Nas discussões sobre a mudança no Link no Glossário Código Florestal, podemos observar dois traços, tipicamente brasileiros: nosso contentamento com leis fortes que só existem no papel e nossa visão romântica do mundo, sustentada pelo embate entre o bem e o mal.
No geral, nós brasileiros nos sentimos confortáveis com a simples existência das leis no papel e não nos importamos se elas produzirão real efeito jurídico. O debate sobre a mudança no Código Florestal evidencia esse nosso gosto: preferimos manter os textos draconianos a criar leis que permitam a adesão daqueles que não as respeitam. Esquecemo-nos, muitas vezes, de que vivemos em um país cuja pluralidade é traço marcante. Para acomodarmos diversos atores, que possuem diversas e diferentes demandas, devemos encontrar um denominador comum.
O Código Florestal em vigor não possui dispositivos claros para auxiliar os produtores que querem se adequar. As exigências para adequação são desproporcionalmente onerosas e restritivas para o produtor, que não deveria arcar sozinho com os custos de manutenção de um bem que é de todos: o meio ambiente. A mudança no Código propõe reincorporar esses agentes – os agricultores – mantendo-se grande parte do texto, permitindo-se apenas certas flexibilizações pontuais sem as quais a inobservância da lei se perpetuará. No entanto, muitos de nós preferimos manter a ilegalidade, em nome da robustez da lei, a dar um voto de confiança a quem quer se adequar a ela. Seria essa a melhor estratégia a ser adotada num regime democrático?
No plano legal, é preciso que a legislação vigente contemple a pluralidade, distribuindo direitos e deveres de maneira equilibrada a todos os atores. Boas leis não são aquelas que priorizam ganhos absolutos: são aquelas que estimulam a adesão daqueles que a desrespeitem e que, por contemplar a diversidade, produzem reais efeitos jurídicos. Quando se buscam ganhos absolutos, privilegiam-se alguns setores apenas, colocando outros setores à margem do sistema legal, inviabilizando ou desestimulando o cumprimento da lei. Por essa razão, concessões devem ser feitas por todos os atores, para que os ganhos relativos sejam ganhos reais a todos.
Além disso, padecemos, no Brasil, de um terrível mal: o dos estereótipos. Estes são sempre acompanhados de ingênuo maniqueísmo. É preciso abandoná-los para que a discussão sobre a mudança do Código Florestal seja conduzida de maneira séria. Por que produção agrícola e conservação ambiental devem estar em pólos opostos? Porque não suportamos a realidade sem que haja um vilão da novela das oito. No caso do Código Florestal, o vilão é sempre o agricultor, cuja motosserra não perdoa ninguém.
O agro e ocupação da terra são temas sensíveis na história do Brasil. Nosso modelo de colonização, baseado em trabalho escravo, em grande propriedade voltada à exportação, concentrada nas mãos de poucos, deu ao agricultor o eterno semblante de coronel escravocrata, aos moldes daquele descrito por Gilberto Freyre.
Por mais que essa realidade tenha mudado drasticamente – muitos dos grandes produtores do Mato Grosso eram pequenos produtores no Rio Grande do Sul e Paraná que prosperaram ao migrar para o Centro Oeste – ela não se apagou do imaginário de muitos brasileiros. Nossa tendência em associar a agricultura a instituições arcaicas faz que nos esqueçamos de que foi justamente da terra que vieram os recursos para muitos dos avanços ocorridos no País. O que teria sido da industrialização sem as divisas geradas pelo café, no começo do Século XX?
O fato é que o agro mudou, modernizou-se, teve saltos de Link no Glossário produtividade, tem adotado gradativamente práticas sustentáveis (o Link no Glossário plantio direto é um exemplo) e hoje emprega mão de obra cada vez mais qualificada e mais bem remunerada. Essa agricultura deve ser incentivada e, para isso, são necessárias regras claras. A participação do Estado é fundamental e imprescindível nesse processo. Ele não deve atuar apenas como legislador, mas também como fiscalizador constante e agente que busca equilibrar as demandas da sociedade.
As mudanças no Código Florestal devem ser feitas de forma a conciliar conservação ambiental com o agro responsável, que tem deve ter compromisso com a sustentabilidade. O agro predatório deve ser enquadrado pela lei, que não só deve puni-lo como educá-lo. A discussão na mudança da lei florestal não deve ser vista como embate entre bem e o mal, o agro e a floresta, pois além de ser falso e anacrônico esse maniqueísmo não contribui pragmaticamente ao debate.
Devemos pressionar por mudanças no Código que facilitem a regularização daqueles que estão à margem da lei, sem que isso signifique desequilíbrio entre o meio ambiente e a produção. Isso não quer dizer que não haverá punição àqueles que a desrespeitarem: dar incentivos à regularização não devem ser confundidos com anistia. Quem desmatou ilegalmente deverá se adequar ao novo Código, seguindo um plano de regularização ambiental. Se ainda assim não houver cumprimento da lei, punição deve ser rígida. Deve-se dar um voto de confiança àqueles que buscarem se adequar, e efetivamente punir quem não seguir a nova lei.
Se a reforma do Código Florestal for conduzida de maneira séria, pressupondo constante diálogo com todas as partes envolvidas, é possível conciliar conservação ambiental e produção de alimentos. O momento exige pragmatismo e responsabilidade, e não a beleza das letras.
Fonte: RedeAgro. Escrito por Isabella Franchini. 30 de junho de 2011.
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