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Scot Consultoria

Arroto do boi


Terça-feira, 3 de maio de 2011 - 11h58


Um grupo de manifestantes se destacava nos frios arredores da Conferncia da ONU sobre Mudanas Climticas realizada em Copenhague (2009). Eram vegetarianos. Eles distribuam panfletos com um argumento impressionante: 82% do aquecimento global cessaria se o mundo deixasse de comer carne. Ser verdade? Certamente que no. Mas a esdrxula tese se acompanhava por textos bem ilustrados, daqueles que viajam longe na internet. Aqui mora o perigo. Nesta poca em que as informaes fluem rapidamente, o zelo pela consistncia do conhecimento torna-se crucial. Uma preciosidade ou uma bobagem percorrem o mundo em minutos. Ainda mais se a linguagem for curiosa, excntrica ou os nmeros, chamativos, estrondosos. A mudana climtica que afeta o planeta configura um problema relativamente recente para a pesquisa cientfica. Modelos utilizados nas estimativas e suposies ganham veracidade, mas, no fundo, ainda falta muito para ser descoberto, mensurado e comprovado sobre o fenmeno ambiental. Um grande desafio da cincia. Vejam o caso do gs metano (CH4) na pecuria. Oriundo da decomposio anaerbica - sem a presena de oxignio - de matria orgnica, o metano surge, entre outras fontes, da ruminao animal. Ao ingerir pastagem, o estmago duplo do gado realiza uma fermentao digestiva que libera metano. O bicho, ento, arrota. Solto na atmosfera, o inodoro gs apresenta um terrvel problema: sua concentrao agrava o efeito estufa. Conforme os cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudana do Clima (IPCC) consagraram, o potencial de aquecimento (GWP100) do metano 23 vezes maior que o do gs carbnico, ou dixido de carbono (CO2). Concluso: a pecuria afeta o clima da Terra. Os pesquisadores buscam mtodos eficientes para calcular quanto os animais expelem de metano. Essa quantidade parece depender, essencialmente, da dieta do bicho. Uma alimentao baseada em massa verde, como por aqui, difere daquela onde predomina a rao servida no cocho. Com certeza a bufada do boi europeu ecoa mais longe. A Embrapa e o Instituto de Zootecnia de So Paulo, entre outros, debruam-se sobre essas pesquisas recentes a respeito da eructao bovina, como tecnicamente se denomina o arroto do gado. Internacionalmente, enquanto no se purificam os dados, aceita-se que cada animal adulto, em mdia, produza 57 kg de metano/ano. No mundo, multiplicada pelo rebanho total, estimou-se que a emisso de gases de efeito estufa (GEE) advinda do processo entrico dos animais, somada decomposio dos seus dejetos orgnicos, represente 29,7% das emisses do metano com origem antrpica. Significaria cerca de 9% do fenmeno global do aquecimento. curioso saber que, dentre as emisses mundiais de metano, outros 16% se originam nas culturas irrigadas de arroz, especialmente das vrzeas asiticas. Se os humanos apreciadores de carne quisessem, encontrariam na razo ambiental um argumento poderoso para se opor ao consumo de arroz. Algum topa uma campanha ridcula dessas? A conversa fiada ambiental contra a pecuria derrete-se de vez quando se consideram os estudos do cientista brasileiro Luiz Gylvan Meira Filho. Ex-presidente do comit cientfico do IPCC, o renomado professor explica que o efeito estufa atribudo ao gs metano foi inicialmente calculado supondo-se um sistema fechado, sem perda de calor, distinto da realidade do planeta, onde os raios infravermelhos afetam a equao fsica. Radiao de corpo negro chama-se o fenmeno em questo. Baseado na literatura internacional, ele argumenta que, ao contrrio do originalmente estabelecido, o verdadeiro potencial de aquecimento do metano situa-se entre quatro e cinco vezes o equivalente em CO2, e no 23 vezes, conforme anotado pelo IPCC. A diferena enorme. Tem mais. O Centro de Estudos Avanados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq) realizou um estudo primoroso sobre esse assunto na pecuria de corte. Seus tcnicos analisaram no apenas as emisses oriundas da atividade, mas calcularam tambm a absoro de carbono que ocorre no crescimento das pastagens. O "balano" ambiental assim calculado indica que quase metade das emisses de GEE (106, ante 221 Mt CO2 eq/ano) se compensa pelo sequestro de carbono acumulado nas gramneas. O resultado vale igualmente para toda a agropecuria. Os vegetais, por meio do processo bioqumico da fotossntese, captam energia solar e a transformam em energia vital, absorvendo CO2 e liberando oxignio. por isso que para os agrnomos, como eu, o gs carbnico o gs da vida, jamais um poluente. Embora fundamental para os inventrios sobre o aquecimento global, essa contabilidade de duas vias, com entrada e sada de carbono, no aceita na metodologia oficial do IPCC, que considera apenas as emisses de gases. Acredite se quiser. Na cincia, o mtodo sempre fundamental. Mas o rigor cientfico anda cutucado atualmente por uma espcie de chutmetro que na web encontra campo frtil de disseminao. Com a tragdia do "copia e cola", muita asneira veiculada na rede acaba, desgraadamente, afetando o ensino nas escolas e influenciando a imprensa mais descuidada. As novas descobertas sobre o potencial de aquecimento do metano e a incluso do sequestro de carbono na agricultura acabaro por jogar na lata de lixo cientfico todas as estimativas realizadas at ento. Sorte da agricultura. Concluso: a influncia deletria da boiada, que j nem era to grande quanto propalada por seus crticos vegetarianos, cair, segundo as recentes consideraes cientficas, no mnimo, dez vezes. Respeite os vegetarianos, mas pode comer bife sem dor na conscincia.
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