Engraçado o setor leiteiro. Quando os preços estão baixos, o produtor reclama com razão. Quando os preços estão altos, o produtor fica tenso, preocupado com até quando os preços ficarão firmes.
Embora pareça contraditório, e a afirmação anterior acabe soando como crítica, o produtor tem razão de se preocupar.
O baixo profissionalismo na produção pecuária é o grande causador da problemática oscilação de preços no mercado. Ora beiram as profundezas do inferno, ora quase atingem o Éden – esse último sempre por pouco tempo, diga-se de passagem.
UM MAL GERAL!
A indústria, mesmo vivendo uma situação um pouco mais cômoda, também perde com a oscilação.
Hoje há dificuldade em adquirir leite, o que eleva os preços da matéria-prima e, conseqüentemente, os custos de produção. É o mesmo que acontece nas fazendas.
A indústria segue pressionada de ambos os lados. Toda a pressão em cima dos preços ao consumidor recai de imediato sobre a indústria.
Mesmo com o bom desempenho e os bons resultados das exportações, é válido lembrar que são poucas as empresas que usufruem desse mercado. Além de tudo, o próprio volume exportado é ainda incipiente.
Sendo assim, com relação à enorme variação nos preços ao produtor, a própria característica da produção leiteira inocenta a indústria.
PROBLEMA NO CAMPO
Os produtores brasileiros trabalham com quase nada de tecnologia, na maioria. Mesmo quando trabalham com vacas pouco especializadas para produzir leite, a alimentação acaba sendo deficiente para as exigências. Por isso que quando os preços aumentam, o produtor consegue rapidamente elevar sua produção. Ele simplesmente supre as necessidades nutricionais básicas da vaca.
Dependendo da demanda de leite por parte da indústria, os preços caem rapidamente à medida que aumenta o volume de captação.
Evidente que tal comportamento não é exclusividade da pecuária leiteira, pois ocorre em todas as atividades rurais. A grande diferença é que, no caso do leite, a capacidade de resposta tende a ser imediata. Basta alimentar as vacas!
COMO RESOLVER?
Solucionar a questão é simples, mas de difícil aplicabilidade prática.
Adotando tecnologia, através de programas de nutrição e sanidade adequados, o produtor exploraria melhor sua unidade de produção. Naturalmente, reduziria a capacidade repentina de aumento na produção, em períodos de preços favoráveis.
Mas, para tanto, seria preciso que a maioria dos estabelecimentos leiteiros, de pequenos a grandes produtores, adotasse tecnologia.
E é justamente aí que está a dificuldade. Como convencer a todos?
DIFUSÃO TECNOLÓGICA
Geralmente se acredita que a única maneira de sensibilizar o produtor seja através de treinamento, assistência governamental, programas de acompanhamento técnico, etc.
No entanto, todos os produtores, de uma maneira ou de outra, possuem algum contato com engenheiros agrônomos, zootecnistas, veterinários e técnicos. Ou é um vizinho mais “escolado”, ou técnicos de órgãos governamentais, representantes de indústrias de insumos, de laticínios, revendas, convívio social, etc.
Guardadas as devidas limitações, tais formadores de opinião poderiam ajudar muito a mudar a atual realidade da produção leiteira.
Marcos Jank, em recente discurso, citou o autor e roteirista de cinema Aldous Huxley: “Experiência não é o que acontece com um homem; é o que um homem faz com o que lhe acontece”. Frase de efeito que vem bem a calhar para o setor leiteiro.
Quais são as experiências vividas e difundidas pela pecuária leiteira?
- O leite é bom apenas para manter o caixa mensal; pagar salários de outras atividades; aproveitar áreas impróprias; é uma renda a mais em períodos de bons preços.
Enfim, a imagem que tem sido difundida do setor é negativa. Pela ação da maioria dos programas de assentamentos, ou elaborados para atender pequenos produtores, percebe-se que objetivo é apenas mantê-lo no campo. São poucos que vislumbram um plano de aumento na eficiência produtiva e melhoria nas condições gerais do produtor.
ANCORADOS EM 1950
Pouco tempo atrás, em debate realizado entre produtores e técnicos, alguém argumentou que a busca por tecnologia, produtividade por área, etc, é ruim para o produtor. Trata-se de uma péssima estratégia fomentada pela indústria para conseguir mais leite.
Não pode haver raciocínio mais equivocado nos dias de hoje. Se assim fosse, a atividade leiteira seria a única na contra-mão das tendências modernas. O produtor de leite estaria preso à década de 1950, enquanto os demais produtores experimentam as inovações do século XXI.
