Vai comear a primavera. Mais quente e mida, a poca das flores renova as cores da natureza e rejuvenesce a biodiversidade. Podem verificar: as rvores j vestiram seus novos trajes. Para as abelhas tempo de fabricar o mel.
A apicultura representa uma antiga atividade humana. Recebeu a ateno pioneira dos regulamentos de Slon, na Grcia, fixando a distncia mnima, de 90 metros, entre as colmeias l exploradas. Utilizado o mel em cerimnias sagradas e na medicina, as abelhas despertaram tambm a curiosidade de Aristteles, sabido estudioso da entomologia, a cincia dos insetos.
No Brasil, a histria da apicultura comeou, pra valer, em 1840. Foi quando aqui chegaram, trazidas pelo padre Antnio Carneiro, da regio lusitana do Porto, as primeiras rainhas de abelhas europeias. Logo depois, os imigrantes alemes e italianos introduziram novas espcies melferas, prprias de suas regies de origem.
Junto vieram os inchaos. Acontece que nem toda abelha tem ferro. As espcies do gnero Apis, exticas, carregam dardos venenosos, ao contrrio das abelhas nativas, pertencentes ao gnero Melipos, que so mansas, como a pequenina jata. Por isso na meliponicultura nem se utilizam roupas protetoras, imprescindveis na apicultura.
Um acidente mudou a apicultura nacional h cerca de 50 anos. Introduzidas por cientistas liderados por Warwick Kerr, as abelhas africanas, mais produtivas, porm muito bravas, escapuliram dos laboratrios, enxameando-se livremente nas matas. Agressivas, causaram pavor na populao. Foram denominadas, na poca, de "abelhas assassinas". Assunto de bombeiros.
Durante dcadas, porm, a contnua mestiagem entre as abelhas europeias, amarelas, e as negras africanas foi "amansando" o enxame nacional. Hoje o Brasil produz 50 mil toneladas por ano de mel, ocupando o 11 lugar no
ranking mundial.
pouco. O pas poderia, segundo os estudiosos, quadruplicar a sua produo.
Insetos sociais, as abelhas vivem em colnias, organizadas em castas, cada qual com funes delimitadas. Normalmente existem na colmeia milhares de operrias, algumas centenas de zanges e apenas uma rainha. Esta vinga da operria, alimentada com geleia real. Logo aps o seu nascimento, entre cinco e sete dias, ela realiza o voo nupcial e, a dez metros de altura, se v cercada por uma nuvem de zanges, atrados de longe pelo odor de seu feromnio sexual.
A morte o presente do felizardo zango que a copula, dilacerado em seu abdmen pelo ferro preso ao corpo da rainha. Em contrapartida, seu smen permanecer ativo durante toda a vida til da fmea, cerca de trs anos. Fora isso, os zanges no servem para mais nada. So as operrias que cuidam de todo o trabalho de manuteno e proteo da colmeia. Curioso o mundo das abelhas.
Pouca gente, bvio, conhece as artimanhas da sociedade apcola. Mas sabe que o delicioso alimento dos enxames se fabrica a partir do nctar das flores.
Desconhece, ainda assim, que, aps ser recolhido, o nctar "mastigado" pelas abelhas, momento em que nele se juntam as secrees glandulares dos insetos. Depois segue "cuspido" e concentrado nos alvolos do favo. Cada flor, um aroma, uma cor. Segredo delicioso.
Mais que na qualidade, na veracidade do mel reside um grande desafio da apicultura atual. Anlises de laboratrio mostram que chega a 80% a falsificao vista no mercado. Vende-se como mel legtimo uma gororoba que mistura xarope de acar com amido (para dar viscosidade), artificializado com odor e cor. At desinfetante com cheiro de eucalipto j se encontrou no produto dos picaretas.
Distinguir, visualmente, mel puro da meleca falsificada no tarefa fcil. Alguns pensam que mel endurecido ruim. Ledo engano. Mel puro sempre tende a se cristalizar, mas uniformemente. Se formar pelotas, a, sim, malandragem. Os tcnicos ensinam a pingar umas gotas de iodo no produto. Se ele enegrecer, significa que apresenta amido, portanto, falso.
S existe uma sada para enfrentar essa malandragem: identificar a origem do produto. Nesse sentido, um selo de qualidade seria bem-vindo. Enquanto isso, a fiscalizao sanitria poderia funcionar melhor. E o consumidor, esperto, fugir da pechincha. Mel bom custa caro. Palavra das abelhas.
Uma ameaa ecolgica apavora os apicultores. Em vrias partes do mundo, enxames de abelhas perecem sem que se conhea, ao certo, a causa da mortandade. Desde 2006, o mistrio da "desordem de colapso de colnia" afeta a populao das abelhas. Inseticidas, perdas de hbitat, mudanas no clima, nutrio e at sinais emitidos por celulares se colocam entre os suspeitos da morte dos enxames. Os bichinhos somem sem deixarem seus restos mortais. Simplesmente desaparecem.
Ainda no relatado cientificamente por aqui, o terrvel fenmeno poder afetar no apenas a produo mundial de mel, mas tambm comprometer a produtividade das lavouras. Acontece que, em sua labuta diria de coletar nctar das flores, as abelhas ajudam na fertilizao vegetal, melhorando a frutificao. Plen de uma flor encontra os vulos de outra, distante, graas ao trabalho das abelhas. Gratuito.
Pesquisadores relatam acrscimos de at 94% na produtividade de pomares de macieiras e pessegueiros quando neles se alojam colnias de abelhas. Em cafezais e laranjais, os ganhos ficam na ordem de 35%. Se desaparecerem as abelhas, perde-se o mel e, junto, ganha-se uma crise de produo rural, especialmente na fruticultura.
A cada primavera aumenta a incerteza sobre o amanh. Dos problemas ecolgicos mundiais s bandidagens corriqueiras, resta acreditar na indignao humana. A favor das abelhas, contra a degradao de sua prpria natureza.
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