A confusão que a mídia tem noticiado sobre a reforma do Código Florestal e novas catástrofes, como a vivida na região serrana do Rio de Janeiro, é tendenciosa e superficial. É muito fácil dizer que a mudança do clima, a ocupação irregular de áreas de risco e a agricultura são responsáveis pelos deslizamentos, como ressaltado por várias reportagens nos últimos dias. No entanto, em vez de fomentar mudanças concretas e sérias em diferentes níveis governamentais e também na sociedade, casos como o de Santa Catarina (2008), Angra dos Reis (2010) e agora da região serrana geram uma infinidade de desculpas e um empurra-empurra abominável para definir quem é culpado. Será o Código Florestal?
Quero me ater a dois fatores para tentar contribuir de forma realista para o debate. O primeiro deles motivado pela tendenciosa chamada de capa da Folha de S. Paulo, publicada no dia 16 de janeiro, intitulada Revisão do Código Florestal pode legalizar área de risco e ampliar chance de tragédia.
A reportagem perdeu a chance de entrar a fundo no debate sobre regularização urbana e o despreparo do Brasil para lidar com esses eventos extremos e pode confundir o leitor, tentando convencê-lo de que, se o Código for alterado, as catástrofes poderão se intensificar.
A proposta do novo Código Florestal não acaba com Áreas de Preservação Permanente (APPs) nas encostas com declividade superior a 45°, como dito na reportagem. Basta verificar o substitutivo do Projeto de Lei 1.876/1999 aprovado na Câmara para ver que a proposta mantém a mesma obrigação. A dificuldade diz respeito a como fazer as cidades e as áreas de risco se adequarem a essa regra.
A reportagem menciona que a redução das APPs ao longo dos rios e cursos d’água cria uma brecha para regularizar áreas ilegais, o que pode até ser verdade em certos casos. A alteração de 30 para 15 metros de APP ao longo de rios com menos de 5 metros de largura visa acolher milhares de produtores familiares e pequenas propriedades, é uma questão agrícola, e não urbanística.
A proposta do Código Florestal prevê que o poder público poderá declarar como APPs, por interesse social, áreas relevantes para conter a erosão do solo, proteger as restingas e várzeas, formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias, assegurar condições de bem-estar público, dentre outras necessidades. É justamente esse instrumento, pouco utilizado nas leis municipais de uso do solo e nos planos diretores, que pode garantir a preservação de APPs para regiões ameaçadas.
É preciso deixar claro, e o texto do jornal não faz isso, que os rios entre cinco e dez metros continuarão tendo uma APP de 30 metros e que os demais requisitos quanto ao tamanho das APPs ao longo dos rios são mantidos pelo projeto em discussão.
O desafio é fazer com que o poder público atue pro-ativamente, busque regularizar as ocupações ilegais, tenha recursos para fazer as desapropriações necessárias e trabalhe na prevenção de tragédias que podem ser, no mínimo, minimizadas. É preciso aplicar à risca o conceito de regularização fundiária contemplado na lei brasileira, e adequar assentamentos irregulares, visando garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A questão do topo de morro e da liberação da proteção em áreas de altitude superior a 1.800 metros realmente são modificações da proposta do Código que geram um intenso debate. Na prática, a isenção da APP em topo de morro e em altitudes elevadas visa regularizar a produção de café, de maçãs, de uvas e de outras culturas que, por várias razoes, ocupam estas áreas há décadas. Se não for possível produzir nessas regiões, a produção de vários alimentos cairá, a arrecadação de muitas cidades será fortemente afetada e milhares de pessoas terão de buscar outras atividades. Isso, na realidade, não é uma desculpa para não proteger áreas de risco, o que exige do poder público e dos produtores ações para garantir o controle da erosão e o manejo adequado de áreas sensíveis.
Novamente, vale lembrar que o poder público poderá declarar áreas no topo de morro e de altitudes elevadas como APPs, o que permitiria proteger regiões sensíveis a exemplo das encostas na região serrana do Rio. A falta de políticas de planejamento urbano é a grande pedra no sapato.
O segundo ponto que gostaria de destacar é o despreparo do estado brasileiro, nos diferentes níveis do governo, para lidar com essas catástrofes. O relatório
Hyogo Framework for Action 2005-2015, adotado na Conferência Mundial sobre Redução de Desastres, realizada em 2005, no Japão, prevê como ações centrais que devem ser adotadas pelos países: identificar e monitorar áreas de risco para permitir alertas antecipados; assegurar políticas de prevenção de desastres; usar a ciência, a inovação e a educação para criar uma cultura de segurança; preparar a sociedade para lidar com desastres naturais; e reduzir os fatores de risco mais evidentes.
No relatório de implementação do programa submetido pela Secretaria Nacional de Defesa Civil, em novembro de 2010, o Brasil aponta avanços na estrutura governamental responsável para lidar com desastres, mas reconhece a existência de limitações operacionais e restrições orçamentárias.
No entanto, não é mantendo o Código Florestal atual que essas catástrofes serão reduzidas. O Código não é aplicado por várias razões que precisam ser definitivamente resolvidas, e isso engloba não só a agricultura, mas também as cidades e seus infinitos problemas urbanísticos. Espero que a confusão sobre a reforma do Código motive sim uma revisão séria, que contemple a agricultura e as cidades de forma independente, e que o Brasil não desperdice a chance de criar uma lei florestal moderna e adequada às realidades do País, no campo e na cidade.
<< Notícia Anterior
Próxima Notícia >>