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Scot Consultoria

Mamata no campo


Terça-feira, 24 de janeiro de 2012 - 11h21


O baque financeiro da Europa está, obviamente, afetando seus negócios produtivos. Sabe-se que haverá um empobrecimento generalizado por lá. Pode-se imaginar, porém, que a agricultura europeia, acomodada historicamente pelos subsídios, se rejuvenescerá nesse doloroso processo. Crise sempre abre novas oportunidades de progresso. Criada como um dos três pilares iniciais da então Comunidade Europeia, a Política Agrícola Comum vigora desde 1962. Sua formulação básica oferecia subsídios variados aos produtores rurais visando assegurar o abastecimento e, ademais, garantir a renda rural. Fazia todo sentido. A segurança alimentar representava um desejo básico da população, obrigada durante a guerra a dividir o bife do almoço. Quando ele existia. Apoiando fortemente seus agricultores, os europeus viram florescer o campo. As políticas de bem estar social puderam contar com a fartura da mesa, e ainda sobrava comida. Cresceram os estoques de leite em pó e manteiga, açúcar de beterraba e cereais. Os rebanhos bovino e ovino se multiplicaram. A horticultura deslanchou. A Europa tornou-se grande exportadora agrícola. No final da década de 80, entretanto, o protecionismo agrícola europeu começou, por várias razões, a ser questionado. Primeiro, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), recebia contestação dos países emergentes, como o Brasil, que queriam derrubar as barreiras comerciais e abrir os mercados para vender seus produtos. Segundo, internamente, os subsídios e os estoques oneravam em demasia o orçamento público comum, representando até 70% de seus gastos. Terceiro, os consumidores europeus perceberam que produtos do exterior poderiam, sem as barreiras, chegar mais baratos no supermercado. A política europeia para a agricultura começou a ser revisada em 1992. Alguns mecanismos regulatórios foram afrouxados, abrindo frestas para importações – frutas, carnes, açúcar - que favoreciam os consumidores. Mas as transferências diretas de recursos, que ainda representavam metade do orçamento da União Europeia, contavam com a ferrenha defesa das entidades rurais, lideradas pela França e Alemanha. E na opinião pública do Primeiro Mundo, ao contrário do Brasil, quando os ruralistas se manifestam, recebem simpatia da população. A razão é simples: ao permanecerem cultivando e pastoreando suas terras, como ancestralmente o faziam, os antigos camponeses deixam de migrar para competir com o saturado emprego urbano. Com a população estabilizada, permanecer na terra equilibra a sociedade. Assim, e recheando os valores tradicionais com a modernidade da questão ecológica, os formuladores da nova PAC europeia bolaram o conceito da “multifuncionalidade rural”. Significa o quê? Um reconhecimento de que os agricultores, além de produzirem alimentos e matérias primas, são importantes também por preservarem os costumes do campo e manterem a paisagem rural. Dessa forma, além dos subsídios na produção, os agricultores passaram a ser remunerados pelo serviço que prestam ao ambiente, natural e modificado, do interior de sua nação. Valor das comunidades locais. Boa parte da população da Europa vive fora dos grandes centros urbanos. Tais regiões onde o campo se urbanizou, denominaram por alguns estudiosos de rurbanas, são adoradas pelos moradores das cidades, que as defendem politicamente. O bucolismo do campo favorece o turismo e a culinária, valoriza o modo de vida típico do europeu tradicional, agrega as benesses da modernidade e da comunicação. As modificações na política agrícola protecionista mostraram-se relativamente positivas. Rebaixaram o custo dos subsídios para o nível médio de 42% do orçamento comum da UE. Excluíram a garantia de preços mínimos, substituída por pagamentos diretos aos produtores. Os estoques caíram, pois afinal os agricultores passaram a receber uma ajuda de custo – justificada pela multifuncionalidade - sem correspondência com o nível da produção. E se acostumaram com isso. Esse acabou se tornando um grande problema da agricultura europeia. Seus excelentes produtores rurais envelheceram e se tornaram, em certo sentido, preguiçosos. Se a vaca dá pouco ou muito leite, pouco importa; ele recebe ajuda de custo por animal, do mesmo jeito. Há um agravante. Os subsídios se distribuem desigualmente entre os pequenos agricultores e aqueles mais ricos, integrados nas grandes corporações do setor de alimentos. Resultado: com o passar do tempo a UE se tornou uma grande importadora de alimentos. Agora, com a crise financeira cortando as regalias da economia, se tornará mais difícil manter os subsídios agrícolas que, embora protejam o sistema agroambiental, sustentam um sistema produtivo ineficiente, incapaz de concorrer no mundo globalizado. Um choque de gestão começa a varrer a agricultura europeia. Algo parecido acomete a agricultura russa, animada após uma década de fracasso desencadeada com o fim da União Soviética. Em Cuba também se procura formas de estimular a produção rural, aniquilada pelo decadente socialismo castrista. Na China, a modernização do campo vai a fórceps. No Brasil, enquanto os europeus se acomodavam, os agricultores se viravam por conta própria para vencer as agruras da lide rural. Alguns permaneceram reclamando contra o governo, e quebraram. A maioria investiu em tecnologia e se tornou empreendedora, na marra. Venceram na dificuldade. Em Vozes da Seca cantava o saudoso Luiz Gonzaga: “seu dotô, uma esmola a um homem qui é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”. Não apenas no campo, mas alhures, a mamata pública destrói a inovação. Compromete o futuro.
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