Tenho lido, intrigado, algumas notcias inslitas abordando assuntos do campo. Mesmo no Estado, deparei-me dias atrs com a seguinte manchete: Cidades geram apenas 2,5% do lixo do planeta. Vai sobrar para a agricultura, pensei.
No deu outra. Segundo a matria, a pecuria lidera a gerao de resduos slidos no mundo, com 39% do volume total. Somando-se ao ramo vegetal, 58% do lixo do planeta estaria sendo gerado na zona rural. Ser mesmo? Da atividade mineradora viriam outros 38% dos resduos, compostos estes por pedras e escrias, naturalmente. Concluso: cabe s cidades mnima parcela do lixo mundial. D para acreditar nisso?
Impossvel. Obviamente algum equvoco permeia a notcia. E fcil perceber. O estudo citado na matria considerou "lixo" o esterco dos animais, colocando os excrementos que fertilizam o pasto na mesma caamba da imundcie coletada nas ruas. Francamente falando, equiparar a sujeira urbana com os dejetos animais configura crasso engano. Um lixo de informao.
bvio ululante que o drama dos resduos slidos pertence moderna civilizao industrializada, assentada no consumismo desenfreado estimulado pelo
marketing. Montanhas de lixo se acumulam, ou se enterram e se queimam alhures, constitudas por recipientes e produtos variados, plsticos e latas, restos do desperdcio alimentar e social. Um drama urbano.
Os detritos empesteiam, claro, algumas reas rurais. Mas, para surpresa de muitos, o Brasil campeo mundial na reciclagem das embalagens de produtos agrotxicos. A ao de logstica reversa, coordenada pelo Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV), envolve 84 empresas fabricantes, aliando cooperativas, revendedores e produtores rurais capazes de retirar 95% das invlucros venenosos distribudos na roa. Atitude exemplar.
bem verdade que nos modernos confinamentos de gado o acmulo de animais em pequena rea provoca impactos ambientais semelhantes aos dejetos domsticos do esgoto. Disposio correta e tratamento se exigem para evitar a poluio de mananciais. Definitivamente, porm, esterco animal e restos orgnicos das colheitas no pertencem mesma balana do lixo citadino.
Dizia-se antigamente que a "mentira tem perna curta". Hoje em dia, com a facilidade da comunicao via internet, certas balelas espicham suas pernas, espraiando-se incontrolavelmente nos circuitos das redes sociais. Uma informao deformada, se curiosa, acaba sendo um perigo.
Peguem novo exemplo. Os vegetarianos sempre combateram o consumo de carne, associando-o, por motivos religiosos ou humanitrios, desumanidade da caa ou do abate dos animais. Mais recentemente, porm, seus radicais descobriram uma maneira inteligente de depreciar a carne, a bovina especialmente, associando-a ao aquecimento global. Comer carne virou, para eles, problema ecolgico.
Acontece que os animais ruminantes liberam gases no processo da fermentao em seu estmago. Com poder de efeito estufa maior que o dixido de carbono (CO
), o metano advindo da eructao bovina preocupa h tempos a zootecnia. Alterao nas dietas animais, entre pasto e raes, bem como aditivos configuram tcnicas pesquisadas para interferir na digesto entrica, reduzindo o arroto dos bichos.
Por outro lado, cientistas do clima crescentemente desconfiam que o efeito estufa causado pelo metano seja bem menor do que se convencionou em laboratrios. Acontece que na realidade da atmosfera os raios infravermelhos provocam um fenmeno de "radiao de corpo negro", que reduz o potencial de aquecimento do metano, caindo de 23 para 4 a 5 vezes o equivalente em CO
. A queda enorme.
Os agrnomos teimam em no aceitar que as emisses de carbono liberadas no processo orgnico sejam comparadas s oriundas do petrleo. Esta via fssil e a outra, renovvel. Mais ainda, a ruminao faz parte do ciclo da vida planetria: a pastagem que alimenta o gado cresce realizando a fotossntese, absorvendo gs carbnico, liberado posteriormente em forma de metano.
Quando se considera esse fluxo de carbono, a conta ambiental da pecuria quase zera. Por essa razo a Organizao das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao (FAO) reviu suas posies e lanou um programa -
Mitigation of Climate Change in Agriculture (Micca) - defendendo novo enfoque no estudo das alteraes climticas na agricultura. A Embrapa segue este caminho.
O assunto, como se percebe, complexo. Nada disso, porm, interessa aos ativistas vegetarianos, como Pankaj Goswami, que publicou no
site GreenDiary (2006) um clculo simplista comparando a emisso de carbono oriunda dos rebanhos bovinos com a advinda dos veculos automotores. E concluiu algo como "as vacas do mundo poluem mais que os automveis". Uma afronta ao bvio.
O risco da falcia espalha-se na internet. Mecanismos de busca, juntamente com o famigerado copia e cola, permitem que as pessoas se manifestem sobre o que pouco entendem. Leigas, misturam argumentos, trocam o raciocnio, confundem laranja com banana, escrevem bobagens sem a menor noo. Repetem argumentos que, em muitos casos, so meros
slogans, para no dizer boas asneiras. Gente sria entra na roubada.
No tem lgica, em nome da ecologia, amaldioar a boiada e oferecer salvo-conduto aos automveis. Tambm no faz sentido afirmar que no campo se gera mais lixo que na cidade, ou inventar que se gasta mais gua para produzir um bife do que para fabricar um carro. Tais comparaes so insensatas.
Na roa, quando o caboclo escuta uma coisa inusitada, ele fica sestroso, desconfiado. Seu primeiro impulso, algo sbio, raciocinar com a simplicidade do bvio, um bom conselheiro da verdade.
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