O avanço do cultivo de cana-de-açúcar, e as expectativas de crescimento para os próximos anos, é fonte de preocupação para as diversas outras atividades agropecuárias. Onde quer que se projete a instalação de uma indústria sucro-alcooleira, de imediato, a região começa a passar por mudanças. Fecham-se contratos de arrendamento e diversos produtores passam a investir na produção e no fornecimento de cana.
Os preços de terra na região sobem e os arrendamentos passam a ser as melhores opções financeiras de investimento na terra.
Em meio a tantas crises, a produção de cana-de-açúcar está entre as que proporcionam a melhor renda aos produtores. Até mesmo a tradicional citricultura do interior do Estado de São Paulo tem cedido espaço aos canaviais.
A pecuária, no entanto, é uma das maiores vítimas do avanço da cana. Em regiões de pecuária, a cana-de-açúcar vem transformando gradativamente a paisagem das fazendas. Embora seja um fenômeno registrado em praticamente todo o Brasil, São Paulo é o Estado de maior expansão de cana. Hoje o Estado responde por 53% da área de cana e por 60% da produção brasileira.
O Brasil produz 475,7 milhões de toneladas de cana, em 6,1 milhões de hectares. A produtividade média é de 76,8 toneladas por hectare.
Até 2015, segundo estudo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com base em informações da OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e do USDA (United States Departament of Agriculture), a produção brasileira anual de açúcar será de 45,3 milhões de toneladas.
A estimativa para a produção em 2006, segundo a Embrapa, foi de 26 milhões de toneladas. A produção de álcool, por sua vez, aumentará ainda mais. Em 2015, o Brasil deverá produzir 36 bilhões de litros, volume 95% superior ao atual.
CANA E ÁREA PARA ATENDER A DEMANDA
Portanto, para consumir esse aumento de produção, espera-se considerável aumento do mercado de açúcar e álcool nos próximos oito anos.
Considerando o atual rendimento industrial da cana para a produção de álcool e açúcar, em 2015 serão necessárias cerca de 806 milhões de toneladas de cana-de-açúcar para atender a produção estimada pelo
MAPA/OECD/USDA. Um aumento de 69,4% em relação ao volume estimado pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) para a safra de 2007.
Considerando ainda um aumento médio de 4% na produtividade dos canaviais, em 2015 serão necessários 10 milhões de ha para a produção de cana, área 63% maior em relação à atual. Observe as estimativas na tabela 1, com base nos números compilados pelo MAPA e estimativas da Conab.
Para atender ao crescimento esperado, a cana-de-açúcar terá que se expandir em 486 mil hectares por ano, tomando terras de outras atividades. Nesse ritmo de avanço, a área para produção canavieira no Brasil terá dobrado antes de 2020.
A forma mais fácil de obter terra para o cultivo de cana se dá através de arrendamentos. O proprietário cede as terras em troca de uma renda fixa, sem correr riscos operacionais, enquanto a indústria reduz sua necessidade de imobilização de capital. Bom para ambos.
O produtor rural arrenda por duas razões. Ou por estar descapitalizado ou por vislumbrar maior ganho com o arrendamento, em vez de ele próprio cultivar o solo. As indústrias, ou mesmo produtores que arrendam terras de terceiros, indexam os arrendamentos em toneladas de cana por alqueire.
Dependendo da distância da indústria, e da região, os volumes podem variar de 25 a 70 toneladas de cana por alqueire. O que o produtor recebe, portanto, depende do mercado de cana e da quantidade de ATR (açúcar total recuperável), que baliza o preço da cana.
Observe, na tabela 2, os contratos de arrendamento, as perspectivas de renda dos produtores, os preços de terra por região e as rentabilidades esperadas. A rentabilidade é a receita líquida por hectare, obtida com o arrendamento, comparada com o preço da terra nas principais regiões de cana de São Paulo.
Atualmente um proprietário de terra pode receber, livre, de R$490,00 a R$1.110,00 ao ano, por hectare, arrendando a sua área para usinas de cana. A rentabilidade média, renda líquida ao ano sobre o valor da terra, é de 4,8%.
Por isso a atividade acaba aquecendo os preços da terra. Observe que existe uma relação entre o volume de cana oferecido nos contratos e os preços da terra. Acompanhando o valor da terra e a coluna de rentabilidade das regiões de Marília-SP e de Presidente Prudente-SP, pode-se imaginar que o preço de terra suba nessas regiões. É um processo que vem ocorrendo no Estado todo, com a crescente expansão da cana-de-açúcar.
Entre 2005 e o final de 2006, os preços médios de terra haviam aumentado cerca de 18% a 22%, segundo acompanhamento do IEA (Instituto de Economia Agrícola) e acompanhamento de preços feito pela Scot Consultoria.
O que ocorre em São Paulo vale para as demais regiões onde a indústria canavieira avança. A diferença são os valores da terra e os valores dos contratos.
COMO COMPETIR COM A CANA?
