Será que existiria algum empresário que, mesmo enfrentando anos e anos de crise, ainda investiria na
atividade?
Pois bem, o produtor de leite é assim; investiu durante toda a crise da década de 90, e continua investindo.
Para entender este processo é preciso comparar resultados entre fazendas leiteiras, volume de investimentos e a sua relação com índices zootécnicos.
Em todos os casos analisados e simulados pela Scot Consultoria, há uma relação direta entre resultados econômicos e produção em litros de leite por hectare por ano.
Quanto maior a produção por área, maior a chance de lucrar. É a escala de produção, algo que todo produtor sabe que é necessário.
COMPARAÇÃO
Para endossar esta afirmação, no início de 2005, a Scot Consultoria fez uma comparação entre as fazendas analisadas pela equipe e um estudo divulgado pela Faesp (Federação da Agricultura do Estado de São Paulo) com base no ano de 1996.
Este estudo, divulgado em 1997, envolvia a análise de quatro fazendas produtoras de leite.
A análise foi conduzida por diversos pesquisadores e consultores experientes na pecuária leiteira.
Evitando entrar em detalhes, o custo de produção do leite encontrado no estudo de 1996 variou de R$0,34/litro a R$0,41/litro em dinheiro da época. A média foi de R$0,37/litro. A produção média anual por hectare, calculada a partir dos índices apontados, era de 9,9 mil litros. Variava de 7,5 mil a 13 mil litros de leite.
Essas empresas trabalhavam com custos de produção próximos dos preços de venda, como é atualmente, ou seja, os preços eram superiores à média geral.
Para se manter na mesma situação que as empresas apontadas no estudo realizado em 1996, a produtividade deve necessariamente ultrapassar 17 mil litros de leite por hectare por ano; evidentemente trata-se de uma média estatística com base em diversas realidades.
Em outras palavras, hoje o produtor de leite, para se manter na mesma situação, com custo operacional entre R$0,55 a R$ 0,60 por litro, precisa de uma produtividade cerca de 70% superior ao que era necessário há quase 10 anos.
Tanto o estudo de 1996, como os recentes números da Scot Consultoria basearam-se em produtores que adotam mais tecnologia, níveis mais altos de produtividade.
E OS OUTROS PRODUTORES?
No entanto, será que esta realidade é válida para produtores com menores índices tecnológicos? Sim, os estudos do Educampo, projeto conduzido pelo Sebrae e pela equipe coordenada pelo professor Sebastião Teixeira Gomes, da Universidade Federal de Viçosa (MG), comprovam a mesma tendência para produtores de menores níveis tecnológicos.
Em recente palestra, Cristiano Nassif, da Universidade Federal de Viçosa, e consultor do Educampo, apresentou os mesmos efeitos econômicos quando uma empresa partia de menos de mil litros de leite por hectare por ano e atingia produtividades superiores a 3,5 mil litros por hectare por ano. A única diferença entre os números da Scot Consultoria e do Educampo, grosso modo, refere-se ao nível tecnológico e, evidentemente, à escala de produção. Efeitos e tendências são os mesmos.
INVESTIMENTO
Pois bem, o produtor de leite nem precisa ter acesso a esta conclusão, em análises, palestras e encontros: ele sente na pele, ou melhor, no bolso.
E, evidentemente, trata de buscar aumentar esta produtividade. Coisa fácil de fazer, dentro de uma sala, com uma calculadora, um computador e milhões de idéias.
Mas, na fazenda a conversa é outra. Embora fácil tecnicamente, o aumento de escala e, conseqüentemente, da produtividade envolve demanda de recursos, investimentos e fluxo e caixa. Não se investe sem dinheiro.
Fazendas com maior tecnologia, analisadas pela Scot Consultoria apresentam cerca de R$20 mil a R$ 25 mil por hectare investidos na atividade, fora o valor da terra. Esses investimentos são o próprio rebanho, os maquinários, equipamentos, edificações, cercas, benfeitorias e formação de forragens.
O salto em produtividade requer investimentos e o produtor é “descapitalizado”. O que fazer?
Arthur Chinelatto, engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa, brinca em suas palestras que o produtor precisa ter dinheiro ou paciência. Com dinheiro ou com paciência, ele consegue aumentar a eficiência produtiva. Nem precisa dizer que a paciência parece ser o único caminho.
ÍNDICES ZOOTÉCNICOS
Neste caso, a busca por escala e pelo aumento de tecnologia são obtidos pelo sacrifício de alguns índices zootécnicos.
Para resumir basta falar de apenas um destes índices: número de vacas em lactação dividido pelo total do rebanho.
Fazendas leiteiras, com bons índices zootécnicos, possuem cerca de 80% das vacas adultas em produção. As demais 20% estão secas, prontas para parir. Com isso, sempre mais de 50% dos animais do rebanho estão em lactação. Os outros animais seriam apenas fêmeas em crescimento.
Caso o produtor “recrie e engorde” os machos, tanto os custos como as receitas deveriam ser atribuídas à outra atividade – no caso engorda de machos e não ao leite.
Com adequados índices zootécnicos uma fazenda leiteira deveria vender anualmente cerca de 40% do rebanho, contabilizando apenas fêmeas jovens e descarte, e um ou outro touro de repasse.
Se incluir no cálculo a venda de machos, recém nascidos ou desmamados precocemente para a recria e engorda, este índice eleva-se para 70% do rebanho.
Porém, na prática isso não ocorre. O produtor não faz o descarte voluntário. Não por não saber da importância, mas sim por estar sempre investindo, buscando aumentar a escala de produção.
Portanto, além de não ter a receita da vendas destes animais, o produtor tem que “bancar”, através das vacas em produção, os custos com alimentos concentrados, volumosos, mão de obra, administração, manutenções e mais os custos que envolvem a manutenção de maior número de animais na fazenda.
ÍNDICES ZOOTÉCNICOS
Muitas vezes, a maior parte dos maus resultados se deve a este fato, bem característico do produtor de leite. Nas análises de custos de fazendas leiteiras, este processo deve ser considerado como investimento e não custo de produção. No fluxo de caixa da empresa o efeito é o mesmo.
Então, como se deve separar custos de investimento, a condição do produtor é melhor do que parece? Não, dá na mesma. Esse investimento não é feito por opção, mas sim por necessidade. Se ele não agregar escala, fatalmente sairá da atividade.
ESPECIALIZAÇÃO
Uma das saídas para estes casos seria a compra de animais prontos para entrar em produção. Por isso, espera-se que o setor leiteiro assista, nos próximos anos, ao aparecimento de fazendas especializadas no preparo de animais para entrar em produção, ou seja, fazendas de cria
de novilhas leiteiras.
Esta característica também é um dos motivos para o contínuo aumento da produção de leite. Segundo números do IBGE, a captação de leite no mercado formal aumentou 3,8 bilhões de litros em oito anos, ou 35,6%.
Normalmente, este aumento é usado, por alguns economistas, para argumentar que a crise da pecuária leiteira não foi tão severa. Partem do pressuposto que “se a situação estava tão ruim, por quê o produtor de leite aumentaria tanto a produção?”
Diante disso não é preciso dizer qual é a tendência para a produção leiteira dos próximos anos.