A notícia de que o Banco do Brasil aderiu à Moratória da Soja e, por isso, não concederá crédito a produtores que desmataram suas propriedades no bioma Amazônia, mesmo que estejam de acordo com o Código Florestal, indica uma questão que precisa ser seriamente pensada por todos os brasileiros: o desmatamento zero é possível? Ou, o Brasil quer o desmatamento zero?
É essencial discutir amplamente se os produtores que cumprirem com as regras do Código Florestal, respeitando as áreas de preservação permanente (APPs) e as áreas de reserva legal, serão rotulados como insustentáveis e não conseguirão crédito se desmatarem áreas remanescentes.
O argumento de que não é preciso derrubar mais florestas para expandir a produção agropecuária e de bioenergia é verdadeiro. E a enorme área de pastos (aproximadamente 180 milhões de hectares), somada à intensificação da pecuária, à recuperação de áreas degradadas e aos ganhos de produtividade oriundos dos aprimoramentos tecnológicos ajudam a entender porquê essa tese é verdadeira.
No entanto, é evidente que os produtores que possuem área preservada além do que é exigido pela lei contam com elas para a produção. Como “criminalizar”, não dar crédito e chamar de não sustentável quem protege as APPs, a área de reserva legal (80% do bioma Amazônia, 35% no Cerrado e 20% nos demais biomas), gera empregos, produz alimentos para a população brasileira e ainda gera excedentes para exportar, e, principalmente, cumpre uma legislação ambiental que é reconhecidamente moderna e rigorosa?
Esse ir além da lei, que é usual nas discussões de sustentabilidade, precisa ser ponderado com muito cuidado, pois a lei, no Brasil, considera a proteção ambiental como base e não como exceção.
Nas negociações do clima e de biodiversidade que acompanhei em 2010 nos projetos que o Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) desenvolve, os argumentos centrais são o desmatamento zero e a necessidade de proteger áreas de vegetação nativa para evitar perdas de biodiversidade. Não tenho dúvida alguma de que os países, os consumidores, as ONGs e o mercado assimilam essas demandas, e cobrarão seu cumprimento, a despeito da soberania do Brasil e do direito a desmatar de quem já cumpre a lei.
Isso significa que é preciso avançar - e muito - na discussão do Código Florestal, a fim de permitir que a compensação das áreas de reserva legal priorizem a criação de corredores ecológicos, de grandes áreas protegidas que conectem APPs e outras áreas de reserva legal, que favoreçam a preservação da biodiversidade, e, ao mesmo tempo, enxerguem as áreas produtivas de forma integrada com essa proteção.
Paralelamente, é preciso avançar na criação de mecanismos que quebrem a tendência do desmatamento, mesmo que legal.
Aí, a discussão infindável sobre Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (Redd plus) na Convenção do Clima que precisa ganhar projetos-piloto bem construídos, que envolvam a proteção da floresta, da biodiversidade, dos rios, dos povos indígenas e das comunidades locais, e, sobretudo, das pessoas que cultivam as áreas próximas a essas florestas, e que entendem claramente a importância do equilíbrio ecológico para sua atividade.
É somente com a valorização da floresta, da biodiversidade e dos serviços ambientais existentes nas propriedades rurais que a teoria do desmatamento zero poderá ganhar aplicabilidade.
Como a definição de sustentabilidade é extremamente complexa, o Brasil corre o risco de resolver os problemas com o Código Florestal e encontrar outro grande problema intimamente ligado a ele, que é a cobrança pelo desmatamento zero.
Isso já começa a acontecer, como mostra a Moratória da Soja e a restrição ao crédito imposta pelo Banco do Brasil. Aí, o produtor brasileiro terá duas opções: (I) ou cumpre o Código Florestal e continua sendo taxado como o vilão, como quem não quer proteger o meio ambiente; (II) ou abre mão de mais um pedaço de sua propriedade, e aí sim será rotulado como sustentável, poderá vender seus produtos sem barreiras, tomará crédito emprestado, e será um cidadão que vai além da lei.
Não existe caso como esse mundo afora. Cabe a toda a sociedade brasileira e ao governo refletir seriamente sobre isso. A demanda lá fora é por desmatamento zero, e é preciso avançar na criação de mecanismos que efetivamente permitam que o Brasil caminhe para isso, caso contrário, a batalha para reformular o Código Florestal não será ganha por completo.
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