Que Código Florestal, nada. O grande fiasco brasileiro na Rio+20 se esconde no etanol. O país que ensinou ao mundo como trocar a gasolina fóssil pelo álcool renovável engata marcha ré na utilização do combustível limpo. Um vexame ambiental.
Pode-se comprovar facilmente esse retrocesso na bioenergia. Em 2011, o consumo dos combustíveis derivados de petróleo - gasolina principalmente - cresceu 19%, enquanto o uso do etanol nos veículos despencou 29%. Não precisa dizer mais nada. Anda na contramão da história a matriz energética dos transportes no Brasil.
Aconteceu que os consumidores reagiram ao desequilíbrio de preços a favor da gasolina. Duas razões básicas explicam a mudança do mercado. Primeiro, o governo federal tem reduzido o encargo da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a gasolina, taxa que nos últimos anos recuou de 14% para 2,6%.
Em consequência, acabaram praticamente equiparados os custos tributários de ambos os combustíveis. Uma política moderna de sustentabilidade, como buscada em todo o mundo, procederia ao contrário, ou seja, reduziria a carga tributária sobre o biocombustível, não sobre o derivado de petróleo.
Trata-se, obviamente, de uma decisão política, arcada pelo governo federal desde 2002. Com a redução da referida taxa, a Petrobrás, que normalmente deveria ter elevado o preço dos derivados de petróleo para manter sua competitividade global, se compensa pela perda de rentabilidade recolhendo menos imposto ao governo. Tudo dissimulado. Conta paga pela sociedade.
Em segundo lugar, a gasolina barata segura, obviamente, o preço do etanol na bomba, roubando margem dos produtores. Pouco lucrativa, a atividade alcooleira vê sua matéria-prima se direcionar para a fabricação de açúcar, movimento que se observa há tempos nas usinas. Bastante rentável no mercado internacional, o açúcar estimula a pauta das exportações. Resultado: a oferta de etanol se retrai, tendendo a elevar seu preço no posto de combustível, espantando a freguesia. Elementar.
O Brasil produziu cerca de 28 bilhões de litros de etanol nesta última safra (2010/2011). Nos EUA o volume já ultrapassou 50 bilhões de litros. Incrível. O país que inventou o Proálcool, obtido a partir da cana-de-açúcar, está tomando poeira dos gringos, que destinam 40% de sua safra de milho para a fermentação alcoólica. Mais ainda. A necessidade de manutenção de estoques confiáveis começou a exigir volumosas importações de etanol. Sabem de quem? Dos norte-americanos, claro. No ano passado, o Brasil comprou acima de 1,1 bilhão de litros de etanol dos EUA. Acredite se quiser.
Não é à toa que paira desilusão no setor sucroalcooleiro. Estimulados pela agenda da economia verde, nos transportes viabilizada definitivamente com a geração dos motores flex fuel, inéditos e fortes grupos, nacionais e multinacionais, entraram na atividade. Anunciaram planos formidáveis que, após quatro anos, micaram, roubando o fôlego do parque alcooleiro. Notícia ruim chega dos canaviais. E quem pensa que é chororô de usineiro se engana feio. Corretores garantem que 20% das usinas do Centro-Sul estão à venda. Sem comprador. As chamadas greenfields, novas plantas a serem construídas, em vários Estados, ficaram no papel. O pouco dinamismo existente advém da ampliação e modernização de fábricas já instaladas. Passos de tartaruga no etanol.
Milhares de estudiosos, ambientalistas e jornalistas se encontrarão logo mais na Rio+20. O governo brasileiro fará ginástica para justificar o inexplicável. Enquanto as nações se debruçam para encontrar soluções capazes de esverdear sua (suja) matriz energética, por aqui se desperdiça uma oportunidade de ouro, retrocedendo no uso do combustível renovável.
Os produtores de cana-de-açúcar e os usineiros de etanol, por sua vez, lançaram por aqui o Movimento Mais Etanol, querendo influenciar a mídia e sensibilizar o governo para sua agenda. Eles se propõem a dobrar de tamanho até 2020 - o que, ademais, geraria 350 mil empregos diretos -, mas precisam viabilizar uma estratégia de política pública que devolva ao etanol a competitividade roubada pelo controle dos preços da gasolina. Basta, de cara, reduzir a carga tributária sobre o biocombustível.
Gasolina barata e etanol caro acabam criando um círculo vicioso contra o meio ambiente, prejudicando a saúde pública. Segundo a Agência de Proteção Ambiental norte-americana (EPA, na sigla em inglês), o etanol derivado da cana-de-açúcar pode ajudar a reduzir até 91% o efeito estufa da Terra, quando comparado com as emissões advindas da queima de gasolina. Mas, curiosamente, o ambientalismo pouca bola dá para essa tragédia da poluição urbana.
O foco de sua ferrenha atuação, conforme se verificou na questão do novo Código Florestal, mira no assunto da biodiversidade. Contra o desmatamento.
A intolerância dos ambientalistas agride os agricultores, como se do campo partisse todo o mal contra a natureza. Citadinos, eles poupam as desgraças ecológicas provocadas pela urbanização, a começar pelos escapamentos veiculares. Novos estímulos públicos ao setor automobilístico favoreceram agora as montadoras. Nenhum compromisso ambiental se firmou. Pouco importa, tristemente, aos radicais verdes.
Tal miopia do movimento ambiental, infelizmente, ajudará o governo a esconder, na Rio+20, o retrocesso na agenda do etanol. Seria interessante, aliás, como subproduto da reunião, discutir para onde caminha o ambientalismo brasileiro.
A incrível capacidade fotossintética do Brasil garante enorme vantagem na produção de biocombustível, energia renovável misturada com geração de empregos. Desprezá-la significa maltratar o etanol, um filho da Pátria.
Pecuária feita por mulheres - Episódio 8 - Carolina Barretto
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