Fazia 25 anos que eu não passava um dia no Museu de História Natural em Nova York. Lá, as crianças correm entre elefantes, leões, esqueletos de enormes dinossauros e baleias em tamanho real pendurados em um oceano profundo. E os pais correm atrás. Era a hora de levar meu filho mais novo.
No táxi, como sempre ocorre quando revisitamos um lugar muito querido, fiquei com medo de me decepcionar. Será que áudios, vídeos e jogos interativos teriam substituído as cenas bucólicas criadas no início do século 20? Será que ainda encontraria o grupo de hienas e abutres empalhados, devorando um zebra embalsamada, sobre um palco de areia manchada de sangue, montado na frente de um fundo infinito pintado com a paisagem de uma savana africana? Teriam sobrevivido à avalanche politicamente correta que cobriu o território norte-americano? Mas o museu não decepcionou. Está melhor, não por causa das novas tecnologias, mas porque montou um contra-ataque eficaz ao movimento criacionista.
Há 25 anos, paleontólogos, geneticistas, ecologistas e estudiosos da evolução das espécies tinham uma vida tranquila. O darwinismo, após as décadas de polêmicas que sucederam à publicação dos primeiros livros de Darwin, parecia ter sido aceito.
Focos de resistência ainda existiam entre os seguidores de algumas religiões, mas eram cada vez mais raros. A Suprema Corte dos EUA, com base na separação do Estado e da religião, havia banido o ensino do criacionismo nas escolas.
Mas foi então que surgiu um movimento nos EUA que pregava o direito dos alunos de aprender que a evolução das espécies e o processo de seleção natural não passavam de uma entre as diversas explicações para a origem da biodiversidade existente na Terra. A estratégia visava a burlar a decisão da Suprema Corte.
Como nos EUA cada comunidade pode decidir o que é ensinado nas suas escolas, os adeptos do "design inteligente" passaram a influenciar os conselhos de cada distrito escolar - não com o objetivo de abolir o ensino da evolução darwiniana, mas forçando os professores a ensinar que poderia haver outras explicações para o surgimento de animais e órgãos tão complexos.
E, claro, uma dessas explicações seria o design inteligente, a ideia de que algo tão complexo como a vida só poderia ter sido criada por um ser superior.
Convencimento. Os cientistas resolveram que não bastava lutar na Justiça e em cada distrito escolar. Era necessário usar o poder de convencimento da observação direta, da explicação e da educação e convencer a população de que o darwinismo era uma explicação melhor, baseada em dados e experimentos.
O Museu de História Natural foi um dos líderes nessa contrainsurgência. Grande parte do material exposto foi reorganizado para demonstrar como os fósseis sugerem que as espécies mudam. A sequência dos ancestrais do cavalo, mostrando como cada um dos quatro dedos das patas foi atrofiando, sobrando o dedo médio com uma enorme unha que hoje chamamos de casco, não está mais em um corredor lateral: ganhou um espaço mais nobre e um rico material audiovisual.
Um filme narrado por Merryl Streep serve de introdução à arvore evolutiva dos vertebrados, representada nos corredores das salas de esqueletos. Dezenas de pequenas modificações na forma como o material está exposto fazem com que o visitante examine um a um os argumentos usados por Darwin para formular a teoria da evolução. O material que antes parecia alojado nas diversas salas agora conta uma história, com a integração das mudanças morfológicas às do meio ambiente, as interações entre as espécies e sua fisiologia.
O Museu de História Natural ficou melhor. E grande parte dessa melhora se deve à pressão exercida pelo movimento a favor do design inteligente. Ele forçou os cientista e museólogos a encontrar maneiras didáticas de contar como e por que Darwin e seus sucessores concluíram que a seleção natural é ainda a melhor explicação para o que ocorreu na Terra desde que a vida surgiu, há cerca de 3 bilhões de anos. Assim, só me resta expressar aqui meu agradecimento aos criacionistas.
Publicado pelo jornal O Estado de São Paulo em 14 de julho de 2011.