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Scot Consultoria

Leite vs Cana A competitividade do leite frente ao avanço da cana


Terça-feira, 30 de janeiro de 2007 - 19h39

Engenheiro Agrônomo


  • O avanço do cultivo de cana-de-açúcar, e as expectativas de crescimento para os próximos anos, é fonte de preocupação para as diversas outras atividades agropecuárias. Onde quer que se projete a instalação de uma indústria sucro-alcooleira, de imediato, a região começa a passar por mudanças. Fecham-se contratos de arrendamento e diversos produtores passam a investir na produção e no fornecimento de cana.
  • Os preços de terra na região sobem e os arrendamentos passam a ser as melhores opções financeiras de investimento na terra.
  • Em meio a tantas crises, a produção de cana-de-açúcar está entre as que proporcionam a melhor renda aos produtores. Até mesmo a tradicional citricultura do interior do Estado de São Paulo tem cedido espaço aos canaviais.
  • A pecuária, no entanto, é uma das maiores vítimas do avanço da cana. Em regiões de pecuária, a cana-de-açúcar vem transformando gradativamente a paisagem das fazendas. Embora seja um fenômeno registrado em praticamente todo o Brasil, São Paulo é o Estado de maior expansão de cana. Hoje o Estado responde por 53% da área de cana e por 60% da produção brasileira.
  • O Brasil produz 475,7 milhões de toneladas de cana, em 6,1 milhões de hectares. A produtividade média é de 76,8 toneladas por hectare.
  • Até 2015, segundo estudo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com base em informações da OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e do USDA (United States Departament of Agriculture), a produção brasileira anual de açúcar será de 45,3 milhões de toneladas.
  • A estimativa para a produção em 2006, segundo a Embrapa, foi de 26 milhões de toneladas. A produção de álcool, por sua vez, aumentará ainda mais. Em 2015, o Brasil deverá produzir 36 bilhões de litros, volume 95% superior ao atual. CANA E ÁREA PARA ATENDER A DEMANDA
  • Portanto, para consumir esse aumento de produção, espera-se considerável aumento do mercado de açúcar e álcool nos próximos oito anos.
  • Considerando o atual rendimento industrial da cana para a produção de álcool e açúcar, em 2015 serão necessárias cerca de 806 milhões de toneladas de cana-de-açúcar para atender a produção estimada pelo MAPA/OECD/USDA. Um aumento de 69,4% em relação ao volume estimado pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) para a safra de 2007.
  • Considerando ainda um aumento médio de 4% na produtividade dos canaviais, em 2015 serão necessários 10 milhões de ha para a produção de cana, área 63% maior em relação à atual. Observe as estimativas na tabela 1, com base nos números compilados pelo MAPA e estimativas da Conab.
  • Para atender ao crescimento esperado, a cana-de-açúcar terá que se expandir em 486 mil hectares por ano, tomando terras de outras atividades. Nesse ritmo de avanço, a área para produção canavieira no Brasil terá dobrado antes de 2020.
  • A forma mais fácil de obter terra para o cultivo de cana se dá através de arrendamentos. O proprietário cede as terras em troca de uma renda fixa, sem correr riscos operacionais, enquanto a indústria reduz sua necessidade de imobilização de capital. Bom para ambos.
  • O produtor rural arrenda por duas razões. Ou por estar descapitalizado ou por vislumbrar maior ganho com o arrendamento, em vez de ele próprio cultivar o solo. As indústrias, ou mesmo produtores que arrendam terras de terceiros, indexam os arrendamentos em toneladas de cana por alqueire.
  • Dependendo da distância da indústria, e da região, os volumes podem variar de 25 a 70 toneladas de cana por alqueire. O que o produtor recebe, portanto, depende do mercado de cana e da quantidade de ATR (açúcar total recuperável), que baliza o preço da cana.
