O boi é
commodity. Na verdade, a arroba é
commodity, e
commodity é um produto primário, que não passa por muita industrialização, produzido e transportado em grandes volumes.
A tendência, no longíssimo prazo, é a perda de valor real do produto. Observe a figura 1.
De acordo com o IGP-DI, desde a criação do Real a inflação foi de 416%.
O custo da pecuária, de alta ou baixa tecnologia, subiu muito acima disso, em torno dos 550%, enquanto o boi em São Paulo subiu 420% no mesmo período. Entretanto, aqui vale uma ressalva.
Até antes da entressafra deste ano a alta do boi gordo somava 300%.
A estilingada dos preços para cima trouxe o valor da arroba a patamares recordes historicamente, melhorando as margens de maneira pontual, pois as altas, principalmente fortes, não duram para sempre.
Sendo assim, fica claro que os custos variaram acima da inflação. O boi, por sua vez, subiu praticamente o mesmo que a inflação. Levando em conta os custos, houve perda de margem real.
De 1970 até hoje, um pecuarista que manteve a escala de produção viu sua receita diminuir. Ele precisaria ter mais que dobrado a produção para apenas manter a mesma receita. Para manter o resultado, teria que ter aumentado ainda mais a escala, pois precisaria compensar também o aumento de custo.
Caminhamos para o aperto das margens, que tende a se agravar ao longo dos anos, por conta do aumento das pressões econômicas, das pressões sócio-ambientais e das exigências de mercado.
Sendo assim, são necessárias medidas para se manter na atividade e garantir que os resultados no longo prazo sejam positivos.
O pecuarista não exerce influência na formação dos preços pecuários.
Ele pode, porém, tentar aproveitar ou se antecipar a movimentos de preço mediante análise de mercado.
No entanto, sobre os custos de produção, ele pode e deve exercer influência. Para tanto, algumas ações se fazem necessárias:
Análise de mercado
É através da informação que se torna possível enxergar o rumo da atividade.
Deve-se procurar informações e dados fidedignos e atualizados.
Na maioria das vezes, informações erradas ou defasadas mais atrapalham do que ajudam, ou seja, não servem para nada.
É importante observar como anda o ciclo pecuário. Sabe-se que é difícil acertar com precisão o momento de virada do ciclo, mas inserir-se nele ajuda na tomada de decisões de longo prazo.
Informações como o PIB do setor agropecuário, principalmente o de insumos, o abate de matrizes, o preço do bezerro e a sua relação de troca com o boi gordo também são importantes indicadores.
É interessante observar a diferença entre os preços pagos pelo boi e as cotações da carne no atacado e no varejo, ou os chamados
spreads.(Figura 2).
A análise destas diferenças ajuda a evidenciar qual segmento está ficando com a melhor margem.
Observe que mesmo durante a crise de 2008, o valor recebido pelo mercado atacadista de carne sem osso, que é sempre mais alto em relação à arroba e ao equivalente físico (valor recebido pela carcaça, apenas), se distanciou ainda mais do preço pago pelo boi.
O preço do atacado sem osso recuou 2,5%, enquanto o boi e o equivalente físico caíram 10,8% e 8,6%, respectivamente.
Entretanto, no mesmo período, observa-se que o maior impacto ocorreu sobre o volume e o valor pago pela carne bovina exportada, o que abalou fortemente a saúde financeira dos frigoríficos exportadores. Observe a tabela 1.
Para desenvolver a análise dos diversos indicadores de mercado, é necessário atenção e disciplina para a coleta e organização de informações, caso você não possua uma plataforma com dados históricos disponíveis (Broadcast, Bloomberg, etc).
Nenhuma análise é viável sem que se tenha uma boa série de preços. Na falta desta série, a análise não teria suporte.
Tecnologia
Outro ponto importante é a aplicação de tecnologia objetivando o aumento de produtividade por área, a fim de ampliar as receitas, diluir os custos fixos, aumentar a eficiência do uso dos recursos naturais e liberar áreas para a agricultura. Observe a tabela 2.
De acordo com a simulação, considerando um rebanho estático, se a lotação animal dobrasse, seria possível liberar 98,5 milhões de hectares de pastagens para outras culturas ou atividades, mantendo a mesma produção em uma área menor.
Além da importância do aumento de produtividade por hectare, a liberação de áreas para a agricultura abre oportunidades para remunerar melhor o negócio em uma propriedade.
Onde antes havia apenas pecuária, a produção passa a incluir a agricultura ou reflorestamento, dependendo do caso.
Gestão
Integra todos os recursos, conhecimentos técnicos e esforços humanos, objetivando a maximização dos resultados.
A gestão de custos, a administração de propriedade e a utilização de ferramentas de proteção às oscilações de preços são fundamentais para atingir esse objetivo.
Vale destacar também que é necessário, para um bom sistema de gestão de risco de preço, aliar a análise de mercado à gestão dos custos de produção, principalmente quando um dos objetivos é o
hedge (seguro de preços) no mercado futuro.
Há grande importância em se planejar a atividade tomando como base os custos de produção, principalmente à medida que vai se aportando tecnologia. Quanto maior o nível tecnológico, maior a necessidade de proteção do risco.
Observe a simulação do custo de produção de uma cabeça confinada no início do segundo semestre de 2010, quando ninguém apostava que o boi chegaria a valer mais de R$100,00/@ em São Paulo.
Mesmo com o mercado ainda longe do topo, o conhecimento dos custos possibilita o planejamento do limite de preço que poderá ser pago pelo boi magro, além de dar possibilidade ao planejamento da margem de lucro.
Para os que consideram a possibilidade de se proteger, é interessante observar o preço do contrato outubro em junho quando comparado ao mercado físico, atingido em outubro.
Na maioria das vezes, é possível tirar melhores resultados em relação àqueles praticados no mercado físico.
E mesmo que isso não ocorra, o importante não é acertar o pico, mas sim proteger-se e garantir margem de lucro.
Ao longo dos anos, o mercado futuro tem sido uma boa forma de remuneração na maior parte das vezes.
Com exceção de 2002 e 2006, o mercado futuro mostrou oportunidade de ganhos mais altos do que o mercado físico. Para 2010, até este momento, a BM&F ainda não conseguiu alcançar o patamar do mercado físico, mas já deu excelentess oportunidades de proteção de preços.
De toda forma, houve 78% de chances de ganhar mais se protegendo através do mercado futuro do que especular aguardando o resultado do mercado físico.
Lobby setorial
Finalmente, mas igualmente importante, é a organização do setor.
Somente defendendo a imagem da pecuária, através da melhoria do ambiente de negócios (incentivos fiscais, desoneração, etc),
marketing institucional, aumento do poder de negociação, etc. será possível mudar a imagem da carne brasileira e aproveitar ao máximo a competitividade que o Brasil possui.
Resumindo, a atividade pecuária enfrenta diversos desafios, entretanto, o Brasil é extremamente competitivo perante seus concorrentes. E isso significa que há grande necessidade de organização e otimização dos recursos para aproveitar esse potencial ao máximo.
Com uma boa estratégia, análise de mercado eficiente e ferramentas de gestão de risco, a promessa de uma atividade bem remunerada e de margens melhores não fica assim, tão distante.