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Heveicultura


Terça-feira, 10 de janeiro de 2012 - 11h42


muito interessante a histria da borracha no Brasil. Descoberta nas rvores da Amaznia, sua explorao originou, h cerca de 150 anos, um extraordinrio ciclo de riqueza no Norte do pas. Ganhou o mundo, mas, curiosamente, abandonou seu passado. Hoje a borracha ostenta sua glria na sia. Tailndia, Indonsia e Malsia, somadas, produzem 72% da borracha explorada mundialmente, ranking em que o Brasil ocupa o distante 9. lugar. Por incrvel que parea, a terra natal da Hevea brasiliensis compra do estrangeiro dois teros da borracha natural que consome, utilizada nos pneus e demais bens fabricados com a utilssima seiva. Durou pouco, meio sculo, o ciclo econmico da borracha no Brasil, com apogeu em 1910. Nesse ano, 40% da receita cambial brasileira teve origem no ltex embarcado, o mesmo patamar das exportaes de caf. Incrvel. Da em diante, todavia, entrou em cena a produo asitica, derrubando o monoplio dos preos internacionais. Chegou o declnio. Passada uma dcada, as vendas brasileiras significavam apenas 15% da oferta mundial. Essa queda carrega um exemplo daquilo que se denomina modernamente biopirataria. Comeou em 1876, quando os ingleses, capitaneados por Henry Wickman, levaram milhares de sementes de seringueira para o Jardim Botnico de Londres. Ali receberam a ateno do melhoramento gentico, gerando variedades mais produtivas, levadas posteriormente para as colnias inglesas na sia, inicialmente Ceilo e Cingapura. Ningum esperava o golpe. Na febre da explorao dos seringais nativos do Amazonas, enquanto a Cia. Lrica Italiana encenava, em 7 de janeiro de 1897, a avant-premire de La Gioconda, pera de Amilcare Ponchielli, inaugurando a sala de espetculos do magnfico teatro de Manaus, o maior patrimnio cultural e arquitetnico do ciclo nacional da borracha, os espertos ingleses avanavam no desenvolvimento da heveicultura, baseada em plantios racionais da nobre rvore. Um show de competncia agronmica. Dcadas depois, possivelmente inspirado nesse sucesso ingls, um ambicioso empresrio norte-americano protagonizou, ao contrrio, um redundante fracasso. Henry Ford, lder na fabricao de automveis, imaginou produzir, sozinho, metade da borracha consumida no mundo da poca. Comprou 1 milho de hectares de terras no Par e mandou construir, no final da dcada de 1920, uma cidade - a Fordlndia - para comandar seu empreendimento. Deu tudo errado. Uma doena, chamada mal-das-folhas, se esconde por trs do infortnio da Fordlndia na Amaznia e, ao mesmo tempo, explica a vantagem da heveicultura asitica. Existente somente na umidade da Amaznia, o fungo Microcyclus ulei ataca as folhas jovens da seringueira, derrubando-as, reduzindo a capacidade fotossinttica da rvore. Chega a matar a planta. Na floresta nativa, o mal-das-folhas se controla pelo equilbrio natural das espcies, facilitado pela rala disperso das grandes rvores no territrio. Nas lavouras homogneas, entretanto, sua fcil disseminao se mostrou devastadora. Isso mesmo. Um fungo derrotou o magnata da Ford. Por outro lado, distantes do terrvel inimigo que povoa a Hileia, os plantios asiticos prosperaram. A troca do ecossistema de produo explica tambm a supremacia paulista na heveicultura nacional. Com quase 80 mil hectares plantados, So Paulo ultrapassa metade da produo interna de borracha. Poucos sabem disso. Nas lavouras da regio de So Jos do Rio Preto, onde se concentra a produo paulista, a produtividade mdia supera em at 40 vezes os projetos extrativistas da Amaznia. Resultado: dos seringais que imortalizaram Chico Mendes chega ao mercado abaixo de 3% das 130 mil toneladas de borracha produzidas no Brasil. Vitria da moderna agronomia sobre a coleta florestal. Muita coisa se transformou desde que o ingls Joseph Priestley descobriu, em 1770, que aquela goma utilizada pelos indgenas amaznicos servia para limpar a escrita a lpis, apelidando-a de "borracha" (rubber). Mas foi Charles Goodyear, em 1838, que descobriu a vulcanizao, processo que acrescenta enxofre ao ltex, fazendo-o trocar a viscosidade pela elasticidade. Nascia o pneu. Uma curiosa disputa permeia essa histria. Na 2 Guerra, aps o ataque aos norte-americanos em Pearl Harbor, os japoneses tomaram a Malsia e as ndias Orientais holandesas, passando a controlar o suprimento mundial de borracha. Virou uma "guerra da borracha" entre as duas potncias. Os norte-americanos, visando a reduzir o desgaste dos pneus e economizar borracha, inventaram uma lei que limitava a velocidade dos carros nas estradas a 35 milhas (56,3km) por hora. Pouco funcionou. Surgiu, assim, a borracha sinttica, derivada do petrleo, que ocupa hoje 56% do mercado. Os produtores brasileiros de borracha iniciam 2012 satisfeitos. O ano passado apresentou-lhes timos preos. A forte demanda fez recuarem os estoques mundiais. E na economia de baixo carbono a borracha sinttica perde moral para o ltex natural. Crescem as florestas plantadas com seringueira, expandindo-se tambm para Mato Grosso do Sul e, menos, Minas Gerais. Tpica de pequenos produtores, geradora de bons empregos e garantida renda, a moderna heveicultura em nada se assemelha quela poca em que as peras encantavam a burguesia na Amaznia, levando o governo brasileiro a comprar o Acre (1903) e delirar com a construo de uma ferrovia - a Madeira-Mamor - cujo malogro se tornou um vexame escondido da engenharia nacional. Moral da histria: a opulncia espanta o progresso sustentvel. E a tecnologia chama a virtude. Na borracha se encontra boa prova disso. Publicado originalmente no Jornal Estado de So Paulo em 10 de janeiro de 2012.
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