A utilização de co-produtos agroindustriais na dieta de bovinos leiteiros não é prática recente, mas atualmente, devido às questões ambientais e à oscilação dos preços de commodities e alimentos tradicionais, como dos grãos de cereais, esses resíduos têm merecido notada atenção dos produtores de leite e dos nutricionistas.
Entre as diversas fontes alternativas, destaca-se o resíduo úmido de cervejaria (RUC) com grande qualidade nutricional e com alto potencial para inclusão em dietas de vacas leiteiras.
O RUC é um subproduto da indústria de cerveja bastante utilizado na alimentação de ruminantes. Estima-se que quantidade superior a 3 milhões de toneladas de RUC foram produzidos no Brasil em 2008, com uma produção de cerveja de 10,34 bilhões de litros, segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Cerveja.
Dependendo da proporção de malte de cevada utilizada e a de arroz ou milho no processo industrial, segredo das indústrias, a composição nutricional observada neste subproduto é muito variável (na tabela 1), sendo necessárias correções nas dietas de vacas leiteiras mediante análises periódicas do produto.
Outro ponto positivo em relação à proteína do RUC se refere à sua composição em aminoácidos - lisina e metionina - considerados os aminoácidos mais limitantes à produção de leite. A lisina é apontada como o aminoácido mais limitante do RUC. Por outro lado, o resíduo é uma boa fonte de metionina, o que faz dele um bom complemento ao farelo de soja, que é pobre em metionina.
O interesse pelo uso de RUC na alimentação de bovinos leiteiros é em virtude de ser uma fonte potencial de proteína não degradada no rúmen (PNDR), principalmente o resíduo úmido, pois a secagem é um processo que demanda quantidade considerável de energia.
O RUC pertence à classe dos alimentos concentrados, porém as análises bromatológicas dos materiais encontrados no Brasil apresentam teores de FDN muitas vezes acima daqueles presentes na silagem de milho.
Tendo-se em vista o fato de que no Brasil os produtores, na maioria das vezes, não realizam o planejamento no tocante à reserva e/ou conservação de alimentos para serem oferecidos aos animais no período da seca, o RUC poderia também ser utilizado como substituto parcial do alimento volumoso na dieta de bovinos leiteiros.
O resíduo úmido de cervejaria e a silagem do resíduo úmido de cervejaria apresentaram teor de proteína não degradável no rúmen (PNDR) de 65,59% e 63,55% da PB, respectivamente, superior ao farelo de soja de 40,52% da PB.
“A utilização de co-produtos agroindustriais na dieta de bovinos leiteiros não é prática recente.”
Desta maneira, a silagem do resíduo úmido de cervejaria e o próprio resíduo úmido de cervejaria caracterizam-se por serem alimentos com alto valor de proteína de passagem, ou seja, proteína que não sofre degradação ruminal (quebra da proteína da dieta em compostos mais simples, como amônia (N-NH3) utilizada pelas bactérias para a síntese de proteína bacteriana).
Quanto à sua composição mineral, recomendam-se cuidados quando se substitui parte dos farelos protéicos por RUC, pois este apresenta baixos teores de sódio e potássio, podendo a dieta ficar deficiente. Mas é em relação ao teor e disponibilidade do selênio que o RUC parece se diferenciar.
O RUC é uma ótima fonte de selênio para vacas em lactação. Nos primeiros 10 dias após a suplementação, a concentração de selênio no plasma sanguíneo aumenta drasticamente.
“Quanto à sua composição mineral recomendam-se cuidados quando se substitui parte dos farelos protéicos por RUC, pois este apresenta baixos teores de sódio e potássio, podendo a dieta ficar deficiente.”
Os melhores resultados foram obtidos nas dietas cujas fontes de selênio incluíam o resíduo de cervejaria. Os teores no leite acompanharam esta tendência, com valores ainda mais significativos nas dietas com resíduo de cervejaria.
Os autores concluíram que o resíduo de cervejaria é uma boa fonte de selênio, pois além de possuir alto teor deste mineral, aparentemente é mais disponível, pelo menos quando comparado a uma fonte inorgânica.
A correta suplementação de selênio, em conjunto com a vitamina E, contribui para a redução da incidência de problemas reprodutivos e mastite, mas, sem dúvida, os dois fatores de maior importância no produto são a proteína, pela sua qualidade, e o baixo teor de matéria seca, pelos seus inconvenientes.