Para competir com a cana-de-açúcar, as outras atividades agropecuárias precisam proporcionar rendas semelhantes. O raciocínio vale para pecuária leiteira.
Em São Paulo, a pecuária leiteira já tem perdido espaço ao longo dos anos. A atratividade dos arrendamentos de cana apenas aumenta a pressão que provoca a substituição da atividade pelos produtores de leite.
Há uma corrente de pensamento, cada vez mais disseminada, de que em São Paulo não há mais espaço para a pecuária leiteira. O preço da terra e os custos de produção elevados inviabilizam a competição do leite paulista com o leite de outros Estados e com os resultados de outras atividades agropecuárias.
Sendo essa a realidade para São Paulo, qualquer região de expansão da cana-de-açúcar tende a inviabilizar a atividade leiteira.
No entanto, antes que se sentencie o futuro da atividade, é preciso analisar as condições que envolvem resultados.
É comum comparar os resultados obtidos com a pecuária de leite e a de corte, exploradas com baixa tecnologia, com a agricultura que adota alta tecnologia. É o mesmo que comparar a pecuária do século XIX com a agricultura do século XXI.
Sem tecnologia, não há como a pecuária leiteira competir com a cana-de-açúcar no cenário atual. Porém, com o uso de tecnologia, a pecuária leiteira pode competir em pé de igualdade com outras atividades.
ACESSO À TECNOLOGIA
Existem projetos, sob orientação de técnicos da Embrapa Pecuária Sudeste (São Carlos – SP) em parceria com a CATI (Coordenadoria de Assistência Técnica Integrada), registrando excelentes produtividades entre seus assistidos. Muitos produtores atingem produção acima de 30 mil litros por hectare por ano. A Apta (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), assim como grupos de extensão de diversas Universidades, possuem trabalhos semelhantes, com resultados igualmente satisfatórios.
Outros Estados também possuem programas nesse sentido. Pode-se destacar o projeto Educampo, coordenado pelo Sebrae de Minas Gerais. Pode-se dizer que a tecnologia está ao alcance do produtor, quando bem assistido. E sua implementação prática é viável.
Acompanhe uma simulação. Usando os indicadores de produção de um pequeno produtor, profissional, situado a 110 km de Ribeirão Preto, em São Paulo, atualizou-se os preços de mercado para se chegar aos seus resultados ao longo de 2006.
A área de produção é de 18 hectares, em região onde a terra vale R$12,5 mil/ha. São 28 mil litros de leite por hectare por ano, ou 1,3 mil litros de leite por dia, com a média de 49 a 52 vacas em lactação. As vacas são especializadas para produção leiteira, e em média produzem 27 litros por dia, cada uma. Quatro pessoas são empregadas na atividade, das quais três são da família do próprio agricultor. Outro funcionário é contratado para ajudar na rotina da fazenda.
Os salários dos três membros da família proprietária são computados no custo de produção, incluindo os custos da administração. Na tabela 3 estão os componentes de custos e o resultado anual da empresa em questão.
O preço do leite adotado nesse estudo foi o valor médio pago em São Paulo para produtores com bonificações por volume e qualidade.
Portanto, pelas informações da tabela 3, o produtor de leite que adota tecnologia pode competir com os arrendamentos de cana, mesmo em pequenas áreas. Existem dois índices que devem ser comparados. A rentabilidade, que é a eficiência do capital empregado em se multiplicar, e a renda líquida, que é o lucro operacional na produção, contra o volume líquido que se recebe dos arrendamentos.
Mesmo com a atividade leiteira em crise, com os piores preços da história, o lucro operacional numa fazenda com alta tecnologia chega a R$790,00/ha. São R$140,00 a mais que a média dos arrendamentos no Estado de São Paulo, embora, na região do produtor em questão se pague cerca de R$1.000,00 por ano pelo arrendamento.
A rentabilidade é menor, pois o montante investido na pecuária leiteira é bem superior ao que está envolvido no arrendamento. Enquanto no arrendamento considera-se apenas a terra, na atividade leiteira entram também os investimentos em benfeitorias, instalações, maquinários e, principalmente, o próprio gado leiteiro. Por isso a rentabilidade cai.
Vale lembrar também que, se em 2006 os preços desfavoreceram a produção, as cotações dos fertilizantes e dos concentrados mantiveram os custos de produção em patamares aceitáveis. Para 2007 espera-se aumentos nos custos, tanto pelo aumento nas cotações dos concentrados como pelo esperado aumento nos fertilizantes, que serão mais procurados com a recuperação dos preços agrícolas.
REFLEXÕES SOBRE O ARRENDAMENTO
O custo de oportunidade ainda é desprezado, como se fosse algo teórico distante da realidade do produtor. Mas não é assim.
Fazendas com a produtividade descrita na tabela 3 são raras no universo da pecuária. E nas fazendas com baixo aporte de tecnologia, 2006 foi um ano extremamente ruim. Acredita-se em prejuízos equivalentes a cerca de 2% a 6% do capital total empregado na atividade. O produtor médio, com baixa tecnologia, empobreceu no último ano.
