Desde a aprovação do projeto do Código Florestal na Câmara dos Deputados, em maio deste ano, temos participado do maior número possível de debates e diálogos com diversas partes interessadas no tema. Baixada a poeira dos momentos mais quentes que se seguiram à aprovação, e reduzido o movimento que caracteriza o texto aprovado como um "liberou geral" para os produtores, já se tem clareza dos temas sobre os quais o Senado deverá debruçar-se na apresentação de um texto modificado.
Podemos separar em três as abordagens de alteração do texto em negociação no Senado. A existência de três senadores relatores, Comissões de Agricultura, Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia, de certa forma, espelha tais abordagens. A primeira defende a ideia de que o texto legal precisa ser aprimorado, mas sem alterar seu mérito, ou seja, sem mudar os objetivos já definidos no texto aprovado na Câmara. A segunda abordagem defende aprimoramentos, ou para tornar mais restritivos os critérios que permitem a consolidação de atividades antrópicas, sobretudo nas áreas de preservação permanente (APPs), ou para fortalecer os instrumentos que garantirão a efetividade da aplicação da nova lei. A terceira defende a introdução de elementos novos no Código Florestal, principalmente no que diz respeito aos incentivos econômicos para conservação, sobretudo pagamento por serviços ambientais e o mecanismo de Redd+.
O texto aprovado na Câmara cria um conceito novo e fundamental para reduzir a insegurança jurídica dos produtores: área consolidada com ocupação antrópica. Juntamente com a introdução desse conceito, estabelece um conjunto de medidas que permitem a regularização de áreas que, pelas disposições do código atual, estariam ilegais. A primeira é o reconhecimento de que a legislação mudou no tempo e, portanto, reconhece que áreas desmatadas legalmente pela lei vigente à época não devem ser objeto de recomposição. A segunda é que existem atividades localizadas em áreas de APPs que devem ser mantidas, por serem praticadas há muito tempo e serem de baixo impacto ambiental. Além disso, o novo código facilita a regularização das propriedades, facultando o cômputo das APPs existentes na reserva legal (RL) e permitindo a compensação da RL no mesmo bioma. Tudo isso foi criado para eliminar a necessidade de recomposição de vegetação nativa dentro de cada propriedade, que é a situação de fato hoje existente sob o código vigente, a qual acarretaria enormes perdas econômicas para os consumidores e municípios pela substituição de atividades produtivas.
Esse é um ponto que merece esclarecimento. Contrariamente ao afirmado por Ana Valéria Araújo no caderno Aliás de 7/8, a reforma do código não é defendida para liberar mais área para produção. Até porque o texto aprovado na Câmara não altera em nada as regras para abertura de novas áreas, nem mesmo nas APPs. Ela é defendida porque o código corrente tem enorme potencial de deslocar área produtiva, resultando num efeito que ninguém quer: transformar em vegetação nativa áreas aptas e já utilizadas para produção.
Embora haja estudos científicos mostrando que existe um grande contingente de terras não aptas para produção agrícola, principalmente ocupadas com pastagens, que poderia ser utilizado para fins de recomposição e regeneração de reservas legais, a RL fora da propriedade sempre será tratada como exceção no código vigente, restringindo seu uso.
Agregar o olhar da ciência, como defendeu o senador Eduardo Braga em artigo na Folha de S.Paulo, significa incluir referências científicas na argumentação em favor dos aprimoramentos que precisam ser feitos no texto que sairá do Senado, e não usar os estudos científicos para defender a recomposição a qualquer custo nos moldes do código vigente. Conforme comentamos, é preciso fazer aprimoramentos no texto, sobretudo no tratamento dado à consolidação das atividades produtivas em APPs. Tais aprimoramentos poderão, naturalmente, ser vistos com desconfiança por alguns representantes de setores produtivos, e argumentos científicos racionais, desde que colocados de forma equilibrada e com objetivo de contribuir para a reforma - e não negá-la -, facilitarão muito a aceitação deles.
Os aprimoramentos que temos defendido são o fortalecimento do Cadastro Ambiental Rural e do Programa de Regularização Ambiental, para garantir que ambos saiam do papel e se transformem nos elementos que promovam a efetividade do novo código. Preferimos uma lei mais simples, mas com maior grau de cumprimento, a uma lei complexa de difícil implementação.
A outra abordagem de aprimoramento se refere à consolidação de atividades produtivas em APPs. O código aprovado na Câmara, em nossa opinião, endereça corretamente as situações de atividades florestais, culturas de espécies lenhosas, perenes ou de ciclo longo, que hoje ocupam APPs e precisam ser regularizadas, bem como as situações de agricultura praticada em várzeas. No entanto, diante da dificuldade de acomodar outras consolidações porventura legítimas, o texto acabou por flexibilizar demais, tornando a possibilidade de consolidação disponível para todas as atividades produtivas.
Quando compreendemos que 65% da vegetação natural ainda existente no Brasil está em áreas privadas, reconhecemos que é fundamental criar incentivos econômicos para estimular os proprietários a conservar além das exigências impostas pela lei. Utilizar o novo código como veículo para tirar os incentivos econômicos do papel é uma boa ideia, sobretudo para premiar aqueles produtores que estão legais na vigência do código corrente. Somos defensores dessa ideia, desde que ela não seja uma desculpa para atrasar a promulgação do novo Código Florestal ainda este ano.
* Por André Meloni Nassar e Rodrigo A. C. Lima
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