  • Observe, na tabela 2, os contratos de arrendamento, as perspectivas de renda dos produtores, os preços de terra por região e as rentabilidades esperadas. A rentabilidade é a receita líquida por hectare, obtida com o arrendamento, comparada com o preço da terra nas principais regiões de cana de São Paulo.
  • Atualmente um proprietário de terra pode receber, livre, de R$490,00 a R$1.110,00 ao ano, por hectare, arrendando a sua área para usinas de cana. A rentabilidade média, renda líquida ao ano sobre o valor da terra, é de 4,8%.
  • Por isso a atividade acaba aquecendo os preços da terra. Observe que existe uma relação entre o volume de cana oferecido nos contratos e os preços da terra. Acompanhando o valor da terra e a coluna de rentabilidade das regiões de Marília-SP e de Presidente Prudente-SP, pode-se imaginar que o preço de terra suba nessas regiões. É um processo que vem ocorrendo no Estado todo, com a crescente expansão da cana-de-açúcar.
  • Entre 2005 e o final de 2006, os preços médios de terra haviam aumentado cerca de 18% a 22%, segundo acompanhamento do IEA (Instituto de Economia Agrícola) e acompanhamento de preços feito pela Scot Consultoria.
  • O que ocorre em São Paulo vale para as demais regiões onde a indústria canavieira avança. A diferença são os valores da terra e os valores dos contratos. COMO COMPETIR COM A CANA?
  • Para competir com a cana-de-açúcar, as outras atividades agropecuárias precisam proporcionar rendas semelhantes. O raciocínio vale para pecuária leiteira.
  • Em São Paulo, a pecuária leiteira já tem perdido espaço ao longo dos anos. A atratividade dos arrendamentos de cana apenas aumenta a pressão que provoca a substituição da atividade pelos produtores de leite.
  • Há uma corrente de pensamento, cada vez mais disseminada, de que em São Paulo não há mais espaço para a pecuária leiteira. O preço da terra e os custos de produção elevados inviabilizam a competição do leite paulista com o leite de outros Estados e com os resultados de outras atividades agropecuárias.
  • Sendo essa a realidade para São Paulo, qualquer região de expansão da cana-de-açúcar tende a inviabilizar a atividade leiteira.
  • No entanto, antes que se sentencie o futuro da atividade, é preciso analisar as condições que envolvem resultados.
  • É comum comparar os resultados obtidos com a pecuária de leite e a de corte, exploradas com baixa tecnologia, com a agricultura que adota alta tecnologia. É o mesmo que comparar a pecuária do século XIX com a agricultura do século XXI.
  • Sem tecnologia, não há como a pecuária leiteira competir com a cana-de-açúcar no cenário atual. Porém, com o uso de tecnologia, a pecuária leiteira pode competir em pé de igualdade com outras atividades. ACESSO À TECNOLOGIA
  • Existem projetos, sob orientação de técnicos da Embrapa Pecuária Sudeste (São Carlos – SP) em parceria com a CATI (Coordenadoria de Assistência Técnica Integrada), registrando excelentes produtividades entre seus assistidos. Muitos produtores atingem produção acima de 30 mil litros por hectare por ano. A Apta (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), assim como grupos de extensão de diversas Universidades, possuem trabalhos semelhantes, com resultados igualmente satisfatórios.
  • Outros Estados também possuem programas nesse sentido. Pode-se destacar o projeto Educampo, coordenado pelo Sebrae de Minas Gerais. Pode-se dizer que a tecnologia está ao alcance do produtor, quando bem assistido. E sua implementação prática é viável.
  • Acompanhe uma simulação. Usando os indicadores de produção de um pequeno produtor, profissional, situado a 110 km de Ribeirão Preto, em São Paulo, atualizou-se os preços de mercado para se chegar aos seus resultados ao longo de 2006.
