A data, recentemente definida, quase ninguém conhece. Já do feito, extraordinário, se sabe melhor. Comemorou-se agora, em 21 de fevereiro, o Dia do Imigrante Italiano. Faz recordar uma verdadeira epopéia.
A história da imigração italiana se inicia em meados do século 19. Nessa época se conjugam alguns fatores determinantes para explicar o fenômeno: de um lado, na Itália, o processo de reunificação pátria e as difíceis condições de vida camponesa; de outro lado, no Brasil, o fim do tráfico negreiro e a expansão da lavoura cafeeira. Juntou-se a fome com a vontade de comer.
O pioneirismo na busca de alternativa ao trabalho escravo no Brasil coube a Nicolau de Campos Vergueiro, que em 1847 trouxe 180 famílias oriundas de vários países europeus para trabalharem em sua fazenda, no município paulista de Limeira. A "colônia de parceria" por ele proposta, porém, não funcionou, endividando os imigrantes. Ocorrida em 1857, a Revolta de Ibicaba revelou o fracasso da inédita experiência.
Mas em 1850, com a Lei Eusébio de Queiróz, se proibia o tráfico negreiro. Agudizava a escassez de mão de obra, comprometendo o novo ciclo de progresso que chegava com a lavoura do café. Em 1870 as plantações, varando o Vale do Paraíba, já chegavam às terras planas e roxas de Campinas. Com ajuda do governo, os fazendeiros fizeram propaganda, vendendo um eldorado além-mar para os camponeses italianos.
A partir de 1874 começam a chegar levas de italianos, em navios apertados, fugindo de seu passado miserável, esperançosos de nova vida. Cativados, e em parte iludidos, pelo paraíso da economia cafeeira, entram no País perto de 1 milhão de imigrantes entre 1884 e 1904. O ritmo diminuiu depois, quando aportam mais 282 mil imigrantes entre 1904 e 1923.
O ciclo do café coloca São Paulo no centro da economia brasileira. Com a Lei Áurea (1888), a libertação dos escravos abre definitivo espaço para a transformação da sociedade agrária-exportadora. Trabalho livre, mas nem tanto, surge então o "colonato do café". Uma invenção brasileira.
Com os imigrantes, firma-se na economia cafeeira um regime de trabalho único. Os colonos recebiam em razão daquilo que zelavam e colhiam. Diferente do assalariamento, o ganho da italianada dependia da jornada cumprida. Podiam também, como meeiros, cultivar alimentos nas entrelinhas das novas plantações, ou em áreas marginais. Com moradia garantida.
Muitas narrativas se fazem dessa época. Umas homenageiam os vitoriosos, que ergueram fortunas. Outras relatam as durezas da vida do colono, todas recheadas pelas tristezas da saudade. Meio século de rica história. Quando, na grande crise de 1929/1930, desmorona a economia cafeeira, tudo se modifica. Mas novas chances surgem com a quebradeira da oligarquia. Os latifúndios se repartem. Os oriundis prosperam.
Lorenzo Battistella, meu bisavô materno, foi um deles. Acompanhando sua família, desembarcou aos 4 anos de idade na Hospedaria dos Imigrantes do Bráz, em São Paulo, seguindo de trem até o município de Araras. Era 1888. Vindos de Bibano, pobre e distante bairro rural encravado no Vêneto, ele acompanhava um grupo de 37 pessoas destinadas a trabalhar como colonos na Fazenda Sta. Cruz.
A jornada varava o dia, machucava as mãos, mas rendia economias. Apenas quatro anos mais tarde, em 1892, a família Battistella adquire um pequeno sítio no bairro do Facão. O sonho da posse da terra, alimentado desde a viagem da Itália, logo se realizava. Incansáveis na labuta e muquiranas no dinheiro compraram ainda mais duas pequenas fazendas. Em 1909, a sociedade familiar se divide e Luca, meu tataravô, compra a Fazenda Pinhalzinho. Nela nasceu Ignez Battistella, minha mãe.
Naquela mesma época, noutro pedaço do município da Araras, crescia Domingos Graziano, meu bisavô paterno, cuja família havia chegado de Pianópoli, pequeno e pobre distrito de Catanzaro, na Calábria. Almejavam, igualmente, adentrar na roda da fortuna alimentada pelo ciclo do café. A avassaladora economia cafeeira se preparava para dominar Ribeirão Preto. Pele morena, acostumados à dureza da labuta rural, os calabreses prosperaram.
Café, milho, farinha de mandioca e amidonaria, porcos e galinhas, alambique de pinga, olaria de tijolos, criação de burros, plantio de eucaliptos. Os laboriosos imigrantes retiravam da diversificação produtiva sua vantagem. Essa característica agrícola do camponês europeu, baseada na autossuficiência, contraposta ao ideal especializado da grande propriedade rural, acabou moldando a cultura do agricultor brasileiro.
Especialmente as Regiões Sudeste e Sul seriam bem diferentes sem a contribuição itálica. Afora a enorme influência na criação de riquezas durante a economia agrária-exportadora, descobrem-se atualmente na linguagem, na pizza ou na macarronada, nas mãos falantes ou na risada fácil, no modo do caipira falar traços característicos da cultura italiana.
Tal ascendência caracteriza cerca de 25 milhões de brasileiros. Entre os paulistas, o sangue vêneto, calabrês, siciliano, entre tantas origens, corre nas veias de 30% da população. Mais pronunciado no Espírito Santo, lá a descendência atinge 65% dos capixabas; em Santa Catarina monta a 60%; no Paraná, 39%. Tutti buona gente!
Fica aqui a homenagem - e o respeito - às famílias italianas que ajudaram a construir o Brasil. Resta também um alerta: nem sempre a sociedade brasileira, tão contaminada pelos dilemas e desafios da modernidade, valoriza suas origens. Talvez, mesmo, muitos descendentes desconheçam sua própria história, esquecendo seus antepassados.
Despreza o futuro quem olvida seu berço.