Sexta-feira, 14 de março de 2025

Impacto das importações em 2005

por Mauricio Palma Nogueira

Quarta-feira, 29 de março de 2006 - 16h50

-A +A

Engenheiro Agrônomo

Artigo escrito pela Scot Consultoria e publicado na revista Balde Branco, em janeiro de 2006, acabou causando um debate em torno de uma afirmação com relação às importações de leite e os impactos que trouxeram ao mercado de preços aos produtores.

O artigo afirmava que a importação, mesmo aumentando, não foi suficiente para reduzir os preços no mercado interno em 2005. O que realmente derrubou o mercado de leite foi o aumento da produção interna, provocada pelos preços favoráveis do leite até maio de 2005 e os baixos preços dos concentrados.

Alguns não concordaram com esta análise. Muitos profissionais, que trabalham com a atividade, acreditam que o mercado internacional, via importações, acabou por equilibrar os preços internos. Mas não foi bem isso que ocorreu.

O QUE ACONTECEU ENTÃO?

É verdade que a queda da cotação do dólar provocou aumento na importação, principalmente pelo Sul do país. Mas, o volume de leite importado não foi, e não seria, suficiente para derrubar os preços nas proporções que os levaram aos atuais patamares, abaixo do mercado internacional.

Até setembro, apenas no mercado formal, o volume de leite produzido foi 1,43 bilhão de litros a mais que o mesmo período de 2005. No ano todo, as importações de leite somaram 354 milhões de litros. O volume é apenas 61,5 milhões de equivalentes litros de leite a mais que as importações de 2004.

Equivalente litros de leite é a transformação do volume de todos os derivados calculados pelo volume de leite que entra em sua composição. Por exemplo, a importação de 1 kg de queijo é considerada como a importação de 10 litros de leite.

Observe a diferença. A importação trouxe 61 milhões de litros de leite a mais no Brasil em 2005. O próprio produtor ofertou, apenas no mercado formal, e só até setembro, 1,4 bilhão a mais. O volume importado a mais não chega nem a 5% do aumento do leite ofertado apenas nos nove primeiros meses do ano.

A afirmação de que a importação tenha derrubado o mercado em 2005 é tão equivocada, que o simples fato das exportações terem aumentado no ano acaba por depor contra. Em 2005, o volume de equivalente litros de leite exportado superou em 112 milhões o volume de 2004. Ambos, exportação e importação, aumentaram em cerca de 20% em relação a 2004.

Oposicionistas a este raciocínio afirmaram que o artigo era contraditório pois mesmo afirmando que as importações não derrubaram o mercado, a Scot Consultoria apontava que o mercado interno seria cada vez mais dependente do mercado externo.

É verdade que o preço do leite será dependente do mercado externo. No entanto, frente ao cenário atual, a afirmação está mais relacionada às exportações e não às importações. E em 2005, mesmo que o Brasil tivesse exportado o dobro, e o câmbio estivesse em R$3,00/US$1,00, os preços gerais do mercado externo não seriam tão influenciados.

Veja bem, se o Brasil dobrasse a exportação de leite o volume chegaria a quase 1,3 bilhão, menos do que o aumento de volume no mercado formal observado entre os meses de janeiro a setembro. Tal aumento na produção anularia o enxugamento de mercado via exportações. Num ano de consumo retraído, meses de deflação, por que motivos a indústria pagaria a mais com um mercado tão ofertado?

E mesmo que se pagasse a mais pelo leite enviado ao exterior, seria necessário diluir todo este aumento do faturamento no total de leite produzido pelo Brasil.

Um exercício para facilitar o raciocínio: imagine o dobro das exportações, 1,2 bilhão de litros (o Brasil exportou cerca de 650 milhões), e imagine que todo o leite exportado fosse remunerado em R$0,20/litro a mais. Diluindo toda esta situação hipotética, e extremamente favorável, no volume total de leite no Brasil, no mercado interno os preços aumentariam apenas R$0,01/litro.

No debate também buscaram desmontar este raciocínio, dizendo que 1 bilhão de litros de leite é um volume muito alto; portanto bastante representativo.

Pois bem, embora 1 bilhão de litros de leite seja realmente um volume considerável, vale lembrar que o Brasil produz cerca de 23 bilhões de litros. No Brasil, os números da agropecuária são sempre grandes. Não se pode assustar com eles e nem mesmo se dar ao luxo de fazer uma análise sem comparar as realidades. Corre-se risco de errar.

Por fim, uma afirmação não anula a outra. O Brasil será cada vez mais dependente do mercado internacional, mas em 2005 as importações não foram suficientes para alterar o mercado interno.

Para que o mercado externo influenciasse os preços internos, dependeríamos de alguns dos dois seguintes cenários: - volume importado teria que ser significativo em relação ao leite disponível no mercado interno. - ou as exportações teriam que ser significativas, quando comparadas ao mercado interno.

Por isso que, de fato, o que derrubou os preços no mercado foi a produção interna e não importação. Houve especulação, formação de estoques, consumo retraído e um volume captado consideravelmente superior ao dos anos anteriores. Como tudo aconteceu ao mesmo tempo, muitos acabaram por superestimar o impacto das importações.

Para 2006 o cenário passa a ser mais preocupante. Fala-se em dólar a patamares 20% mais baixos que o atual. Portanto, o setor deve ficar atento, pois a persistir este cenário tão desfavorável, aí sim, o produtor brasileiro correrá riscos de sofrer novas variáveis de pressão nos preços através de importação, ou dificuldade em exportar.

Hoje, justamente pelo volume da produção nacional, a dificuldade em exportar será um risco bem superior ao das importações. O Brasil tem muito leite. Se não tiver como escoar esta produção, ela pressionará o mercado interno.

O Brasil, por hora, é dependente do mercado externo. Deve-se trabalhar para ampliá-lo, e não o contrário.
<< Notícia Anterior Próxima Notícia >>