O uso do resíduo úmido de cervejaria na alimentação animal apresenta limitações, como o alto teor de umidade, apresentando teores de matéria seca (MS) geralmente baixos. O alto teor de umidade limita o transporte a grandes distâncias, além de diminuir a ingestão de matéria seca pelos animais devido ao elevado teor de água do alimento.
O elevado teor de umidade (80% a 85%), na maioria das vezes encontrado neste material, pode trazer problemas associados ao transporte (elevação do custo de transporte por unidade de MS) e conservação (susceptibilidade ao embolorecimento e apodrecimento).
Alterações na composição bromatológica causadas por degradação aeróbica afetam negativamente o valor nutritivo do produto.
Os fungos e as leveduras são os principais microorganismos responsáveis pela degradação aeróbia do RUC. Alguns destes fungos, eventualmente, produzem toxinas como a Zearalenona, toxina que tem efeito estrogênico, interferindo negativamente no desempenho reprodutivo dos animais.
Normalmente, nas propriedades que empregam o resíduo são adotadas técnicas de manejo envolvendo a utilização rápida pelos animais, implicando em constantes aquisições do produto, geralmente a cada 15 dias, o que certamente eleva ainda mais os custos relacionados com transporte. No entanto, na prática, a maioria das fazendas adotam a adição de sal comum (NaCl) na tentativa de diminuir o ataque de microrganismos.
Deste modo, em virtude da inconstância de oferta e de maiores custos com transporte, é de fundamental importância que se realizem estudos envolvendo o uso de aditivos químicos ou mesmo de substratos de baixa umidade com a finalidade de se armazenar na propriedade, durante as épocas de maior oferta, grandes quantidades desse resíduo por maior período de tempo.
“A correta suplementação de selênio, em conjunto com a vitamina E, contribui para a redução da incidência de problemas reprodutivos e mastite...”
Então, a conservação do material na forma de silagem, com intuito de aproveitar o excedente produzido no período de verão, é uma alternativa possível, entretanto, o baixo teor de MS e de carboidratos solúveis
são fatores limitantes à boa fermentação dessa silagem.
Outra alternativa seria a secagem artificial do produto até níveis de umidade em torno de 10% a 12%. Contudo, os custos decorrentes da energia empregada seriam elevados e operações como a prensagem geram resíduos líquidos de grande potencial poluente.
Como ingrediente de dietas, o resíduo seco pode ser considerado um suplemento protéico de valor médio (23% a 30% de PB).
Na prática, o RUC apresenta bom valor nutritivo, sendo uma boa fonte de proteína e energia, podendo substituir, em grande parte, o concentrado nas características nutritivas, sem perda de produtividade.
No entanto, o produtor deve estar atento e fazer um balanceamento na dieta das suas vacas.
O concentrado não é substituído totalmente, mas, em média, até 60%, variando conforme a produção da vaca.
VANTAGENS DO RUC NA ALIMENTAÇÃO DE VACAS LEITEIRAS
Dentre as principais vantagens do uso do produto na alimentação dos bovinos destacam-se:
É regulador das funções ruminais pelo seu poder tampão sobre o pH.
Tem alta palatabilidade, elevando os níveis de ingestão diária de alimentos.
Permite elevação imediata do volume de produção, com ótimas taxas de conversão alimentar.
Promove aumento no vigor reprodutivo do rebanho.
Confere aparência saudável ao aspecto físico dos animais.
Possui baixo custo relativo de mercado na composição das rações.
Possibilita sua ensilagem na propriedade, evitando a sazonalidade e os riscos da escassez de alimentos.
A utilização de co-produtos agroindustriais vem ao encontro dos anseios das atuais políticas ambientais que, de forma crescente, e com tendência a se fortalecer cada vez mais, vêm acompanhando de perto a eliminação de produtos potencialmente poluentes pelas indústrias.
O crescimento demográfico, aliado às crises de abastecimento, principalmente nos países em desenvolvimento, aumenta a discussão sobre a competição entre humanos e animais domésticos por alimentos nobres e cresce em importância o estudo e utilização de fontes alternativas de alimentos.
O resíduo úmido de cervejaria pode ser utilizado em substituição aos grãos de cereais, sempre que o preço for compensador.