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Scot Consultoria

Commodities e autopunição


Quarta-feira, 20 de julho de 2011 - 09h16

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


O Brasil vive um momento de autopunição na economia. Ao setor de commodities, o mais competitivo e em franca expansão internacional, foi atribuída à culpa pelas crescentes importações de bens de consumo. O Brasil estaria dando um passo para trás porque importa produtos de alta tecnologia, gerando empregos "de qualidade" nos outros países, e exporta matérias-primas, supostamente desprovidas dessas características. Nessa visão, quanto mais o Brasil expande sua produção de commodities agropecuárias, florestais e minerais, aproveitando o bom momento de preços mundiais, mais os setores industriais produtores de bens de consumo deixam de crescer. Essa é uma visão tão atraente que pessoas esclarecidas chegaram a afagá-la. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista ao Estado no início de julho, lamentou en passant a resiliência do Brasil à ideia de voltar a ser uma economia produtora de matérias-primas, sugerindo que existem setores detentores de mais tecnologia e inovação, que não são os de commodities. O experiente embaixador Sergio Amaral, no XXIII Fórum Nacional, sensível às dificuldades da indústria manufatureira, perguntou se o País poderia aceitar "o declínio ou mesmo a extinção de setores industriais relevantes para o emprego e o desenvolvimento". Na sequência mencionou a Austrália, grande produtora de commodities, que estaria tomando medidas para "corrigir distorções" causadas pelas crescentes exportações desses produtos. Mencionou, também, que não faria sentido reduzir as exportações de matérias-primas - ainda bem! -, apesar de insistir na ideia de que é preciso agregar valor às exportações brasileiras. Os comentários de Amaral tocam em dois pontos mencionados no primeiro parágrafo. O primeiro está baseado numa questão complexa que, quando simplificada, nos leva à mesma conclusão do embaixador: a de que crescentes superávits comerciais nas exportações de matérias-primas causam distorções na economia, as quais vêm em prejuízo dos setores de bens de consumo. O segundo comentário, embora posto na perspectiva de comércio internacional, bebe da mesma fonte do ex-presidente FHC: a de que os setores produtores de commodities não agregam valor. O Brasil vive um momento de expansão da produção e exportação commodities - produtos do agro, minerais e combustíveis. Esses setores, que juntos totalizaram 71% das exportações brasileiras em 2010, vêm ganhando relevância na pauta exportadora. Do lado das importações, os bens de consumo e, mais timidamente, os bens de capital são os que estão crescendo. As matérias primas, no entanto, ainda são 55% do total importado pelo Brasil. Ou seja, embora em crescimento, o volume de importação de bens de consumo e de bens de capitais ainda é menor que o de commodities. Como os preços das commodities estão em alta - lembrando que eles são mais elevados do lado exportador que do importador -, o que não ocorre com os preços dos bens de consumo e de capital, os termos de troca sobem, favorecendo a atração de investimentos para os setores de commodities, estimulando ainda mais o crescimento da produção e da exportação. Esse investimento hoje será produção, emprego e renda amanhã. No Brasil atual, o fenômeno do aumento dos termos de troca não é uma distorção. Não só porque os preços das commodities mais cedo ou mais tarde caem (pois esse fenômeno é resultado do movimento cíclico de seus preços), mas também porque a demanda segue em crescimento, estimulando e financiando a expansão de todos os setores da economia. Vale lembrar que importações de bens de capital significam melhoria tecnológica e aumento da capacidade produtiva. Além disso, se a razão de fundo para imaginar que o crescimento das exportações de commodities e das importações de bens de consumo seja o câmbio, há evidências macroeconômicas mais relevantes para justificar nossa taxa de câmbio valorizada que não são explicadas pela conjuntura de curto prazo. Quando falamos em commodities, é quase inevitável a visão de que esses produtos têm pouco valor agregado, baixo conteúdo tecnológico, pouca inovação e não geram empregos de qualidade. O Brasil precisa superar essa noção, que enxerga os setores intensivos em recursos naturais como exploradores da natureza e competitivos apenas porque o recurso natural é barato e abundante. Talvez ela fizesse algum sentido nos primórdios da industrialização brasileira. Hoje é ultrapassada e enviesada. Em primeiro lugar, porque nada garante que a indústria de bens de consumo agregue mais valor do que os setores de commodities. Sem dúvida, algumas delas têm longas cadeias produtivas, conectando vários setores e serviços. Mas isso não quer dizer que sejam sinônimo de inovação e incorporação de tecnologia nacional. Setores produtores de commodities, como o agro, também têm longas cadeias produtivas, caracterizadas por elevado grau de inovação na indústria de insumos e na aplicação da tecnologia dentro da porteira. Além disso, não se pode deixar de lado o crescimento dos setores de serviços, o desenvolvimento no interior do Brasil e na infraestrutura logística, diretamente ligados às commodities. Isso também gera emprego de qualidade. Por fim, não custa lembrar, como defendido por Marcos Jank e Maurice Costin em artigo publicado no Estado em 2004, que a agricultura é indústria. Quando as commodities do agro vão bem, vários setores da indústria de bens de capital e de bens de consumo também vão bem. É claro que o País precisa desenvolver sua indústria, buscar a inovação e o avanço tecnológico. Mas não é batizando as commodities de culpadas que se vão desenvolver todos os outros setores. Assim, reafirmo que o crescimento e a inserção internacional do agro são condição para o crescimento sustentado, não uma condenação. Publicado no jornal O Estado de São Paulo no dia 20 de julho de 2011.
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