem como essas aes sero aplicadas. essencial traar planos de longo prazo, prever incentivos para a adoo de prticas menos emissoras, tratar dos inventrios de emisses como ferramentas estratgicas, considerar, seriamente, as energias renovveis e a necessidade de investir em formas alternativas de transporte mais barato e limpo, pensar em como integrar o mercado de carbono no dia-a-dia do Pas, equilibrando competitividade e proteo ao clima. A regulamentao da lei paulista, aprovada na semana passada, um primeiro passo concreto nesse sentido. O decreto cria o Conselho Estadual sobre Mudanas Climticas, de carter consultivo, composto por representantes do Estado, dos municpios e da sociedade civil, que dever acompanhar e fiscalizar a implementao da poltica estadual. O conselho ser assessorado por um comit gestor, um brao tcnico assessorado pela Secretaria de Meio Ambiente, criado para acompanhar a elaborao dos planos e programas institudos pelo decreto. Estruturao - rgos dessa natureza so necessrios para dar suporte a aes concretas e de mdio e longo prazos. Com base nessa estrutura, a primeira Comunicao Estadual, que trar, at novembro de 2010, os resultados do inventrio de emisses e remoes antrpicas de GEEs do Estado, ensejar a elaborao de planos de ao setoriais energia, indstria de transformao e construo, transporte, agropecuria, resduos que devero estimar as potenciais redues de emisses. Aliados aos planos setoriais, as avaliaes ambientais estratgicas serviro de base para polticas e aes especficas que fomentem a mitigao e a adaptao s mudanas climticas. Caber ao comit gestor, alinhado Cetesb, propor metas setoriais e intermedirias at abril de 2011. Nesse contexto, a Cetesb definir critrios mensurveis de medidas de mitigao e absoro de GEEs, podendo o comit gestor propor instrumentos de incentivo econmico para viabilizar o mercado de carbono. Planos setoriais - Adotar planos de ao setoriais e medidas para mensur-los significa, em outras palavras, adotar metas setoriais. E quando fala em viabilizar o mercado de carbono, a lei paulista sinaliza que os setores podero comprar e vender crditos de carbono a fim de cumprir com essas metas. Esse caminho natural quando se definem metas de reduo de emisses, pois o mercado importante para permitir redues custo-eficientes. Outro ponto importantssimo a questo do licenciamento ambiental de obras, atividades e empreendimentos de grande porte ou alto consumo de energia, que poder estabelecer limites para a emisso de GEEs, considerando a meta global de 20% de reduo at 2020 com base no inventrio de 2005 e as metas setoriais, que devero ser estabelecidas. A Cetesb poder definir critrios de compensao das emisses no processo de licenciamento ambiental, o que indica mais uma vez um mercado de carbono paulista, sem, contudo e necessariamente, vincul-lo a projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Isso significa que determinados setores tero metas concretas e no podero usar crditos MDL, pois as redues geradas com esses projetos so vendidas para pases que fazem parte do Protocolo de Quioto. Mercado de carbono - A questo do MDL na lei paulista gerou preocupaes quanto possibilidade de que setores elegveis para projetos dessa natureza pudessem continuar a buscar esse tipo de crdito, pois se houver metas concretas para esses setores, a adicionalidade poderia, em tese, ficar prejudicada. A prpria lei prev incentivos para projetos MDL. A regulamentao prev que os projetos MDL ficam excludos, podendo, no entanto, haver compensaes de emisso fora dos limites do Estado. Uma questo que preocupa vrios setores, mas pode ser positiva, a de que os empreendimentos contemplados nas avaliaes ambientais estratgicas podero ter licenciamento ambiental simplificado. Isso depender, naturalmente, de como as metas setoriais sero estabelecidas e quais sero os critrios adotados para tanto. rea florestal - A preocupao com as florestas e o desmatamento merece destaque na regulamentao da lei, com a criao do Programa de Remanescentes Florestais, que ser coordenado pela Secretaria de Meio Ambiente. Objetivos centrais: (i) fomentar a reduo de emisses de GEEs via projetos de restaurao da vegetao nativa e de reflorestamento; (ii) contribuir para a conservao da biodiversidade por meio da proteo de remanescentes de florestas e outras formas de vegetao nativa e do apoio formao de corredores, especialmente por meio da recuperao de matas ciliares; (iii) identificar reas prioritrias para a recuperao florestal visando orientar a instituio de reservas legais; (iv) apoiar a restaurao de paisagens fragmentadas, fomentando aes que levem ao incremento da conectividade entre remanescentes de vegetao nativa e entre estes e reas protegidas; (v) fomentar a implantao de projetos de reflorestamento com espcies nativas para explorao comercial sustentvel e de sistemas agroflorestais e silvo-pastoris etc. A Secretaria de Meio Ambiente dever publicar a cada trs anos o Inventrio Florestal da Vegetao Natural, e fica institudo o Cadastro de Remanescentes Florestais do Estado de So Paulo. A caracterizao de reas prioritrias para reflorestamento bastante relevante como forma de apontar regies que merecem ser preservadas por conta de valores da biodiversidade ou de proteo de mananciais, por exemplo, favorecendo a delimitao de reas de reserva legal. Pode, por outro lado, fomentar a criao de reas preservadas adicionais s APPs, reservas legais, unidades de conservao e outras reas protegidas. Paralelamente, h previso de incentivos e apoio para a explorao econmica de florestas nativas em reservas legais e APPs de pequenas propriedades. O foco em recuperar reas desmatadas grande, e neste ponto a regulamentao da lei avanou ao considerar o pagamento por servios ambientais oriundos da conservao de remanescentes florestais, da recuperao de matas ciliares, do reflorestamento com espcies nativas consorciadas com exticas, da implantao de sistemas agroflorestais e silvo-pastoris. Caber ao Fundo Estadual de Controle e Preveno da Poluio (Fecop) fazer o pagamento por esses servios, no limite de R$1.642/ha/ano ou R$82.100,00/participante/ano. Por fim, vale ressaltar que a Cetesb dever propor padres de desempenho ambiental para sistemas de aquecimento e refrigerao, lmpadas e sistemas de iluminao e veculos automotores. Viso de futuro - Essa movimentao em torno da Poltica Estadual de Mudanas Climticas (Pemc) positiva e coloca So Paulo na vanguarda da discusso sobre polticas do clima no Pas. Como na ocasio da aprovao da lei, ainda h muitas dvidas para serem sanadas, e um intenso trabalho a ser feito para que as aes de mitigao e adaptao ganhem escala. A idia de metas setoriais em 2011 e da criao de um mercado de carbono ganhou contornos mais evidentes. O pagamento pelos servios ambientais ligados preservao e recuperao de florestas um passo acertado, ainda que os valores previstos no sejam elevados. A avaliao ambiental estratgica e o licenciamento ambiental podero ser ferramentas bastante teis em direo a um Estado menos emissor, mas preciso definir critrios exeqveis. Todas essas aes dependero da participao e do engajamento do setor privado, do governo e de toda a sociedade. Espera-se que seja possvel avanar de forma a criar uma economia de baixo carbono onde todos tenham uma parcela de contribuio aliada a benefcios mtuos. Somente assim a poltica paulista de clima ganhar fora e poder atingir objetivos concretos.
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