  • A área de produção é de 18 hectares, em região onde a terra vale R$12,5 mil/ha. São 28 mil litros de leite por hectare por ano, ou 1,3 mil litros de leite por dia, com a média de 49 a 52 vacas em lactação. As vacas são especializadas para produção leiteira, e em média produzem 27 litros por dia, cada uma. Quatro pessoas são empregadas na atividade, das quais três são da família do próprio agricultor. Outro funcionário é contratado para ajudar na rotina da fazenda.
  • Os salários dos três membros da família proprietária são computados no custo de produção, incluindo os custos da administração. Na tabela 3 estão os componentes de custos e o resultado anual da empresa em questão.
  • O preço do leite adotado nesse estudo foi o valor médio pago em São Paulo para produtores com bonificações por volume e qualidade.
  • Portanto, pelas informações da tabela 3, o produtor de leite que adota tecnologia pode competir com os arrendamentos de cana, mesmo em pequenas áreas. Existem dois índices que devem ser comparados. A rentabilidade, que é a eficiência do capital empregado em se multiplicar, e a renda líquida, que é o lucro operacional na produção, contra o volume líquido que se recebe dos arrendamentos.
  • Mesmo com a atividade leiteira em crise, com os piores preços da história, o lucro operacional numa fazenda com alta tecnologia chega a R$790,00/ha. São R$140,00 a mais que a média dos arrendamentos no Estado de São Paulo, embora, na região do produtor em questão se pague cerca de R$1.000,00 por ano pelo arrendamento.
  • A rentabilidade é menor, pois o montante investido na pecuária leiteira é bem superior ao que está envolvido no arrendamento. Enquanto no arrendamento considera-se apenas a terra, na atividade leiteira entram também os investimentos em benfeitorias, instalações, maquinários e, principalmente, o próprio gado leiteiro. Por isso a rentabilidade cai.
  • Vale lembrar também que, se em 2006 os preços desfavoreceram a produção, as cotações dos fertilizantes e dos concentrados mantiveram os custos de produção em patamares aceitáveis. Para 2007 espera-se aumentos nos custos, tanto pelo aumento nas cotações dos concentrados como pelo esperado aumento nos fertilizantes, que serão mais procurados com a recuperação dos preços agrícolas. REFLEXÕES SOBRE O ARRENDAMENTO
  • O custo de oportunidade ainda é desprezado, como se fosse algo teórico distante da realidade do produtor. Mas não é assim.
  • Fazendas com a produtividade descrita na tabela 3 são raras no universo da pecuária. E nas fazendas com baixo aporte de tecnologia, 2006 foi um ano extremamente ruim. Acredita-se em prejuízos equivalentes a cerca de 2% a 6% do capital total empregado na atividade. O produtor médio, com baixa tecnologia, empobreceu no último ano.
  • A atividade leiteira tem a vantagem de permitir ganhos de escala em pequenas áreas. Como desvantagem, a diferença entre um bom lucro e um prejuízo considerável é muito pequena em termos da relação entre preços e custos.
  • Voltando ao produtor que amargou prejuízo, é comum que ele nem saiba o quanto perdeu ao longo do ano. Sem apropriação correta dos custos, ele avalia o ano como apertado, difícil, mas ainda positivo. Isso ocorre porque a mão-de-obra familiar não é contabilizada e ele desconhece o conceito de reserva de capital para re-investimento, que são as depreciações.
  • Em médio prazo a situação vai piorando, seus bens de produção se deteriorando e a alternativa que resta é sair da atividade e procurar emprego na cidade ou em outras fazendas.
  • Para estes, os arrendamentos são uma oportunidade de não se desfazer da terra.
  • Por outro lado, o pequeno produtor de alta tecnologia possui mais vantagens ainda, além dos resultados apresentados na tabela 3.
  • O lucro operacional apresentado no exemplo equivale a uma renda mensal média de R$1.195,00. Incluindo três pessoas da família, que são absorvidas na própria atividade, a renda familiar soma mais R$1.900,00, considerando o salário médio de R$550,00/mês para funcionários e R$800,00/mês para o administrador, que também trabalha na rotina.