A verdade é que foi criado um dogma que pegou na pecuária leiteira: tecnologia é sinônimo de altos custos, portanto não compensa.
Para ilustrar há o caso real relatado por um produtor de leite da região de Mococa (SP), ocorrido cerca de dez anos atrás. Ao investir no rebanho, na alimentação, no sistema de ordenha e na melhoria da mão-de-obra, foi alertado pelos vizinhos e por outros profissionais que atuam na região:
- Você é louco? – Adubar pasto? Alimentar as vacas o ano todo? – Isso é jogar dinheiro fora!
Apenas um incentivou; justamente um produtor de laranja que posteriormente arrendaria, competindo com as usinas de açúcar, grande parte da terra dos vizinhos desta propriedade. Seria coincidência?
EXEMPLIFICANDO
Para reforçar o raciocínio através de números, foi utilizado um estudo comparativo realizado em 2006 pela Scot Consultoria.
Na época, foram analisadas três condições de empresas leiteiras.
“sem tecnologia”, que representa o produtor que quase não gasta com insumos. É a condição mais comum encontrada entre os fornecedores.
“baixa tecnologia”, que é o produtor que já explora a qualidade das vacas, mas ainda aproveita pouco o potencial da área.
“alta tecnologia”, produtor que ultrapassa os 25 mil litros/hectare/ano. Aproveita tanto o potencial das vacas como o potencial da área.
Os custos de produção são reais e foram levantados caso a caso. Para padronizar, usou-se os preços médios pagos pelo leite nos últimos cinco anos, corrigidos pelo IGP-DI. Observe o resumo dos resultados na tabela 1.
Mesmo com o custo de produção mais elevado, por litro de leite, a empresa de alta tecnologia possibilita renda líquida por hectare duas vezes superior à de baixa tecnologia. A baixa tecnologia, por sua vez, rende também quase duas vezes a mais que a situação sem aporte tecnológico.
Sair da situação sem aporte tecnológico, para a situação de baixa tecnologia, já possibilitaria um ganho significativo para o setor. Sem contar os benefícios econômicos para os produtores, como mostra a tabela 1.

Na situação de baixa tecnologia, o produtor já está se profissionalizando, buscando melhorar sua empresa. A capacidade de resposta a impulsos de mercado é menor, quando comparada à primeira situação. Já existe um plano nutricional na empresa.
A comparação ilustrativa, apresentada na tabela, desfavorece a alta tecnologia. O valor médio do leite, corrigido conforme a metodologia, atinge o nível pago aos produtores de maiores bonificações. Na prática a análise deveria adotar preço de R$0,49/litro para a primeira situação e R$0,52/litro para a segunda.
A comparação favoreceria mais ainda o processo de tecnificação da atividade.
VOZES DO CAMPO!
São várias as análises e estudos de casos produzidos por universidades, centros de estudos, institutos de pesquisa e outras organizações que comprovam as condições analisadas.
Ainda assim, em geral, a pecuária leiteira continua sendo vista como uma atividade marginal.
O lucro por litro de leite não é sinônimo de melhor resultado para o produtor. O que interessa é o montante líquido que entra no mês, ou no ano. E essa variável é mais relacionada à capacidade de produção da unidade (área) do que com o lucro por litro de leite produzido.
Em outras palavras, mesmo que o lucro por unidade seja alto, de nada adianta se há pouco para vender.
Interessante voltar à expressão “jogar dinheiro fora”. Realmente, à medida que se tecnifica, o desembolso financeiro é maior. No entanto, o dinheiro não foi jogado fora; pelo contrário, foi revertido em receita.
Esse é o raciocínio prático que deve ser difundido a campo, por produtores e por técnicos. O produtor precisa almejar a melhoria da sua empresa; precisa querer aumentar a tecnologia e produzir mais, profissionalmente.
Só assim os programas de assistência técnica trarão resultados positivos, sejam eles quais forem. Ninguém ajuda quem não quer ser ajudado. Por isso a importância de se difundir um novo paradigma para a produção leiteira.
Engana-se também quem acha que tecnologia é inviável para pequenos produtores. O produtor já possui os bens mais caros: a terra e o rebanho. O que falta é alimentação e sanidade.
E mesmo que os produtores fossem mais profissionalizados, ainda haveria oscilações nos preços, como em todas as atividades. No entanto, seriam menos drásticas e ocorreriam em ciclos mais longos.
Com isso, se reduziria também o maior risco da alta tecnologia, que é a possibilidade dos preços recuarem a patamares mais baixos do que os custos de produção.
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