No dia 22 de maio do ano passado o lavrador Emanuel Josian Barbosa caava arribas numa rea de proteo ambiental quando foi abordado por fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis (Ibama). Os fiscais atiraram contra o lavrador que morreu horas depois. O Ibama, divulgou nota oficial na qual reforou a necessidade de fiscalizao na unidade de conservao.
O municpio de Marcelndia, no Mato Grosso, tinha cerca de 25 mil habitantes no incio dos anos 2000. O dinamismo econmico que atraiu os moradores vinha da explorao madeireira e do avano da fronteira agrcola. Marcelndia figurava no topo da lista dos maiores desmatadores de florestas na Amaznia. O Ministrio do Meio Ambiente (MMA) disparou ento o Ibama em operaes regulares de combate destruio ambiental acompanhadas pela Polcia Federal e pela Fora Nacional de Segurana. A taxa de desmatamento em Marcelndia foi praticamente zerada, mas a economia local estagnou e 13 mil brasileiros deixaram a cidade. Ningum sabe ao certo para onde.
Em dezembro de 2009, lcio Santos, um morador da comunidade de Pinhel, no corao da Amaznia, procurou jornalistas em Santarm, no Par. lcio contou aos jornalistas que fiscais do Ibama reuniram os moradores das comunidades que ficam dentro da Reserva Extrativista Tapajs-Arapiuns e os comunicaram de que sero proibidos de criar bois. Os moradores, que criam gado desde o sculo 18, ficaram indignados. Numa das reunies nas quais os moradores eram informados que tero de abandonar parte de sua cultura secular, um fiscal ambiental tirou uma pistola do coldre e colocou-a sobre a mesa sua frente enquanto falava. "Todos acham que foi para intimidar os moradores. Os comunitrios devero se reunir e prestar queixa na delegacia", disse lcio aos jornalistas de Santarm.
Em janeiro ltimo uma equipe de televiso que acompanhava uma operao do Ibama e da Fora Nacional de Segurana, em Novo Progresso, no Par foi detida pelos fiscais. O reprter Walteno de Oliveira, o cinegrafista, o auxiliar de cmera e o presidente da Associao de Produtores de Novo Progresso, Luiz Relfinchtain ficaram presos por mais de quatro horas na sede do Ibama e tiveram seus equipamentos confiscados e vistoriados. Os militares disseram que no podamos fazer as imagens, protestou Oliveira.
O filsofo e escritor francs, Albert Camus, no seu livro O Homem Revoltado, fez uma dura crtica ao abandono do humanismo em prol de sistemas filosficos abstratos e a uma incapacidade dos intelectuais comprometidos com esses sistemas filosficos de denunciarem suas ideologias. Camus se referia aos abusos cometidos atrs da cortina de ferro pelo totalitarismo marxista do leste europeu para os quais os intelectuais de esquerda da Europa ocidental faziam vistas grossas e chamou de crime perfeito aquele justificado e moralizado pela filosofia corrente.
A estratgia de ocupao jogada na Amaznia pelo governo brasileiro at os anos 80 tinha o
zeitgeist (esprito de poca, tendncias morais e sociais vigentes em determinado perodo) de antes das preocupaes ambientais se tornarem importantes. Brasileiros foram instados pelo governo a irem para o norte desmatar, plantar, produzir, desenvolver e se integrar sociedade como cidados. Muitos atenderam ao chamado do governo e se orgulham t-lo feito, e muito desmatamento houve na esteira desse processo. O desmatamento e o avano sobre a fronteira eram morais e legtimos poca e as geraes que sucederam os pioneiros, as economias locais, as mentes e as culturas desenvolvidas na regio nas ltimas dcadas, tm o velho esprito.
Mas hoje, o
zeitgeist outro. O desmatamento tornou-se imoral e ilegtimo e o Estado cobe a prtica ― que antes incentivou ― com toda a fora que consegue amealhar. O aparato repressor lana-se contra uma populao de brasileiros que cresceu com o antigo esprito e que no entende muito bem o que est acontecendo. So, de certa maneira, vtimas de uma mudana histrica abrupta e inexorvel.
Por ser mais fcil o Estado brasileiro optou simplesmente por oprimir o antigo comportamento predatrio sem deixar no seu lugar nenhuma alternativa de desenvolvimento econmico e integrao social baseada no novo
zeitgeist. O expurgo de Marcelncia, o assassinato de Josian, as ameaas denunciadas por lcio e a censura ao jornalista Walteno de Oliveira, so justificveis, morais e vm se tornando paulatinamente legtimos. o crime perfeito camusiano pintado de verde.
Por toda a Amaznia as operaes oficiais de proteo ambiental foram seguidas pela runa das economias locais com conseqncias na reduo dos empregos, da renda e das expectativas das pessoas. Em alguns municpios como Novo Progresso, Paragominas e Tailndia no Par, Buriticup no Maranho e Buritis em Rondnia, ocorreram insurreies populares. Todas elas, ou foram ignoradas, ou foram percebidas pela sociedade como reao dos destruidores da Amaznia contra a legtima estratgia de defesa ambiental do governo.
Tempos atrs o Ministrio da Justia atendeu solicitao do MMA e renovou autorizao para que a Fora Nacional de Segurana continue dando apoio ostensivo s operaes do Ibama na Amaznia. A portaria do Ministrio da Justia autoriza expressamente os agentes da Fora Nacional a usarem, se necessrio, armas letais.
O ambientalismo cobriu-se com uma espcie de manto de absolutismo moral. Tudo o que feito em prol da salvao do meio ambiente moral e potencialmente legtimo. Mesmo a ameaa, a restrio de direitos, o expurgo, a censura e o assassnio so justificveis. Estamos novamente na poca do crime perfeito. Nossos criminosos invocam a urgncia da salvao do planeta para justificar o que de outra maneira seria injustificvel, e ningum os denunciar.
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