A atividade leiteira tem a vantagem de permitir ganhos de escala em pequenas áreas. Como desvantagem, a diferença entre um bom lucro e um prejuízo considerável é muito pequena em termos da relação entre preços e custos.
Voltando ao produtor que amargou prejuízo, é comum que ele nem saiba o quanto perdeu ao longo do ano. Sem apropriação correta dos custos, ele avalia o ano como apertado, difícil, mas ainda positivo. Isso ocorre porque a mão-de-obra familiar não é contabilizada e ele desconhece o conceito de reserva de capital para re-investimento, que são as depreciações.
Em médio prazo a situação vai piorando, seus bens de produção se deteriorando e a alternativa que resta é sair da atividade e procurar emprego na cidade ou em outras fazendas.
Para estes, os arrendamentos são uma oportunidade de não se desfazer da terra.
Por outro lado, o pequeno produtor de alta tecnologia possui mais vantagens ainda, além dos resultados apresentados na tabela 3.
O lucro operacional apresentado no exemplo equivale a uma renda mensal média de R$1.195,00. Incluindo três pessoas da família, que são absorvidas na própria atividade, a renda familiar soma mais R$1.900,00, considerando o salário médio de R$550,00/mês para funcionários e R$800,00/mês para o administrador, que também trabalha na rotina.
Assim, a família fica com renda mensal de R$2.295,00, quando na melhor das hipóteses dos arrendamentos, a renda máxima mensal seria o equivalente a R$1.600,00.
Ainda é preciso computar a entrada mensal de outros R$2.980,00, referentes ao capital para re-investimento, que são as depreciações.
Além de poder ganhar, a adoção de tecnologia permite fixar o pequeno produtor, e sua família, na atividade. Essa constatação serve para indicar o modelo de como lidar com a pequena agricultura familiar. Os pequenos agricultores precisam tornar-se empresários e não dependentes de apoio governamental.
OPORTUNIDADE DE TECNIFICAÇÃO
Outro aspecto da comparação entre a pecuária leiteira, e os arrendamentos, envolve produtores de áreas mais extensas.
Adotar tecnologia envolve o investimento de recursos. Em média, segundo estimativas da Scot Consultoria, para ampliar a escala na atividade leiteira o produtor investe cerca de R$230,00 para cada litro ao dia que se deseja aumentar na produção.
Explicando, para cada 100 litros diários que se deseja produzir a mais, investe-se cerca de R$23 mil em rebanho, máquinas, instalações, benfeitorias, implantação de forragens, etc. Observe, na tabela 4, os investimentos necessários para cada litro de leite que se deseja ampliar na atividade.
Por isso, na grande maioria dos casos, a dificuldade em investir em tecnologia é apenas o capital, não a competência e nem a falta de vontade.
Neste sentido, o avanço da cana-de-açúcar pode ser usado como aliado do produtor rural. O arrendamento de parte da área permite concentrar a atividade leiteira em um pequeno espaço da propriedade, agregando forçosamente tecnologia nessa área escolhida para o leite.
Portanto, a mesma renda da pecuária leiteira pode ser obtida numa área menor, enquanto as outras áreas estarão gerando receita com o arrendamento.
Imagine o caso de um produtor de 100 hectares que produz 1.200 litros por dia, comum na pecuária leiteira. A produtividade média é de 4.380 litros de leite por hectare por ano.
Com orientação técnica, que pode ser de autônomos ou de órgãos como os já relacionados anteriormente, o produtor pode planejar as operações de determinada área visando a adoção de tecnologia, enquanto arrenda o excedente.
Supondo que o produtor trabalhe apenas uma pequena área, com tecnologia e resultados equivalentes ao apresentado na tabela 3, serão precisos 16 hectares para produzir os mesmos 1.200 litros de leite por dia.
A renda que era obtida em 100 hectares, passa a ser obtida em apenas 16 hectares. O restante da área é fonte de renda por arrendamento. Observe, na tabela 5, o resumo econômico que a integração de ambas as atividades proporcionaria na mesma área.
Na área de baixa tecnologia, geralmente o produtor vende alguns sacos de milho ou engorda bezerros, rendendo no máximo outros cerca de R$6 a 8 mil. Com o arrendamento, poderia somar cerca de R$54 mil de faturamento líquido, aproveitando a oportunidade da cana-de-açúcar.
Nesse sentido, o avanço da cana-de-açúcar não é uma ameaça à pecuária leiteira, mas uma oportunidade.
A aplicação prática da situação apresentada na tabela 5 exige profissionalismo do produtor. Profissionalismo para visualizar a oportunidade, para escutar especialistas e para conduzir um projeto ousado de mudanças na sua atividade. Com o tempo, dependendo do empresário, a pecuária leiteira pode ir retomando áreas dos arrendamentos.
Por ora, pode-se dizer que a grande ameaça à pecuária leiteira não é cana-de-açúcar e nem o preço da terra. A grande ameaça é quando se produz com pouco profissionalismo na administração da atividade.