  • Assim, a família fica com renda mensal de R$2.295,00, quando na melhor das hipóteses dos arrendamentos, a renda máxima mensal seria o equivalente a R$1.600,00.
  • Ainda é preciso computar a entrada mensal de outros R$2.980,00, referentes ao capital para re-investimento, que são as depreciações.
  • Além de poder ganhar, a adoção de tecnologia permite fixar o pequeno produtor, e sua família, na atividade. Essa constatação serve para indicar o modelo de como lidar com a pequena agricultura familiar. Os pequenos agricultores precisam tornar-se empresários e não dependentes de apoio governamental. OPORTUNIDADE DE TECNIFICAÇÃO
  • Outro aspecto da comparação entre a pecuária leiteira, e os arrendamentos, envolve produtores de áreas mais extensas.
  • Adotar tecnologia envolve o investimento de recursos. Em média, segundo estimativas da Scot Consultoria, para ampliar a escala na atividade leiteira o produtor investe cerca de R$230,00 para cada litro ao dia que se deseja aumentar na produção.
  • Explicando, para cada 100 litros diários que se deseja produzir a mais, investe-se cerca de R$23 mil em rebanho, máquinas, instalações, benfeitorias, implantação de forragens, etc. Observe, na tabela 4, os investimentos necessários para cada litro de leite que se deseja ampliar na atividade.
  • Por isso, na grande maioria dos casos, a dificuldade em investir em tecnologia é apenas o capital, não a competência e nem a falta de vontade.
  • Neste sentido, o avanço da cana-de-açúcar pode ser usado como aliado do produtor rural. O arrendamento de parte da área permite concentrar a atividade leiteira em um pequeno espaço da propriedade, agregando forçosamente tecnologia nessa área escolhida para o leite.
  • Portanto, a mesma renda da pecuária leiteira pode ser obtida numa área menor, enquanto as outras áreas estarão gerando receita com o arrendamento.
  • Imagine o caso de um produtor de 100 hectares que produz 1.200 litros por dia, comum na pecuária leiteira. A produtividade média é de 4.380 litros de leite por hectare por ano.
  • Com orientação técnica, que pode ser de autônomos ou de órgãos como os já relacionados anteriormente, o produtor pode planejar as operações de determinada área visando a adoção de tecnologia, enquanto arrenda o excedente.
  • Supondo que o produtor trabalhe apenas uma pequena área, com tecnologia e resultados equivalentes ao apresentado na tabela 3, serão precisos 16 hectares para produzir os mesmos 1.200 litros de leite por dia.
  • A renda que era obtida em 100 hectares, passa a ser obtida em apenas 16 hectares. O restante da área é fonte de renda por arrendamento. Observe, na tabela 5, o resumo econômico que a integração de ambas as atividades proporcionaria na mesma área.
  • Na área de baixa tecnologia, geralmente o produtor vende alguns sacos de milho ou engorda bezerros, rendendo no máximo outros cerca de R$6 a 8 mil. Com o arrendamento, poderia somar cerca de R$54 mil de faturamento líquido, aproveitando a oportunidade da cana-de-açúcar.
  • Nesse sentido, o avanço da cana-de-açúcar não é uma ameaça à pecuária leiteira, mas uma oportunidade.
  • A aplicação prática da situação apresentada na tabela 5 exige profissionalismo do produtor. Profissionalismo para visualizar a oportunidade, para escutar especialistas e para conduzir um projeto ousado de mudanças na sua atividade. Com o tempo, dependendo do empresário, a pecuária leiteira pode ir retomando áreas dos arrendamentos.
  • Por ora, pode-se dizer que a grande ameaça à pecuária leiteira não é cana-de-açúcar e nem o preço da terra. A grande ameaça é quando se produz com pouco profissionalismo na administração da atividade.
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